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Dez perguntas e respostas sobre uma Escócia independente

O país sairia da UE? Já poderia participar de competições esportivas? Veja as respostas aqui

Pablo Guimón
Escoceses pró-independência em Stirling, nesta segunda.
Escoceses pró-independência em Stirling, nesta segunda.STR (EFE)

1. Seria preciso passaporte para transitar entre a Escócia e o Reino Unido?

Os nacionalistas asseguram que não, mas a realidade não é tão clara. A população da Escócia cresce menos que no resto do Reino Unido. Os escoceses têm menos filhos, e a população envelhece. A Escócia precisa de trabalhadores. Por isso, os nacionalistas prometem uma política de abertura para a imigração se a independência vencer: abrandariam a exigência britânica de um salário anual de 20.300 libras (77.273 reais) para obter a residência e permitiriam aos estudantes estrangeiros que permanecessem no país por alguns anos após se formarem. Já o Reino Unido não parece inclinado, nem de longe, a suavizar suas políticas migratórias. Não convém esquecer que o xenófobo Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) foi o partido mais votado nas últimas eleições europeias no país.

Os nacionalistas afirmam que não haverá controle de passaportes na fronteira, mas, se dois Estados vizinhos tiverem políticas diferentes sobre imigração, o normal é que tais controles existam. Por outro lado, o Partido Nacional Escocês (SNP) já expressou sua intenção inequívoca de que Escócia faça parte da União Europeia. Mas parece mais partidário de permanecer na Common Travel Area (zona de livre trânsito entre o Reino Unido e a República da Irlanda) do que de aderir ao Tratado de Schengen (que prevê a livre circulação em países da Europa continental), e isso poderia ser um problema na hora de bater à porta de Bruxelas.

2. Que moeda uma Escócia independente usaria?

É a pergunta que mais ruído gerou durante a campanha. E a resposta não é simples. Teria, em princípio, três possibilidades: a libra esterlina, o euro ou uma nova moeda própria. Desde o começo, os independentistas asseguraram que uma Escócia independente continuaria usando a libra em uma união monetária com Reino Unido remanescente. Mas os três partidos tradicionais e o presidente do Banco da Inglaterra negam essa possibilidade, que obrigaria o Reino Unido, por exemplo, a resgatar os bancos escoceses (cujos ativos somam doze vezes o PIB escocês) em caso de crise financeira.

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Além disso, se ficar dependente da política monetária do Banco da Inglaterra, a Escócia perderia o controle sobre sua moeda, algo perigoso para uma economia apoiada no petróleo, um produto de preços flutuantes. Como advertiu o economista Paul Krugman (citando a Espanha como exemplo negativo), “a combinação de independência política e moeda compartilhada é uma receita para o desastre”. A única coisa clara é que, caso o sim vença, na sexta-feira a Escócia continuará usando a libra enquanto negocia os próximos passos com o Reino Unido.

3. Como seria repartida a dívida pública do Reino Unido?

O lógico é que fosse dividida entre o número de habitantes para calcular a parte que corresponde a cada lado. À Escócia caberiam entre 121 e 143 bilhões de libras (73% a 86% do PIB de uma Escócia independente). No entanto, o Governo britânico permaneceria como fiador do total da dívida existente. A Escócia poderia alegar que os dividendos gerados pelo petróleo de suas águas territoriais deveriam ser descontados da sua parte da dívida. Mas Londres poderia responder que o gasto público per capita na Escócia é entre 10% e 15% maior do que no resto do Reino Unido.

4. Quais poderes a Escócia teria que não tem hoje?

Os escoceses votaram pela devolução de poderes em 1979 e, embora o sim tenha vencido por uma estreita margem, o referendo não teve validade, já que reuniu menos de 40% do eleitorado. Em 1997, voltaram a votar e, com uma participação de 60%, o sim foi majoritário para as duas perguntas: se a população desejava um Parlamento próprio (74%) e se queria que esse Parlamento tivesse competências fiscais (63%). Desde então, o Parlamento de Holyrood (Edimburgo) foi adquirindo competências sobre saúde, educação e transporte. Os benefícios sociais e a maioria dos impostos ainda continuam sendo competência de Londres.

5. A Escócia teria o seu próprio Exército? Como se dividiria o Exército do Reino Unido e suas armas?

“A Escócia terá suas próprias forças militares”, estabelece o atual Governo escocês em seu documento O Futuro da Escócia, onde também assegura que fará parte da OTAN (ver abaixo). Seu objetivo é contar, em dez anos, com forças de terra, mar e ar formadas por 15.000 efetivos regulares e 5.000 reservistas. Os cálculos econômicos dos nacionalistas são os seguintes: a Escócia contribui com 3 bilhões de libras (11,42 bilhões de reais) por ano com o gasto de defesa do Reino Unido, mas só 2 bilhões de libras ficam na Escócia. O Governo regional propõe, portanto, um orçamento de 2,5 bilhões de libras, equivalente ao da Dinamarca. Há 14.510 funcionários do Ministério de Defesa britânico na Escócia, ou 7,5% do total, sendo 10.600 deles militares e 3.910 civis. O atual Governo escocês assegura que essas pessoas deveriam poder escolher entre continuar no Exército do Reino Unido remanescente ou se incorporar ao escocês.

