Ecko passa e a milícia fica, sem ser importunada pela polícia do Rio

Morte de chefe de uma das maiores milícias fluminenses não muda nada. Governo não tem plano para combater paramilitares, cujas áreas são alvo de pouquíssimas operações

Buracos de bala em muro na favela do Jacarezinho, no Rio, que foi alvo de operação policial em 6 de maio.Leonardo Carrato

Há uma semana, Ecko, líder de uma das maiores milícias do Rio de Janeiro, foi assassinado. Ele foi capturado em casa, na Zona Oeste do Rio, levou um tiro e foi socorrido. Dentro da viatura tomou outro tiro, na altura do coração. A fraca versão dada pela polícia —e comprada facilmente ...

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Há uma semana, Ecko, líder de uma das maiores milícias do Rio de Janeiro, foi assassinado. Ele foi capturado em casa, na Zona Oeste do Rio, levou um tiro e foi socorrido. Dentro da viatura tomou outro tiro, na altura do coração. A fraca versão dada pela polícia —e comprada facilmente pela imprensa— é de que ele, já com baleado no peito, tentou sacar a arma de um policial. Tomou outro tiro. Chegou ao hospital já morto.

E o que mudou de lá para cá? Nada. O Rio continua exatamente o mesmo.

O lugar que Wellington da Silva Braga, o Ecko, ocupava, não ficará vago por muito mais tempo. É provável que vá para as mãos de Danilo Dias Lima, o Tandera, que era homem de confiança de Ecko até dezembro passado e é o novo “homem mais procurado do Rio”. Isso porque o irmão de Ecko, Wallace da Silva Braga, conhecido como Batata, está preso desde maio em Bangu e a secretaria de Polícia Civil do Rio disse que vai pedir a transferência dele para algum presídio federal de segurança máxima fora do Estado.

No fim, Ecko passa. A milícia fica.

O Governo do Rio de Janeiro não tem um plano de enfrentamento às milícias —e nunca teve.

Dando um passo atrás para melhor entender essa situação, vamos a 2008, quando uma equipe do jornal carioca O Dia foi sequestrada e torturada por horas a fio. Apesar de ter sido solicitada em 2007, só depois desse crime é que foi instaurada a CPI das Milícias, que tirou o brilho dos grupos paramilitares. Isso mesmo, o “brilho”, pois as milícias, outrora chamadas de “autodefesas comunitárias” era plenamente aceita e até incentivada por muitos políticos.

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Foi em 2008 que também foi instaurada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), último programa —e não projeto— de segurança pública que o Rio teve. Há hoje poucas unidades em operação, de forma mambembe.

Isso é importante para pontuar que mesmo diante de todos os indicativos de risco para a vida da população e de ruptura democrática os governadores nada fizeram —e nada fazem. Essa jogada de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão —dupla de governadores que comandou o Rio na era de ouro das UPPs— ajudou as milícias a expandirem suas áreas para regiões que não estavam em seus sonhos.

Passados os anos das UPPs, como funciona o policiamento “despretensioso” e sem planejamento estratégico?

Em reportagem chamada “A mão invisível da milícia”, o Uol analisou 2.959 tiroteios com a presença de agentes de segurança na cidade do Rio entre 5 de julho de 2016 e 30 de setembro de 2019 e chegou a uma conclusão: “o Rio é uma cidade com duas polícias: uma que promove incessante e violento confronto contra o tráfico de drogas e outra leniente com as milícias”. Isto porque apesar de ocuparem parte considerável da cidade, as áreas de milícias foram palco de apenas 3% dos tiroteios em três anos.

Estudo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, com dados de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021, mostra que as polícias do Rio de Janeiro fazem quatro vezes mais operações em áreas controladas pelo tráfico de drogas do que pelas milícias. Isso acontece mesmo que as milícias estejam presentes em um quarto dos bairros da capital, que, somados, correspondem a 57,5% da cidade .

As UPPs tiveram o papel de reorganizar o crime no Rio de Janeiro. Traficantes foram para a Baixada Fluminense disputar espaços com a milícia, e com eles, foram também as operações policiais.

E assim segue. Estudo divulgado pelo Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial nesta sexta-feira mostra que nos últimos 12 meses, houve 415 operações nos municípios da Baixada, mesmo com a restrição de ações policiais, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. O levantamento destaca que é possível “inferir que as áreas que possuem pleno controle e domínio das milícias são as que menos sofrem com operações policiais, como no caso de Nilópolis, que não registrou nenhuma operação da Polícia Militar neste período”.

Isso me lembra uma entrevista em que José Cláudio Alves, que há décadas pesquisa milícias e grupos de extermínio, disse sobre essa seletividade “não planejada”: “o Estado não foi corrompido, nem deturpado, nem sequestrado. Não é uma ausência de Estado. O Estado é o organizador [dessa situação miliciana]”.

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