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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Se o Congresso quiser, o Brasil acelera já o acesso às vacinas e remédios contra a covid-19

A Lei das Licenças abre caminho para o abastecimento de vacinas, tratamentos e outros produtos, permitindo a compra ou produção de genéricos e biossimilares, mas o Congresso deve derrubar vetos impostos por Bolsonaro após a aprovação da lei

Homem recebe a vacina contra a covid-19 em São Paulo no dia 14 de agosto.
Homem recebe a vacina contra a covid-19 em São Paulo no dia 14 de agosto.Sebastiao Moreira (EFE)

A preocupação com o acesso à saúde, aos remédios e às vacinas tem tirado o sono de milhões de brasileiros. Várias pesquisas indicam que a saúde é considerada o principal problema do país, superando inclusive o desemprego, a economia ou a fome, de acordo com pesquisa do instituto Datafolha de setembro deste ano.

Não há dúvidas de que esse será um dos temas centrais na pauta política dos próximos anos, especialmente nas eleições de 2022. A atenção do eleitor estará voltada para distinguir quem se esforça para combater a pandemia de covid-19 e quem contribui para prolongá-la.

O surgimento de uma nova variante, a ômicron, rapidamente classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como de preocupação, revela: a desigualdade no acesso a vacinas, diagnósticos e tratamentos é, além de falha moral grave, terreno fértil para que o vírus amplifique seu rastro de destruição.

Não há como acabar com essa desigualdade sem modificar as regras de propriedade intelectual. Essas regras fazem com que o conhecimento capaz de deter o vírus fique guardado a sete chaves. Logo, garantir acesso aberto a este conhecimento e aumentar acesso a tecnologias de saúde para salvar vidas é o ato político mais importante a ser tomado no momento.

Há expectativa geral de que essa seja uma decisão consensuada entre os países no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). A ideia é a facilitar o aumento da produção e distribuição de vacinas, medicamentos e diagnósticos. No entanto, a negociação em torno de uma suspensão global de certas regras de propriedade intelectual já leva 14 meses. Tanta demora é o pano de fundo do surgimento da nova variante do vírus, que está fazendo o mundo mergulhar novamente em estado de alerta máximo, ao ponto que a própria reunião Ministerial da OMC, que seria nesta semana e tinha a suspensão das patentes como tema central na pauta, foi cancelada.

Felizmente, paralelamente ao processo na OMC, o Brasil já avançou largos passos em direção a uma solução nacional para essa crise de acesso a bens de saúde essenciais no enfrentamento da Covid-19. Trata-se da Lei 14.200, a Lei das Licenças, que abre caminho para o abastecimento seguro e sustentável de vacinas, tratamentos e outros produtos de saúde para a população, permitindo a compra ou produção de genéricos e biossimilares.

Essa lei é fruto de amplo consenso alcançado tanto na Câmara como no Senado, e é cada vez mais necessária, visto que o Brasil está neste momento excluído da lista de países autorizados a comprar versões genéricas de dois medicamentos promissores, o Molnupiravir e o Paxlovid, antivirais voltados para o tratamento inicial da infecção pelo SARS CoV-2. A lei também é importante para garantir que a oferta de doses de reforço das vacinas seja viável no SUS nos próximos anos.

É importante lembrar que o orçamento para compra de vacinas no ano que vem será 85% menor e que o preço das vacinas não para de subir. A imunização contínua dependerá da capacidade de o Brasil conseguir negociar com qualquer fornecedor qualificado. Hoje, isso não é possível, pois o governo é obrigado a negociar apenas com empresas titulares de patentes e aceitar suas condições, muitas vezes desfavoráveis.

Acontece que, para que a Lei 14.200 realmente transforme a realidade do combate à covid-19 no Brasil, ainda falta um último passo: a derrubada dos vetos presidenciais impostos pelo presidente Jair Bolsonaro logo após a aprovação da lei. A 14.200 é bastante clara sobre como devem ser identificados e listados os produtos relevantes, como deve ser a identificação de produtores qualificados capazes de produzir os genéricos e como deve ser conduzido o processo de licenciamento compulsório. No entanto, para se ter uma ideia, a clareza sobre os prazos que devem ser cumpridos pelo poder executivo agora durante a pandemia de covid-19 foi absolutamente extirpada por um dos vetos.

O próprio governo federal reconheceu que a lei tem validade já para esta emergência de saúde, mas, ao mesmo tempo, está descumprindo os prazos estipulados para cada uma dessas etapas. O Congresso Nacional não poderia, depois de avançar com a Lei, seguir conivente com esta atitude irregular. É necessário, portanto, que os parlamentares brasileiros derrubem este veto imediatamente, numa demonstração de como é urgente aplicar a Lei das Licenças.

Outra parte dos vetos de Bolsonaro isenta as empresas farmacêuticas de qualquer responsabilidade sobre o compartilhamento de conhecimentos que são fundamentais para que outros produtores consigam fabricar as doses de vacinas e tratamentos que hoje faltam. O compartilhamento das “fórmulas” é uma medida de saúde pública, além de ser a mais condizente com o fato de que a maior parte das vacinas, testes e medicamentos para covid-19 só existe por causa de investimentos públicos.

Sem vacinação regular, novas variantes vão surgir. Sem acesso a tratamentos, novas ondas da pandemia serão fatais, nos teletransportando a um passado recente e trágico que destruiu tantas famílias no Brasil. A realidade que iremos viver em 2022 dependerá da decisão da Câmara e do Senado sobre a derrubada dos vetos à lei 14.200 na próxima sessão do Congresso, prevista para acontecer na semana de 6 de dezembro. Será a chance de o Brasil dar um bom exemplo global e ajudar a OMC a se movimentar mais rapidamente.

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