Coluna

A receita sibilina de Lula para ganhar os votos dos evangélicos

Falar às pessoas apenas o que elas gostam e esconder a realidade nua da vida e da sociedade é enganá-las

O ex-presidente Lula em um evento no Rio, em 18 de Dezembro.IAN CHEIBUB (Reuters)

Lula quer conquistar e atrair para o PT os 40 milhões de evangélicos que hoje seguem maciçamente o presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro. O popular e carismático Lula, hoje livre, está tentando reorganizar suas hostes que se sentiram órfãs e abandonadas com ele na cadeia.

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Em uma de suas primeiras estratégias, como informou Mariana Carneiro na Folha de S. Paulo no domingo, dia 5, pretende organizar grupos em todo o país, com vista às próximas eleições municipais, em uma campanha para atrair os votos dos evangélicos para seu partido.

A receita que Lula pretende usar para capturar o consenso desses milhões de evangélicos aparece, no entanto, como sibilina, que, no pior significado da palavra de origem grega, significa cínica. A receita é a seguinte: “aprender com os pastores evangélicos”. Aprender o quê? “A dizer às pessoas apenas o que querem ouvir”. Pode até parecer bonita essa arte de saber dizer apenas o que lisonjeia e não o que nos incomoda, mas é sobretudo maquiavélica.

A receita de Lula fere a ética, pois impede a formação de uma forte consciência crítica na política que é inseparável da verdade das coisas. Sim, é verdade que todos nós no fundo gostamos que nos digam o que nos lisonjeia e nos evitem as críticas que podem nos ferir. Que é melhor que nos escondam, por exemplo, as palavras duras do evangelho que condenavam a hipocrisia e exaltavam a lealdade à consciência.

Falar às pessoas apenas o que elas gostam e esconder a realidade nua da vida e da sociedade é enganá-las. Não é assim que se contribui para criar uma sociedade democrática e eticamente madura, o que significa dizer também o que talvez não gostemos. Os evangélicos se alimentam dos ensinamentos da Bíblia e dos Evangelhos cristãos encarnados no profeta Jesus de Nazaré, que foi um fustigador de toda hipocrisia e engano.

Se esse profeta tivesse seguido naquele momento o conselho de Lula hoje aos seus de dizer às pessoas apenas o que elas queriam ouvir, provavelmente nunca teria acabado pregado em uma cruz como um bandido. Mas tampouco sua doutrina de amor e de perdão, de liberdade de espírito e de condenação de todo farisaísmo fácil, de amor fraterno sem exclusão dos diferentes, teria atravessado os séculos e chegado até nós, embora às vezes pelo caminho tenha podido ser adulterada tingindo-se de hipocrisia e farisaísmo que contaminou até a política.

Não há dúvida que um pastor ou um político será mais ouvido se traindo, por exemplo, a essência do ensinamento de dar a outra face a quem te esbofeteia, que é a sublimidade do perdão, pregar que é melhor devolver olho por olho e dente por dente. O chamado à violência e à vingança sempre atrairá mais do que o chamado à paz.

Sem dúvida, os fiéis evangélicos ouvirão, por exemplo, com mais prazer de seus pastores que “todos” os políticos são igualmente corruptos, rejeitando assim a possibilidade de resgate dos limpos de coração. Mas isso significa a prostituição da política com letras maiúsculas, aquela que com as virtudes da democracia nos vacina contra novos e velhos fascismos e movimentos violentos. É a condenação da ética elementar que exige chamar as coisas pelo nome, quer se goste ou não. É esse lema de que só a verdade das coisas, por mais difíceis que sejam, nos fará livres, enquanto a mentira nos escraviza.

Se Lula quer atrair os evangélicos ao PT, que o faça desarmado, de coração aberto, começando por condenar as práticas hipócritas da má política, que também contaminou seu partido, aquela para a qual vale tudo, até roubar ou saquear as riquezas do Estado. A que tudo permite para se manter no poder, mesmo que às vezes seja sob a nobre desculpa de fingir ajudar as políticas sociais e o resgate da miséria. A verdade não permite dupla moral. Quando os pastores evangélicos são louvados porque sabem dizer com eficácia apenas o que as pessoas querem ouvir, estamos apoiando o reino da mentira.

É essa degeneração da ética da política que conduziu o famoso ditado brasileiro sobre políticos corruptos, justificando-os com o fato de que “roubam, mas fazem”, do qual é exemplar o caso do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. Isso significa levantar um muro contra a condenação da corrupção política.

Se o bom pastor, na literatura bíblica, é aquele capaz de dar a vida por seu rebanho, com mais razão não deveria ter medo de dizer a verdade aos fiéis. Dizer-lhes, por exemplo, como dizia Jesus, que às vezes devem ficar atentos aos elogios fáceis, porque também existem os “lobos em pele de cordeiro”.

O que salva a todos, a política e a sociedade, o que o Brasil mais necessita e boa parte do mundo não são os elogios fáceis e as promessas hipócritas, mas ter a força e a liberdade de dar nome aos lobos.

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