Londres adverte de que não se trata de algo tão simples como recrutar as unidades baseadas em Escócia, as quais “são parte essencial do Exército britânico e que, isoladas, não constituiriam uma força coerente, crível e equilibrada”. Depois há o tema das armas. Os arsenais poderiam ser divididos em função da sua localização geográfica. E então chegamos ao espinhoso tema da base de submarinos nucleares Trident. O atual Governo escocês prometeu que a tiraria da Escócia. Londres respondeu que “se o resultado do referendo significar uma ameaça à situação atual, seriam consideradas outras opções, mas qualquer solução alternativa teria um custo enorme”. Cabe esperar que o problema seja empurrado com a barriga – que, no processo da negociação, chegue-se a um acordo para o adiamento da transferência da base.

6. Teria sua própria Bolsa de valores?

Dos cerca de 30 países criados nos últimos anos na Europa e Ásia, só Kosovo e Turcomenistão não possuem uma. De modo que a Escócia, muito provavelmente, teria a sua própria Bolsa de valores. O índice, segundo um estudo de Paul Marsh e Scott Evans, da London Business School e da Walbrook Economics, citado pela The Economist, seria altamente concentrado, com três grandes companhias (SSE, Standard Life e Royal Bank of Scotland) representando 40% do seu valor. E muito financeiro: bancos e seguradoras somariam 28%, e fundos de investimento, outros 26%. Se todas as companhias escocesas que operam na City londrina decidissem transferir sua negociação mercantil para a Escócia, esse seria o 28º mercado mais importante do mundo. Mas não é provável. A legislação europeia poderia obrigar companhias como o Royal Bank of Scotland a transferir sua sede ao país onde tem mais atividade: no caso, o Reino Unido remanescente. Os bancos escoceses já anteciparam que transfeririam suas sedes para o sul da fronteira em caso de separação.

7. A Escócia pertenceria à União Europeia?

Com toda probabilidade, sim. O debate é quanto demoraria até se tornar membro. Os independentistas admitiram, e Bruxelas deixou claro, que a separação deixaria a Escócia fora da União Europeia. Uma vez alcançada a independência, a Escócia deveria seguir, como qualquer outro Estado candidato, a rota estabelecida nos tratados europeus. Mas também poderia solicitar ao Reino Unido remanescente que peça, através da via instituída pelo artigo 48, uma modificação dos tratados para que a Escócia permaneça na UE por uma maioria simples dos membros. Assim seriam evitados anos de incerteza, traduzidos em custos e complicações burocráticas em ambos os lados da fronteira.

Outra coisa é o futuro europeu do Reino Unido remanescente. A Escócia é mais europeísta que a média do Reino Unido. Sem seus votos, não está nada claro qual será o resultado do referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE, anunciado por Cameron para o ano que vem. Não seria descartável um cenário, dentro de alguns anos, da Escócia dentro da UE e o Reino Unido fora.

8. E a ONU? E a OTAN?

Uma Escócia independente deveria solicitar sua adesão às Nações Unidas, mas se trataria, em princípio, de uma mera formalidade. O Sudão do Sul, o último país a ser criado, conseguiu entrar na ONU dias depois de adquirir a independência, em 2011. Tudo indica que a Escócia não estaria, entretanto, no Conselho de Segurança, a não ser que obtivesse um dos 10 assentos sem direito a veto, definidos em eleição a cada dois anos. O natural seria que o Reino Unido remanescente, como Estado sucessor, mantivesse a vaga permanente e o direito a veto, privilégio que compartilha com EUA, França, Rússia e China.

Existe o precedente da Rússia, que manteve seu posto no Conselho de Segurança depois de a União Soviética ser desmembrada em 15 países. Quanto à OTAN, o Governo escocês assegura que, depois de um voto pela independência, “declarará formalmente sua intenção de se tornar membro, seguindo os procedimentos normais”. Mas pode ser que sua declarada intenção de retirar da Escócia a base dos submarinos nucleares Trident atrapalhasse sua candidatura.

9. A rainha da Inglaterra continuaria sendo a chefa de Estado da Escócia?

O documento O Futuro da Escócia é claro a este respeito: “A proposta do Governo escocês é que a rainha continuará sendo chefa de Estado na Escócia, da mesma maneira que em nações independentes como Canadá, Austrália e Nova Zelândia”. “Esta será a posição”, prossegue, “enquanto o povo de Escócia continuar desejando que nosso país seja uma monarquia”. A rainha, por sua vez, declarou-se neutra no processo, embora dias depois tenha pedido aos escoceses que pensem “com muito cuidado sobre o futuro”, o que foi interpretado como um discreto apoio ao não.

10. O que ocorrerá com o esporte de competição?

O primeiro grande evento da Escócia independente seriam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Um estudo encarregado pelo Governo escocês concluiu que não haveria impedimentos para que Escócia participasse dos Jogos com uma equipe própria. Mas a decisão depende do Comitê Olímpico Internacional, cujo vice-presidente Craig Reedie assegurou que, para isso, o país deveria primeiro ser membro da ONU (ver acima).

O estudo, entretanto, adverte sobre as dificuldades de atrair para a Escócia esportistas integrados na estrutura olímpica do Reino Unido, sobretudo nos esportes coletivos. E acrescenta que os atletas deveriam ter a possibilidade de escolher entre a equipe escocesa ou a britânica. De resto, a equipe de uma Escócia independente poderia ser relativamente competitiva, levando-se em conta que na Olimpíada de Londres-2012 os atletas escoceses formaram 10% da equipe britânica, mas participaram de 20% das medalhas obtidas pelos anfitriões. Quanto à UEFA e à FIFA, a Escócia já é considerada como um Estado independente nesses organismos que regem o futebol europeu e mundial, respectivamente, de modo que não deveria haver mudanças. E o Open britânico de golfe? Os organizadores já confirmaram que, haja o que houver, em 2015 ele continuará sendo disputado em Saint Andrews.

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