Inclusão é o único caminho

Mais de 12 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência. A construção de um ambiente educacional para todos é um compromisso que o Brasil assumiu há décadas, embora ainda existam os que os inferiorizam negando-lhes um futuro

Uma menina com síndrome de Down com a professora.getty

Assim que Renata Basso chegou ao mundo, uma médica se virou para a família da bebê e disse: “Só não vou prometer que [no futuro] ela vai fazer uma faculdade”. E ponderou: “Mas eles são muito inteligentes”. As frases foram lembradas pelo pai da criança em uma das cenas do documentário Outro Olhar - Uma Nova Perspectiva. Peço que as palavras da médica sejam lidas novamente não por presumir descuido de quem lê, mas para que o leitor dê a elas o peso para o que de fato são. O que houve nesse nascimento para que a família recebesse, de partida, a previsão de tantas negativas? Por que atribuir falta de capacidade e apontar baixas expectativas a uma criança que acaba de nascer?

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Mais de 12 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, segundo o IBGE. Renata, que tem síndrome de Down, faz parte dessa estatística. O filme conta sua história no momento em que a jovem conclui o ensino médio na escola comum. A construção de um ambiente educacional para todos é um compromisso que o Brasil assumiu há décadas. Com a Constituição de 1988, o país passou a estabelecer a educação como um direito de todos e a garantir a igualdade de condições de acesso, permanência na escola e progressão aos níveis superiores de educação.

Em 2008, esses direitos se reafirmaram com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, que consolidou o paradigma da inclusão ao valorizar as diferenças na escola. Já a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que tem status de emenda constitucional no país, determinou o acesso às pessoas com deficiência ao ensino inclusivo “em igualdade de condições com os outros”.

Se há os que acreditam que algumas pessoas, por conta de suas características, não são capazes de acessar a educação básica e, muito menos, o ensino superior, é porque ainda persiste um entendimento de mundo que inferioriza sujeitos pela deficiência ou outros atributos. Com essa compreensão limitada, passam a achar que a sociedade pode ser dividida entre os que podem ou não aprender; os que merecem ou não a nossa aposta.

O que essas pessoas não sabem é que todos ganham com a inclusão, como revela pesquisa de 2016 do Instituto Alana e da ABT Associates, coordenada por Thomas Hehir, da Harvard Graduate School of Education. A análise, que fez uma revisão sistemática de estudos de 25 países, mostra que a inclusão melhora o desempenho acadêmico dos estudantes e abre a possibilidade de a escola ser um espaço de criação, porque cria oportunidades de aprimoramento de práticas pedagógicas.

Vale lembrar que as conquistas legais no campo dos direitos das pessoas com deficiência apoiaram a progressão desses jovens no ensino superior. Porém, os números estão aquém do total de pessoas com deficiência e na proporção com os demais estudantes, indicativo que muitos ainda enfrentam baixas expectativas sobre suas trajetórias de vida e escolar. Felizmente, a maior parte dos brasileiros reconhece que não há caminho fora da inclusão: 86% acreditam que as escolas se tornam melhores ao incluir crianças com deficiência, mostra pesquisa do Datafolha de 2019 encomendada pelo Instituto Alana.

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Esses dados poderiam servir de baliza para tomadas de decisão em momentos críticos como agora. O Decreto 10.502/2020, que abre margem para escolas exigirem avaliações para estudantes com deficiência efetuarem matrícula na escola comum, é, atualmente, uma das principais preocupações de nós, que nos comprometemos com a construção de um mundo que garanta a participação de todos. A escola é lugar de oportunidades e não de avaliação de capacidades. São anos de histórias bem sucedidas, com pesquisas apontando o que fazer para melhorar, no entanto, tivemos que interromper os esforços para combater retrocessos e proteger o que já é de direito das crianças.

A boa notícia é que a construção dessa realidade em que ninguém é deixado de fora resiste e pulsa em escolas pelo Brasil e continua sua trilha no mercado de trabalho. Aspectos como motivação da equipe podem ser impactados positivamente quando há colaboradores com síndrome de Down nas empresas, mostra um estudo de 2015 da consultoria McKinsey & Company em parceria com o Instituto Alana.

No Alana apostamos em contar histórias como a de Renata para ampliar o olhar do público em temas tão urgentes como a inclusão. Neste semestre, lançaremos “Um Lugar para Todo Mundo”, uma investigação de histórias de famílias que lutam pelo direito de seus filhos frequentarem uma escola que não os separa de outras crianças por conta de suas características. Esse é um novo convite para atuarmos, juntos, por uma educação de qualidade para todos, mas para cada um também. Só assim poderemos avançar.

No filme sobre Renata, a jovem expressa a vontade de ser atriz. O meu desejo – e o compromisso que assumimos como país – é que ela e todas as pessoas com deficiência possam crescer em um mundo em que possam ser tudo o que quiserem, sem que ninguém tire sua potência e determine seu destino ao nascer ou ao longo da vida.

Ana Lúcia Villela é mestre em educação pela PUC-SP, fundadora do Alana e vice-presidente da Fundação Itaú para a Educação e Cultura, é mãe de Nina e Isis (esta, com síndrome de Down).

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