Augusto Aras diz que vai “oficiar” Paulo Guedes, e as outras reações aos ‘Pandora Papers’ na América Latina
Revelações do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) motivaram respostas políticas do Brasil, Colômbia e Chile
O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou ao site Poder 360 que vai “oficializar” Paulo Guedes acerca da offshore mantida pelo ministro da Economia em um paraíso fiscal. Guedes é dono da Dreadnoughts, empresa aberta nas Ilhas Virgens Britânicas em sociedade com a mulher, Maria Cristina Bolivar Drumond, e a filha, Paula Drumond Guedes. A informação só se tornou pública por meio dos documentos revelados pelos Pandora Papers, em uma investigação liderada pela revista Piauí. Os documentos revelados mostram que Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, também criou empresas em paraísos fiscais.
A reação de Aras vem na esteira de diversas outras reações em todo o mundo, depois que os documentos foram revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em sua sigla em inglês), do qual o EL PAÍS participa. “Trata-se de uma notícia que foi publicada pela imprensa. Com todo respeito à mídia, não podemos fazer investigações com base em notícias”, afirmou Aras ao Poder 360. “O PGR fará, como de praxe, uma averiguação preliminar. Vamos ouvir algumas pessoas e requisitar documentos. Depois é que vamos fazer um juízo de valor se é necessário pedir a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal, que é o foro para quando há ministros de Estado citados. Mas tudo será dentro do devido processo legal. A primeira pessoa a ser ouvida será o ministro Paulo Guedes, que será oficiado e poderá com tranquilidade enviar todos os esclarecimentos. Podemos também oficiar órgãos de controle. Mas não faremos nenhum juízo de valor antes disso”.
No domingo, poucas horas depois que os documentos foram revelados, os partidos de oposição anunciaram que irão à Justiça e pedirão que Guedes e Campos Neto deponham sobre suas estruturas financeiras offshore, segundo noticiou o portal Metrópoles, um dos meios brasileiros que participaram da investigação internacional.
A publicação dos Pandora Papers teve um alcance planetário, mas foi na América Latina que ela expôs com mais clareza, uma vez mais, que uma elite controla parte de sua fortuna através de paraísos fiscais. Os poderosos da região utilizam uma teia de fundos fiduciários, sociedades interpostas e outras empresas de fachada em lugares como as Ilhas Virgens Britânicas e o Panamá. Com a revelação dos nomes e das estruturas societárias dos implicados, as reações não tardaram.
O ex-prefeito de São Paulo e candidato à presidência Fernando Haddad (PT) afirmou em seu Twitter que é “antiético manter contas em paraísos fiscais para não pagar impostos” e pediu apuração dos fatos. O senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da minoria do Senado, disse que o Senado deveria investigar. “Vamos estudar a possibilidade de convocar as duas autoridades para se explicaram diante dos senadores”, afirmou. Já Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição ao Governo na Câmara dos Deputados, classificou como “escândalo gravíssimo” e afirmou que vai chamar Guedes e Campos Neto para apresentar esclarecimentos na Câmara.
Na Colômbia, o candidato presidencial Alejandro Gaviria disse ao EL PAÍS que “os paraísos fiscais impedem a equidade nos impostos e contrariam a construção da equidade”. “Celebro investigações deste tipo”, acrescentou. Dois dos cinco ex-presidentes vivos do país, o liberal Cesar Gaviria (1990-1994) e o conservador Andrés Pastrana (1998-2002), recorreram a empresas financeiras opacas, de acordo com a investigação global coordenada pelo ICIJ.
O esquerdista Gustavo Petro, favorito nas pesquisas para as eleições de 2022, se pronunciou através do Twitter: “588 colombianos entre os mais ricos do país têm contas em paraísos fiscais, ou seja, não pagam impostos à Colômbia. Estão vendo por que é pertinente aumentar os impostos sobre os patrimônios improdutivos dos mais ricos do país, em vez de tributar o salário e a comida?”. O congressista verde Inti Asprilla acrescentou: “Pastrana e a Cesar Gaviria não estão unidos somente pelos Pandora Papers; o trabalho já havia sido feito [pelo ex-presidente Álvaro] Uribe com [o atual presidente] Iván Duque. A coincidência tem sua origem na podridão do establishment político colombiano, que simplesmente é imperativo derrotar em 2022″.
Um dos próprios implicados, Lisandro Junco Riveira, deu explicações a respeito. O chefe da Direção de Impostos e Alfândegas Nacionais da Colômbia (DIAN) emitiu nota dizendo que o problema não é ter ativos no exterior. “O problema é não declará-los”, acrescentou em maiúsculas. Segundo a apuração conjunta El Espectador/Conectas, Junco Riveira criou uma empresa em Delaware (EUA) e teria também uma conta em Chipre e um escritório virtual em Londres administrados através de um prestador de serviços com sede em Dubai. “A firma lá mencionada está ativa, mas não opera desde sua criação até a presente data. Ainda assim, cumpre todas as obrigações tributárias tanto nos Estados Unidos como aqui na Colômbia (...). Infelizmente, há quem queira me desprestigiar perante o país”, afirmou o chefe do fisco colombiano.
Na documentação dos Pandora Papers – 11,9 milhões de arquivos que reúnem o trabalho de 14 escritórios de advocacia que prestam serviços a offshores, aparece com força o presidente do Equador, Guillermo Lasso. O empresário conservador, uma figura muito distante dos mandatários anteriores, Rafael Correa e Lenín Moreno, usou até 14 empresas de fachada no Panamá e Estados Unidos. Antes de lançar sua terceira candidatura à presidência, na qual finalmente se saiu vitorioso, ele se desfez de grande parte da estrutura offshore, que ele havia mantido nas duas campanhas anteriores. Correa publicou uma captura de tela da informação dos Pandora Papers nas redes sociais e escreveu: “Que bonito é não ter telhado de vidro! Veremos quem é quem no Equador, na América Latina e no mundo. Sem paraísos fiscais, não existiria a corrupção de altos voos. Tic-tac… #OsCorruptosSempreForamEles”. O derrotado candidato presidencial de Correa nas eleições deste ano, Andrés Arauz, foi mais enigmático, embora a crítica pudesse ser entendida de longe. “Interessante”, tuitou, com link para um chat ao vivo sobre a investigação, da qual participaram veículos internacionais como EL PAÍS, The Washington Post e a BBC.
No Chile, o Governo reagiu com um extenso comunicado às revelações dos Pandora Papers sobre a participação do presidente Sebastián Piñera na venda da mineradora Dominga. O Executivo chileno disse que a transação “já foi investigada em profundidade” pelo Ministério Público e a Justiça em 2017, quando promotores recomendaram “arquivar a ação pela inexistência de crimes, por se ajustar à lei e por falta de participação do presidente Sebastián Piñera na mencionada operação”.
“O presidente nunca participou”, acrescenta a nota, “nem teve informação alguma a respeito do processo de venda de Minera Dominga, operação que ocorreu no ano 2010, quando o mandatário já não tinha nenhuma participação na administração dessas empresas. Adicionalmente, reitera-se que o presidente da República não participa da administração de nenhuma empresa há mais de 12 anos, antes de assumir sua primeira presidência”. A oposição, no entanto, considerou “insuficientes” as explicações oficiais e não descarta promover uma acusação constitucional.