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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A pergunta que persiste

Calar as vozes de mulheres e de defensores e defensoras dos direitos humanos é uma tônica presente no Brasil, que foi aprimorada no Governo do presidente acidentalmente eleito

Manifestante usa máscara com o rosto de Marielle Franco em protesto contra o presidente Jair Bolsonaro em São Paulo.
Manifestante usa máscara com o rosto de Marielle Franco em protesto contra o presidente Jair Bolsonaro em São Paulo.AMANDA PEROBELLI (Reuters)
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As violências repercutem de diversas formas na vida de toda parlamentar que escolheu a institucionalidade para lutar pelos direitos humanos, seja pela violência física, psicológica ou na deslegitimação do trabalho político. Nas últimas semanas, na cidade de São Paulo, tivemos episódios extremamente graves que comprovam que nem a institucionalidade nos protege!

Uma ameaça de morte, com arma de fogo, na frente da casa da covereadora da Bancada Feminista Carolina Iara; uma invasão no gabinete da vereadora Erika Hilton; e também uma ameaça, com arma de fogo, na frente da casa da covereadora do Quilombo Periférico, Samara Sosthenes. Isso, sem falar na abordagem policial feita à vereadora Luana Alves, em uma nítida seletividade racial ao ser revistada por policiais militares, mesmo comunicando ser uma parlamentar.

Não faz muito tempo, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) sofreu inúmeras ameaças, inclusive de morte, e foi obrigada a solicitar escolta da polícia legislativa; a vereadora Ana Lúcia Martins (PT), primeira mulher negra eleita à vereança na cidade de Joinville (SC), sofreu ameaças de morte e suas redes sociais foram hackeadas; além de Suéllen Rosim (Patriota), primeira mulher negra eleita prefeita na cidade de Bauru (SP), que foi vítima de ofensas.

Estas ações não são isoladas, elas fazem parte da história e da estrutura racista, transfóbica e lgbtfóbica deste país e que, obviamente, adentra a institucionalidade. Calar as vozes de mulheres e de defensores e defensoras dos direitos humanos é uma tônica presente no Brasil, que foi aprimorada no Governo do presidente acidentalmente eleito. Segundo a ONG Global Witnes, o Brasil é o terceiro país mais violento do mundo para defensores e defensoras de direitos humanos.

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O Programa de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos também não é tratado com prioridade e não tem a dimensão que deveria ter: atualmente, o programa está vigente apenas em Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará e Rio de Janeiro. Já o Estado de São Paulo, o mais “rico do país”, pasmem, nem ao menos conta com um programa de proteção de defensores de direitos humanos.

Na última semana, estive com os secretários de Segurança Pública e de Justiça do Estado, para cobrar e entender quais medidas estavam sendo tomadas sobre os casos de Carol, Erika e Samara. É um dever do Estado, e cabe à sociedade brasileira assumir também este pacto na proteção dos defensores e das defensoras dos direitos humanos, estejam elas ocupando cargos políticos ou não.

A violência adentra a institucionalidade com tal grau de organização e orquestração que a gente não pode entender de outra forma, senão como um atentado, uma ameaça. Como uma tentativa de que essas vozes se silenciem e não tragam para a esfera pública um debate tão importante que nós trazemos. Não irão nos calar!

Os direitos humanos têm um princípio muito demarcado, que é o princípio da não repetição. E temos o dever de garantir que as violências e mortes não se repitam. Não podemos aceitar que o que aconteceu com Marielle Franco (1979-2018) reapareça na sociedade. E, por isso, faço coro ao questionamento de sua irmã, Anielle Franco, cuja pergunta ainda não foi respondida: “Quem vai proteger essas mulheres negras eleitas?”.

Erica Malunguinho é pernambucana, artista e educadora. Mestra em Estética e História da Arte, tornou-se a primeira deputada estadual trans eleita no Brasil, em 2018, para a Assembleia Legislativa de São Paulo.

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