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Pandemia de coronavírus
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Tempos incertos

O coronavírus é pandêmico, a economia mundial está capenga, para não dizer paralisada ou regredindo e, em muitos países, os donos do poder creem em mitos

Pessoas com máscaras em frente a lojas fechadas devido à quarentena em São Paulo.
Pessoas com máscaras em frente a lojas fechadas devido à quarentena em São Paulo.Sebastiao Moreira (EFE)
Fernando Henrique Cardoso

Os tempos modernos se caracterizam pela racionalização crescente, dizem os cientistas sociais. Se é verdade que nas culturas mais simples as crenças – certa ou erradas, não importa – ditavam o que se deveria fazer, com a complexidade do mundo contemporâneo, especialmente pós- industrialização, a ciência substituiu as crenças. Se isso não vale para o que é transcendental, deveria valer como baliza para as decisões, em especial as decisões de quem tem responsabilidade pública.

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AME4493. SAO PAULO (BRASIL), 04/06/2020.- Una mujer con tapabocas camina este jueves en una calle de Sao Paulo (Brasil). Brasil está cerca de superar a Italia y convertirse en el tercer país del mundo con más fallecidos por COVID-19 tras alcanzar las 32.548 muertes, en momentos en que varios estados del país han comenzado su desescalada pese a la tendencia aún creciente de la pandemia. EFE/Sebastião Moreira
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'Problemas grandes, líderes pequenos'

A ciência serve de baliza, mas não elimina a necessidade de um juízo político e moral sobre quais as melhores decisões a tomar. Dilemas difíceis se colocam em situações de grande incerteza em que não apenas o futuro parece indefinido, mas também o presente se mostra volátil. Nestas horas, é que mais se requer lideranças que saibam promover a busca cooperativa de respostas a desafios para os quais não há soluções simples.

Os comentaristas têm repetido que enfrentamos uma “tempestade perfeita”. Chove e venta copiosamente por todo lado: o coronavírus é pandêmico, a economia mundial está capenga, para não dizer paralisada ou regredindo e, em muitos países, os donos do poder creem em mitos. Mitos que não são como os dos primitivos, aos quais não havia saber que se contrapusesse.

Assustados com a tempestade perfeita, os que não só acreditam em mitos, mas creem encarná-los, assumem ares de valentia. Na verdade sentem receio de que sua força se esvaia pelo contrapeso da realidade, a que não conseguem compreender. Buscam culpados e inimigos, em lugar de diálogo e convergência para atravessar o temporal, com o menor dano possível ao casco do navio, aos tripulantes ou aos passageiros a bordo, sobretudo os do “andar de baixo”.

Os que mandam nem sempre entendem os sinais que provêm de outros setores da sociedade. Desde quando inventaram na política brasileira a peleja do “nós” contra “eles”, o adversário virou inimigo. E com inimigo não se conversa: se destrói. A menos que ele se renda e, ajoelhado, mostre repúdio às suas ideias “subversivas”, que corroem a “ordem”.

Em nosso país, que vive uma tempestade perfeita, o “nós” contra “eles” é criminoso. A vítima é a estabilidade da democracia, conquista civilizatória que nos tem permitido resolver nossos conflitos políticos de modo pacífico. Quem a põe em xeque ou silencia frente a vozes autoritárias não é conservador. É promotor da instabilidade e do retrocesso civilizatório ou conivente com ele. Alguns são cultores da violência, do fanatismo e da ignorância. Subversivos são os que assim procedem, não quem ergue sua voz para preservar o patrimônio comum de todos os brasileiros, mulheres e homens, civis e militares, conservadores, liberais e progressistas: a democracia que construímos.

São tempos incertos. Neles, a liderança deve apelar à racionalidade, ao bom senso, ao sentimento de solidariedade e de comunhão nacional, admitir que não há caminhos fáceis nem soluções mágicas, mas que o país deverá buscá-los de braços dados. O Brasil tem vulnerabilidades, a começar por seus grandes aglomerados urbanos onde milhões de pessoas vivem do trabalho informal e habitam moradias precárias. Sem falar dos desempregados e mesmo dos que perderam condições para se empregarem. Tem limitações fiscais, que podem e devem ser flexibilizadas num momento de emergência social e econômica, porém não podem ser desconsideradas. Mas o Brasil também tem ativos: o SUS, instituições de pesquisa científica como a Fiocruz, universidades como a USP e várias outras, epidemiologistas de categoria internacional, militares devotados ao serviço público, uma sociedade civil solidária e ativa, governadores e prefeitos que arregaçaram as mangas para enfrentar o desafio, uma imprensa atenta e instituições públicas de controle capazes de zelar pelo bem comum, etc.

O que nos tem faltado é quem possa inspirar, em lugar de ódio e rancor, confiança em nós mesmos. Confiança requer serenidade de quem busca despertá-la nos seus compatriotas, exige compostura, capacidade de convencer pelas ideias e não de se impor pela ameaça.

O Brasil já contou com políticas e políticos que despertavam confiança. Convivi com Tancredo Neves. Era homem de fala mansa, mas de valores firmes. Foi um democrata a vida toda, um político de diálogo, atento à necessidade de buscar denominadores comuns em momentos críticos. Convivi com Ulysses Guimarães, que sabia aliar ao diálogo a firmeza, quando necessário. E assim vários outros.

Que a lembrança deles nos inspire a fazer frente aos arreganhos autoritários com firmeza e serenidade. E que novas lideranças possam encarnar o espírito ecumênico que caracterizou boa parte de nossa liderança para que em 2022 não se repita a escolha trágica de quatro anos atrás.

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