Lucas Penteado e a inovação política no ‘BBB 21’

O ex-líder secundarista mostrou a milhões de pessoas que existe um abismo gigantesco entre quem discursa e quem faz

Lucas Penteado abraça Projota em cena do 'BBB 21'Reprodução Instagram @lucaskokapenteado

Como outras milhões de pessoas, fui fisgada pelo Big Brother Brasil. De cara tive aquela sensação ambígua, a mesma mistura de repulsa e curiosidade provocada pelos filmes de terror —que a gente assiste tapando os olhos, entre os dedos. Mas logo percebi que dava para tirar algo dali: podemos, sim, olhar o BBB 21 pela lente da ...

Mais informações

Como outras milhões de pessoas, fui fisgada pelo Big Brother Brasil. De cara tive aquela sensação ambígua, a mesma mistura de repulsa e curiosidade provocada pelos filmes de terror —que a gente assiste tapando os olhos, entre os dedos. Mas logo percebi que dava para tirar algo dali: podemos, sim, olhar o BBB 21 pela lente da inovação política.

A figura central disso tudo é Lucas Koka Penteado, que, em pleno horário nobre da TV brasileira, desconstruiu a ideia de que desistir é uma fraqueza e que ser forte é continuar apanhando. Depois de ser isolado e humilhado, sabendo que permitir a violência nada mais é do que perpetuá-la, ele decidiu abandonar o reality show. E, com essa atitude, não deixou dúvidas de que preza e cultiva o autocuidado —uma prática política fundamental e, sim, inovadora.

Desde o início, enquanto uma espécie de ativismo narcisista tomava conta da casa do Big Brother, com a política da autopromoção guiando atitudes e reações de boa parte dos participantes, Lucas estava ali num registro completamente diferente. E isso certamente não veio desconectado de sua experiência de construção coletiva: em 2015, ele foi um líder secundarista durante as ocupações das escolas paulistas.

Você se lembra desse movimento? Começou contra a reorganização do Ensino Médio, que impactaria mais de um milhão de alunos no Estado de São Paulo. Contra essa medida, estudantes ocuparam escolas de maneira horizontal e deram um show de coletividade. Foi tudo autogestionado, decidido em assembleia, comunicado por jograis. E ainda tinha uma visão programática atrelada, com oficinas e atividades culturais relacionadas aos temas que eles queriam aprender em sala de aula. Além disso, os ocupantes cozinharam a própria comida e deixaram as escolas limpas e vivas como nunca. Fui ver de perto: foi impactante, daqueles dias em que a gente se enche de esperança por ter certeza de que testemunhou algo transformador. Então, se aquilo mexeu comigo, uma mera observadora, imagina o que não fez com os jovens que estavam lá dentro? Lucas era um desses.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

Agora, anos mais tarde, no BBB, ele mostrou aos brasileiros que, na política, existe um abismo gigantesco entre quem discursa e quem faz. Hoje somos uma sociedade repleta de discursos sem prática —moralismos e textões politicamente corretos desprovidos da vivência do que é de fato uma construção coletiva. Pois a política que busca a diversidade deve vir essencialmente do exercício da coletividade. E, veja, não digo que você tem que ocupar uma escola ou se filiar a um partido. A diversidade e o diálogo podem ser exercidas em família, no trabalho, entre amigos.

Por outro lado, a militância lacradora não quer construir, quer destruir —isso rende likes. A raiva é essencial, a raiva transforma, mas, quando não há a prática política, o produto gerado não é a raiva, é o ódio. E é de lá que vem a violência. Ver todas aquelas pessoas mostrando em rede nacional o quanto estão perdidas pode ser muito triste, mas prova que o discurso vazio de experiência é insustentável.

A inovação política produz os imaginários que vão fortalecer a democracia do século XXI, construídos por aqueles que estiveram à margem do sistema político: mulheres, jovens, indígenas, pessoas pretas, das periferias, LGBTI. E, não, não é ideologia, é uma questão muito, muito prática. Como se muda algo com as velhas perspectivas de sempre? Impossível: um novo imaginário requer novos aprendizados. Só quem vive o problema pode apresentar as melhores soluções para ele.

Lucas é integrante dessa geração que, pouco a pouco, vai tirando a gente do buraco. Lucas é símbolo de uma juventude desperta, corajosa, livre, disposta a ser o que é e a incluir suas emoções na sua construção política. Lucas mostra que não há nada mais revolucionário do que escutar a si mesmo e respeitar limites —seus e dos outros. Isso é prática política, isso é inovação política.

O autoconhecimento e a empatia são, sim, uma revolução. Aos milhões de Lucas deste país: precisamos de vocês!

Beatriz Della Costa é cientista social, cofundadora e diretora do Instituto Update, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que lançou em 2020 ‘Eleitas: Mulheres na Política’ (www.eleitas.org.br). O projeto transmídia, realizado em parceria com o Quebrando o Tabu, a Maria Faria Filmes e a Spray Content, mapeou mais de 600 mulheres e entrevistou mais de 100 para mostrar como elas vêm transformando a política, a sociedade e a democracia na América Latina.

Mais informações

Arquivado Em