O declínio da Primark: a loja de departamentos europeia sobreviverá ao revés do coronavírus?
Sem loja online, com margem muito estreita e com grande dependência da relação de venda por metro quadrado em suas lojas, o futuro da marca de moda ultra rápida é mais incerto do que nunca
Noite de verão em Xanadú, um centro comercial a sudoeste de Madri. Quando o relógio marca oito horas, o termômetro ainda indica 38° C do lado de fora; dentro a vida avança sem mudanças entre famílias com crianças e grupinhos de adolescentes arrumados. Além das máscaras, poucos sinais indicam que esse não é mais um verão: na entrada de cada loja os responsáveis do local pintaram um caminho para que os clientes possam esperar respeitando a distância social. Somente dois, dos mais de 150 comércios, têm fila: a Apple e a Primark. Como indica a empresa de moda ultra rápida, seu estabelecimento de dois andares tem capacidade de 1.028 pessoas. Ainda assim, há três dezenas esperando sua vez na porta. “Desde que reabrimos não paramos. Aqui sempre tem gente”, conta uma vendedora enquanto dobra agasalhos (36 reais cada um). As filas se repetem há semanas nas 373 lojas da marca no mundo.
“Não toque, tem coronavírus”, diz a seu filho uma das muitas mães que percorrem os corredores. Ainda que na nova normalidade fazer compras não seja um passatempo, há coisas que não mudam: a compra de roupas continua recaindo sobre elas. A roupa infantil, que invadiu um quarto do local, é enviada por peça tanto em Madri como no restante da Europa, como revelou em junho a própria empresa: “A demanda dos consumidores foi forte nos casos de moda para crianças, lazer e roupa de noite”, apurou a Cinco Días à época. Mas a Primark precisa de muitas filas e muitas crianças para compensar o tremendo revés do coronavírus. Com todas as suas lojas fechadas pelo menos desde 22 de março e sem ecommerce, a rede perdeu 700 milhões de euros (4 bilhões de reais) mensais em rendimentos.
Futuro no ar
A reabertura durante os meses de maio e junho foi positiva. Até mesmo mais do que esperavam as previsões da marca, propriedade do grupo britânico-irlandês A.B. Foods. “Em várias lojas, as vendas foram superiores às do ano passado”, disseram em seu último relatório financeiro. Em 2019 a Primark reportou rendimentos no valor de 7,792 bilhões de libras (52 bilhões de reais), 4,2% a mais do que em 2018. O valor representa quase 50% do faturamento do conglomerado que também está por trás de marcas comuns no supermercado como Twinings, Patak’s, Blue Dragon e Jordans. Justamente na destreza no setor do grande consumo está a chave do sucesso da rede de fast fashion, que leva as táticas de marketing à moda: “A Primark oferece uma grande relação qualidade-preço ao incorrer em custos publicitários mínimos, deixando que seus clientes sejam porta-vozes; comprando com economias de escala em grandes quantidades e transferindo essa economia no custo ao cliente. Mantendo os gastos gerais ao mínimo, mas investindo em logística”, defendem no balanço de 2019. Seus preços, excepcionalmente baixos, também jogam a seu favor em um clima de crise como o que se avizinha.
Mas nem todos os dados são tão animadores. Durante o fechamento de comércios na Europa e nos Estados Unidos a Primark precisou lidar com um excesso de estoque sem precedentes. Com um modelo baseado na venda rápida de peças produzidas na Ásia, ao não poder vendê-las a rede ficou com um acúmulo de estoque avaliado em mais de 1,6 bilhão de euros (10 bilhões de reais), além de pedidos no valor de 425 milhões (2,5 bilhões de reais). Em um primeiro momento decidiu cancelar esses pedidos (que em muitos casos já estavam em andamento) ainda que isso significasse a ruína para seus fornecedores: “Ficou exposta a situação de exploração que cerca muitas marcas do fast fashion. Veja o que está acontecendo, de Bangladesh ao Camboja, de Sri Lanka à Etiópia. Os pedidos cancelados, sem pagar, e dezenas de atitudes reprováveis. Os trabalhadores não só morrem pelo vírus, como também de fome. E agora o consumidor conhece o panorama de primeira mão”, disse ao EL PAÍS Livia Firth. A pressão internacional fez com que tanto a Primark como outros titãs do baixo custo se comprometessem a pagar o encomendado. O resultado para os irlandeses? Precisaram procurar um armazém em Londres para guardar essas provisões e ficaram no mês de junho com um inventário avaliado em mais de 2,11 bilhões de euros (13 bilhões de reais). Suas relações com seus fornecedores e seu plano de sustentabilidade (traçado às pressas) são críticas frequentes à bandeira do baixo custo que lida com um consumidor cada dia mais exigente e informado.
Os templos são físicos, não digitais
O banco suíço UBS estimou que abrir uma loja online não seria lucrativo para a Primark: para cada pedido de 37 euros (222 reais) perderia 2,35 (14 reais) ao precisar incluir em seus custos novos gastos de distribuição, armazenagem, processamento de pagamento, atendimento ao cliente e marketing. “O que a Primark oferece aos seus consumidores não parece ser facilmente replicável online. Enquanto existir demanda de camisetas a dois euros (12 reais), as pessoas precisarão ir às lojas”, alertaram os analistas que assinalaram que a da empresa é a margem mais estreita do setor (40%), muito atrás da Zara (57%), por exemplo.
Seu tamanho joga a seu favor: é um gigante, mas suas 373 lojas (a metade no Reino Unido) estão bem longe das 7.000 do grupo Inditex. Com somente nove em todos os Estados Unidos e quatro na Itália, seu potencial de crescimento ainda é grande. O fato de não o ter explorado ao máximo pode ser de grande ajuda para superar agora o golpe do coronavírus, que fará com que suas lojas símbolo percam parte do encanto. A capacidade limitada e a distância social farão com que seus centros de peregrinação prescindam de serviços complementares que faziam com que passar uma tarde na Primark fosse um plano para muitos.
Essa dependência absoluta do ponto de venda físico faz com que nada livre a Primark de um grande baque. A consultora Morgan Stanley prognostica três cenários: seu lucro em 2020 pode oscilar entre 240 milhões de libras (1,6 bilhão de reais) a 50 (336 milhões de reais). Uma redução inimaginável em 2019, quando fechou com lucro de 913 milhões de libras (6 bilhões de reais). Seu futuro, como o de tantos, está nas mãos da vacina contra a covid-19 e de sua capacidade de adaptação às demandas do novo consumidor.
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