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Coluna
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Como argumentar com quem acredita em teorias conspiratórias

Elas fortalecem a autoestima de seus adeptos e oferecem a ilusão de ordem e segurança em um mundo imprevisível; coerência e lógica são secundárias

Oliver Stuenkel
Manifestantes exibem bandeira da teoria da conspiração QAnon, em um protesto em 22 de agosto em Los Angeles.
Manifestantes exibem bandeira da teoria da conspiração QAnon, em um protesto em 22 de agosto em Los Angeles.KYLE GRILLOT (AFP)

Durante uma recente caminhada pelo centro de Berlim, deparei com um grupo de manifestantes portando faixas críticas à política oficial de contenção ao novo coronavírus. Ao me aproximar, percebi que eram seguidores de várias teorias da conspiração relacionadas à covid-19. Uma faixa chegava a afirmar: “Não existe o vírus”. Outro afirmava: “Nós dizemos ‘não’ a Bill Gates.” Quando perguntei ao senhor que o levantava onde obter mais informações sobre o tema, ele respondeu apenas que a imprensa acobertava o fundador da Microsoft.

Quem tenta discutir com seguidores de teorias da conspiração —seja  um membro da família que compartilha um vídeo negando a mudança global do clima, seja um colega de trabalho que acredita ser o novo coronavírus um complô comunista— frequentemente se frustra e dificilmente consegue mudar a opinião de seu interlocutor. Isso normalmente acontece  porque a pessoa busca demonstrar a falta de lógica ou as incoerências dessas teorias —ou seja, foca nos argumentos em si. Tal estratégia, porém, costuma estar fadada ao fracasso porque se baseia em uma pressuposição errada sobre o que são teorias conspiratórias e por que elas são tão populares. Enquanto teorias do mundo científico articulam uma hipótese testável sobre a realidade (e que, portanto, pode ser comprovada ou não), teorias da conspiração não têm o objetivo de ser cientificamente comprováveis, e é justamente por isso que são imunes a uma argumentação lógica baseada em fatos.

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Diferentemente de uma teoria científica —que busca esclarecer um assunto específico— uma teoria conspiratória é um recurso inconsciente para aliviar vários tipos de ansiedade: por meio de dois mecanismos, ela atende à necessidade existencial de segurança e funciona como uma injeção de autoconfiança em seus seguidores.

Primeiramente, tranquiliza quem se sente sufocado pela complexidade, incerteza e aleatoriedade da vida. Conviver com o conhecimento limitado e incompleto faz parte do processo de aceitar as próprias limitações e, em última instância, a mortalidade. Pessoas profundamente incomodadas com essa realidade podem ser mais susceptíveis às teorias conspiratórias, pois elas oferecem uma explicação clara e elegante (apesar de equivocada), sem margem para dúvidas. A pessoa adepta de uma ou mais teorias da conspiração costuma imaginar a realidade como ameaçadora, pois inclui quase sempre um indivíduo ou uma entidade com intenções nefastas —mas, como compensação, a incerteza que tanto a incomoda é mitigada por explicações simplistas, que transmitem a sensação de ordem e segurança em um mundo confuso e imprevisível.

Em segundo lugar, uma teoria conspiratória eleva a autoestima e oferece aos que acreditam nela um sentimento de pertencimento: seus adeptos acreditam fazer parte de uma comunidade seleta, com acesso privilegiado a informações sigilosas. Acreditar em uma teoria da conspiração é, portanto, um ato de autoempoderamento. Convictos  da existência de entidades supostamente ultrapoderosas —os comunistas, os judeus, George Soros ou a CIA— capazes de ludibriar o mundo, os entusiastas das teorias conspiratórias acreditam que todos, inclusive a imprensa, estão engolindo mentiras ou simplesmente fazendo parte do esquema. Apenas alguns poucos privilegiados, extremamente perspicazes, teriam percebido a trama. Quem acredita em conspirações, portanto, julga-se detentor de segredos valiosos e goza de relação especial com outros iniciados que também se distinguiram por desmascarar o complô. Vê-se como um Robert Langdon (protagonista dos best-sellers de Dan Brown, como O Código Da Vinci e Anjos e Demônios) diante da honrosa responsabilidade de salvar um código secreto.

Teorias conspiratórias costumam ganhar mais aderência em momentos de crise e trauma coletivo, instabilidade ou grande avanço tecnológico —qualquer situação que deixe parte da população insegura ou com dificuldades de encontrar sentido ou explicar uma nova realidade de maneira satisfatória. Não há crise econômica, pandemia, atentado terrorista, golpe de estado ou guerra sem que pessoas fantasiem tramoias, com o fim de  eliminar a angústia de não saber tudo o que gostariam sobre o ocorrido. Enquanto há teorias de conspiração inócuas ou até engraçadas —como, por exemplo, a de que alienígenas construíram Stonehenge ou Machu Picchu, ou que os desembarques na Lua de 1969 a 1972 foram encenados em estúdios de Hollywood, outras representam riscos. Adolf Hitler, por exemplo, defendia que judeus tinham um plano secreto para dominar o mundo, semeando, assim, desconfiança na população alemã, tática crucial para viabilizar o Holocausto.

Da mesma maneira, teorias que questionam o aquecimento global, a existência da pandemia de covid-19 ou se opõem a campanhas de vacinação geram elevado custo humano e financeiro, além de reduzir a capacidade de um país de lidar com desafios globais de maneira racional. Durante praticamente todas as pandemias nos últimos séculos, médicos sofreram ameaças de adeptos de alguma teoria da conspiração, os quais dificultaram, com seu fanatismo, o trabalho de salvar vidas.

Líderes com pendor autoritário empregam correntemente teorias conspiratórias para justificar seus delírios ideológicos — como a luta contra um suposto “marxismo cultural”, os Illuminati ou as Nações Unidas. Em geral, tais teorias estão longe de ser recentes e originais. Por exemplo, hipóteses defendidas em redutos da extrema direita brasileira sobre uma suposta ameaça representada pela ONU nada mais são do que uma versão tupiniquim de ideias da John Birch Society, grupo americano de direita radical que argumentava, nos anos 1960, que as Nações Unidas atacariam os EUA com helicópteros negros para assumir o controle do país.

Como, então, argumentar com aquele parente adorável, porém terraplanista? Em vez de bater boca e romper relações, convém tentar entender as razões de sua susceptibilidade  a teorias conspiratórias. Segundo profissionais de Psicologia, como Karen Douglas, da Universidade de Kent, no Reino Unido, adotá-las geralmente revela insegurança, solidão ou dificuldade para processar ou explicar as profundas mudanças pelas quais o mundo está passando. Como a adesão a essas teorias não tem relação direta com o assunto em si, mas com a busca frustrada pelo pertencimento e a sensação de segurança intelectual, um debate no sentido clássico não costuma ser o melhor caminho. Deixar de acreditar em uma teoria da conspiração significa bem mais do que apenas mudar de opinião. Requer abrir mão de uma muleta psicológica —um processo longo e difícil que requer apoio emocional e muita dedicação de amigos e familiares.

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