Crise econômica agiganta os problemas eleitorais do peronismo na Argentina

Impacto da pandemia sobre os indicadores espanta o voto na direção dos candidatos da oposição

Buenos Aires -
Pedestre passa em frente a uma casa de câmbio fechada no centro de Buenos Aires, Argentina, em 8 de novembro de 2021.STRINGER (Reuters)

O peronismo se aproxima de uma dura derrota nas eleições legislativas deste domingo. Os candidatos do Governo ao Congresso já tiveram uma prévia do que podem esperar. As eleições primárias abertas e obrigatórias realizadas em setembro já haviam sido um golpe sem precedentes, com reduções em 18 dos 24 distritos do país. A pandemia teve muito a ver com esse resultado, como aconteceu em outros países onde os gestores pagaram nas urnas o mau humor social deixado pelo isolamento e a paralisia econômica. Na Argentina, esse entrave foi especialmente importante e potencializou o impacto dos erros não forçados na gestão.

A economia do país platino caiu 10% em 2020, uma queda só comparável à do Peru. A cifra ficou perto dos 10,9% de 2002, quando a Argentina atravessou a maior catástrofe econômica de sua história. Para este fim de ano, espera-se um crescimento de 9%, fruto da recuperação após o fim da quarentena. Mas a lista de problemas é imensa: a pobreza atinge 40%, o peso não deixa de perder valor e, em outubro, a inflação foi de 41,8% desde janeiro e de 52,1% interanual, quase tão alta quanto a deixada por Mauricio Macri (53,55%). A crise da covid-19 pegou a Argentina num péssimo momento, após quase dois anos de queda do PIB e sem cumprir os compromissos com seus credores privados e com o FMI, ao qual agora deve 44 bilhões de dólares (240 bilhões de reais), montante que busca refinanciar.

Os argentinos estão acostumados às crises econômicas. A inflação anual do último século foi de 105% em média, com uma hiperinflação em 1989 e outra em 1991. O PIB nacional per capita é apenas 10% mais alto que o de 1974. A Argentina é hoje o principal devedor do FMI e não tem acesso ao crédito, o que obrigou o Governo a imprimir dinheiro para financiar o déficit fiscal, inflado pelos recursos destinados à luta contra o coronavírus. Não é o melhor cenário para ganhar uma eleição.

A crise custou a reeleição de Macri e castiga o peronismo nesta prova do meio do mandato. As expectativas não são as melhores. “As eleições de dois anos atrás eram para presidente, e as pessoas sabiam que viria uma mudança, mas esta eleição não é tão definitiva”, diz o economista e consultor Daniel Rubinstein, representante do Banco Central durante a gestão do ministro Roberto Lavagna. Por ser uma eleição legislativa, em que está em jogo a maioria governista no Congresso, uma derrota dos candidatos do peronismo não gera expectativas de mudança, e sim dúvidas sobre a governabilidade. O presidente Alberto Fernández ainda tem dois anos de gestão pela frente.

Os problemas imediatos para resolver são enormes. O dólar não oficial era vendido na sexta-feira a mais de 200 pesos (valia 150 há apenas seis meses), o dobro da cotação oficial. Quando a diferença entre as cotações é tão ampla, cresce o temor entre os argentinos de uma iminente desvalorização. Rubinstein diz que não espera uma depreciação descontrolada do peso, seja qual for o resultado eleitoral, pelo menos enquanto não houver um acordo com o FMI que acalme as águas. “É preciso muita credibilidade para desvalorizar quando a inflação é de 50%, e talvez inclusive o FMI considere que não seja uma boa ideia”, afirma o consultor. “Nosso cenário é de 60% [de chances] de que não haja desvalorização e 40% de que ela ocorra. Acreditamos que haverá uma etapa apoiada pelo FMI sem maxidesvalorização, mas é uma questão que ainda não está resolvida”, completa.

Em qualquer caso, a Argentina enfrenta os fantasmas de sempre, frutos de problemas estruturais que a mergulham numa situação perpétua. Néstor Castañeda, professor associado da University College London, diz que a lógica eleitoral impede o país de elaborar estratégias de longo prazo – o que dificulta o investimento e a credibilidade do Governo do momento. “Não há um programa econômico claro, e não tem havido durante anos porque depois de cada eleição há um movimento pendular de um lado para o outro. É impossível encontrar consenso sobre o que é preciso fazer para manter a estabilidade macroeconômica. Cada Governo faz o contrário do anterior ou dedica os primeiros anos de gestão a acabar com o que herdou”, explica Castañeda. O resultado desse vaivém sem fim é que qualquer gestão perde rapidamente poder de fogo ante os problemas estruturais. “A falta de um programa”, conclui Castañeda, “não é de um lado nem do outro. Quando chegam ao poder, todos fazem a mesma coisa.” Neste domingo, os argentinos expressarão nas urnas, uma vez mais, seu cansaço.

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