A Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica: por que e para quem?
Governo aponta para a criação de um novo programa de transferência de renda, que de novo parece só ter o nome. Precisamos fazer frente às desigualdades que muito antes da pandemia já existiam
No último dia 21 de julho, o Congresso Nacional deu um passo histórico ao lançar a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, com representantes de 23 dos 24 partidos políticos e 217 parlamentares. Conseguimos passar por cima de divergências partidárias e ideológicas e concordar que nós, deputados e senadores, precisamos ...
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No último dia 21 de julho, o Congresso Nacional deu um passo histórico ao lançar a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, com representantes de 23 dos 24 partidos políticos e 217 parlamentares. Conseguimos passar por cima de divergências partidárias e ideológicas e concordar que nós, deputados e senadores, precisamos discutir uma demanda social que hoje se apresenta de forma intensa: a possibilidade de implementar, no Brasil, uma renda básica
Nós temos a clareza dos desafios envolvidos neste debate, desde questões distributivas e orçamentários às operacionais. Por definição, a renda básica é paga em igual valor a toda cidadã e cidadão, independentemente de sua renda, gênero, idade ou qualquer outra característica. No entanto, somos um dos países mais desiguais do mundo, com níveis de pobreza expressivos. Neste cenário, vale dar o mesmo ao rico e ao pobre? Ou é melhor direcionar os gastos do Estado somente às parcelas mais vulneráveis de nossa população? E como financiar uma renda básica num momento em que a relação dívida PIB está em mais de 80%? Estas são reflexões complexas, mas urgentes. Temos muitas formas de desenhar o caminho de uma Renda Básica, mas precisamos ter coragem para conduzir esse debate de forma objetiva, contemplando objetivos de curto e médio prazos.
No curto prazo, temos mais de 70 milhões de pessoas prestes a entrar na pobreza com o fim do Auxílio Emergencial. Elas não fazem parte do Bolsa Família, estão vulneráveis à pobreza e não terão como se reerguer de imediato sem o apoio do Estado. Neste cenário, o Governo aponta para a criação de um novo programa de transferência de renda, que de novo parece só ter o nome. Na prática, é basicamente um Bolsa Família ampliado —que aliás já tinha sido proposto no Congresso Nacional em 2019 no âmbito da Agenda Social.
O Bolsa Família paga um valor médio de 188 reais a 14 milhões de famílias com renda per capita de até 178 reais por mês. O Programa articula as redes de assistência social, educação e saúde, por meio do Cadastro Único —base de informações que identifica todas as pessoas com renda mensal de até ½ salário mínimo por pessoa. Contudo, tanto a definição de linha de pobreza quanto os valores dos benefícios do programa estão defasados e ficam abaixo até mesmo da linha de miséria de 1,90 dólar por dia, usada em comparações internacionais. Para que tenhamos todos a clareza da perda do valor real do Bolsa Família, caso ele fosse reajustado de acordo com a inflação, o benefício médio seria de cerca de 260 reais, sua linha de pobreza, de 250 reais e seu público, de quase 17 milhões de famílias, conforme aponta estudo do IPEA.
É compreensível que um Governo deseje lançar seu próprio programa social. Mas um programa que pague um benefício médio equivalente ao Bolsa Família reajustado é somente isso: um reajuste do Bolsa Família. E é assim que devemos tratá-lo, para evitar que estratégias de marketing político se sobreponham às necessidades da população.
Precisamos discutir com urgência qual tipo de ampliação do Bolsa Família e qual a forma adequada para complementá-lo, de maneira a evitar que as 122 milhões de pessoas que hoje vivem em lares atendidos pelo Auxílio Emergencial entrem para a pobreza no pós-pandemia.
Mas também não vamos nos esquecer dos objetivos de médio prazo: discutir as possibilidades de ampliação de níveis de renda e inserção econômica de todos os brasileiros. Precisamos fazer frente à pobreza e às desigualdades que muito antes da pandemia já existiam e, ainda, àquelas que vão se impor muito em breve, como a automação crescente de processos de trabalho. Aqui, a prospecção importa, e muito, para que não sejamos pegos de surpresa pela própria realidade num futuro próximo.
Para cumprir nossos objetivos, contamos com um Conselho Consultivo, formado por especialistas de um amplo espectro ideológico e representantes da sociedade civil organizada, como a Central Única de Favelas e a Rede Brasileira da Renda Básica. Faremos um debate ainda mais amplo, trazendo também ao Congresso pessoas que nos apoiem na reflexão sobre os ganhos e limitações da implantação de uma renda básica no Brasil. Temos sim que ouvir economistas que nos esclareçam sobre financiamento e impactos, mas esta escuta deve ser bem mais abrangente e considerar, entre outros, os profissionais que coordenam e operam o Sistema Único de Assistência Social, rede que faz o contato direto com a população mais vulnerável de nosso País. Afinal, é para que todas as pessoas conquistem patamares básicos e inegociáveis de cidadania que dedicaremos o trabalho desta Frente Parlamentar.
Frente Parlamentar Mista da Renda Básica: João H. Campos (PSB-PE). Tabata Amaral (PDT-SP). Alessandro Vieira (PSB-SE). Professor Israel Batista (PV-DF). Flávia Arruda (PL-DF). Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Pedro Paulo Carvalho (DEM-RJ). SImone Tebet (MDB-MS). Felipe Rigoni (PSB-ES). Paulo Teixeira (PT-SP). Jaques Wagner (PT-BA). Humberto Costa (PT-PE). Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Tasso Jereissati (PSDB-CE). Marcelo Aro (PP-MG).