Zuckerberg: “Não é verdade que para nós o lucro esteja acima do bem-estar dos usuários”
Fundador do Facebook responde com um texto na sua página pessoal às acusações da ex-funcionária: “De tudo o que foi publicado, o que mais me preocupa é a parte relativa à infância”
Foi preciso um mês inteiro de revelações jornalísticas e uma audiência no Senado dos Estados Unidos para que Mark Zuckerberg finalmente viesse a público, no final da noite de terça, para responder às acusações feitas ao Facebook pela ex-funcionária Frances Haugen, engenheira de informática que deixou a empresa em maio levando consigo dezenas de milhares de documentos internos que demonstram as más práticas da rede social. “Difundiu-se a ideia de que colocamos os lucros da empresa acima do bem-estar das pessoas. Isso simplesmente não é verdade”, escreveu o executivo-chefe do Facebook numa comunicação interna dirigida inicialmente aos seus funcionários, mas que ele quis “compartilhar com todo mundo” através da sua página pessoal. “Estou certo de que muitos de vocês não reconheceram a empresa onde trabalham em tudo o que foi dito nos últimos dias. Porque sabem que nos preocupamos profundamente com a segurança, o bem-estar das pessoas e sua saúde mental”.
As denúncias chegaram nesta terça-feira ao Senado dos EUA, onde foram recebidas com unânime preocupação pelos legisladores democratas e republicanos, aparentemente unidos na necessidade de aumentar a regulação sobre as redes sociais. Os documentos de Haugen pintam um panorama segundo o qual Zuckerberg e os seus executivos não fazem o suficiente para impedir a difusão da desinformação, do discurso de ódio e da propaganda antivacina, porque a reação esses a conteúdos que inflamam os ânimos dos usuários causa uma dependência e a necessidade de passar mais tempo em seus aplicativos. E quanto mais tempo o usuário passa, maior a rentabilidade para a companhia. “O argumento de que promovemos deliberadamente conteúdo que enfurece as pessoas com finalidades de lucro carece de lógica”, diz Zuckerberg em seu comunicado, no qual não se refere à ex-funcionária pelo nome. “Nosso faturamento provém dos anúncios, e os anunciantes nos advertem constantemente de que não querem aparecer junto a conteúdos agressivos.”
As revelações da denunciante do Facebook – que permaneceu anônima até revelar sua identidade no programa 60 Minutes desta semana – demonstram também que a rede social tem em mãos estudos mostrando que seu ecossistema leva meninas e adolescentes a “pensamentos suicidas e transtornos alimentares” sem que ninguém faça nada para impedir. “De tudo o que foi publicado, o que mais me preocupa é a parte relativa à infância”, responde o fundador da empresa tecnológica, que tem mais de 3,5 bilhões de usuários, 60% da população mundial com acesso a internet. “Refleti muito sobre que tipo de experiências eu gostaria para os meus filhos, e acredito que seja crucial construir um entorno seguro e bom para a infância. É inegável que as crianças usam tecnologia, e queremos liderar esse mercado mantendo-os a salvo, como demonstramos com [o serviço de mensagens] Messenger Kids, que está provado que é melhor opção a alternativas oferecidas pela concorrência”.
Em seu texto, Zuckerberg cita como exemplo desse compromisso o fato de o Facebook ter “interrompido temporariamente” na semana passada, em plena tempestade causada pelas revelações de Haugen, o lançamento de um serviço do Instagram para crianças (a plataforma não permite que menores de 13 anos abram contas). Segundo os dados citados pelo fundador do Facebook, proprietário também do Instagram, as adolescentes se deparam na rede social “com os mesmos problemas que qualquer garota da sua idade sempre teve”.
O magnata responde em seu texto à audiência do Senado, em que os partidos defenderam uma regulamentação das redes sociais como já existe com o tabaco. “Não acredito que as empresas privadas devam tomar todas as decisões por si mesmas”, escreve Zuckerberg, que na segunda-feira viu seu império desmoronar como um castelo no ar durante as cinco horas em que o Facebook, o Instagram, o WhatAapp e o Oculus ficaram fora do ar – por uma falha humana, segundo as primeiras investigações. “Pedimos essas regulações há vários anos. Depus no Congresso várias vezes e insisti para que atualizem as normas. Tenho escrito artigos de opinião que descrevem as áreas legislativas que acreditamos serem as mais importantes com relação aos processos eleitorais, o conteúdo nocivo, a privacidade e a concorrência”, afirmou.
“Sei que é frustrante ver como se prejudica o bom trabalho que fazemos”, conclui o texto de Zuckerberg, “especialmente daqueles que trabalham em segurança, integridade, pesquisa e produtos. Mas acredito que, em longo prazo, se continuarmos tentando fazer o que é certo e oferecendo experiências que melhorem a vida das pessoas, será melhor para nossa comunidade e para o nosso negócio”.
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