Eleições na Nicarágua: pontos essenciais de uma votação na qual não se elege nada
População não poderá escolher uma mudança, mas há muita coisa em jogo. Respondemos algumas das perguntas mais frequentes sobre as eleições
Em 2018, quando as ruas da Nicarágua se encheram de manifestantes que exigiam mudanças aos dez anos do Governo autocrático de Daniel Ortega e sua esposa – e agora copresidenta – Rosario Murillo, os gritos dos nicaraguenses que exigiam maiores liberdades foram calados com repressão. Naquele momento, com centenas de civis mortos e após várias rodadas de diálogo fracassadas, a esperança dos que discordam do regime sandinista estava em 2021, com a possível data de uma mudança política.
Neste domingo, 7 de novembro, deveriam ser realizadas eleições presidenciais, mas o Governo de Ortega acabou com a disputa prendendo seus potenciais rivais políticos e com uma campanha de medo que voltou a lançar milhares ao exílio. Os nicaraguenses não poderão escolher uma mudança, mas há muita coisa em jogo. Esses são os principais pontos da votação:
O que se vota no domingo na Nicarágua?
Estamos diante das eleições gerais mais atípicas da Nicarágua desde 1990, quando Violeta Chamorro obteve uma folgada vitória eleitoral: não há concorrência eleitoral, porque todos os pré-candidatos presidenciais estão presos. O que presenciaremos será mais parecido ao que ocorre em regimes de partido único, como Cuba e a Coreia do Norte, onde os que supostamente competem com o governismo são partidos e candidatos figurantes, aprovados de antemão, nesse caso, pelo poder de Ortega.
No papel, nessa eleição se escolhe o presidente e o vice-presidente da Nicarágua, 90 deputados da Assembleia Nacional e 20 deputados ao Parlamento Centro-americano. Mas na prática, o governismo está se utilizando de eleições de fachada para garantir a permanência do casal presidencial no poder.
Por que as eleições são consideradas uma “farsa”?
Ortega e Murillo eliminaram, através de leis confeccionadas de antemão, todos os pré-candidatos presidenciais que representavam um perigo para eles nas urnas. Uma pesquisa publicada pela CID-Gallup em outubro revelou que 65% dos consultados votariam em qualquer um dos sete concorrentes opositores presos – Cristiana Chamorro, Félix Maradiaga, Juan Sebastián Chamorro, Medardo Mairena, Miguel Mora, Arturo Cruz e Noel Vidaurre – em vez do presidente, enquanto somente 19% votariam em Ortega.
Os resultados mostram a queda do governismo desde 2018, quando os protestos sociais foram reprimidos com violência brutal e foi instaurado um estado policial de fato aparelhado com perseguição. Além disso, há a má gestão da pandemia e a radicalização total da repressão a partir de junho de 2021, data em que 40 líderes de oposição, jornalistas e membros da sociedade social críticos ao Governo foram presos. Na prática, isso significa a anulação total da concorrência, de modo que a oposição a considera “uma farsa e um circo”.
Além disso, as eleições também não possuem os padrões de transparência e credibilidade. O sistema eleitoral nicaraguense recebeu denúncias de fraudes nas eleições municipais gerais realizadas entre 2008 e 2021. Em todas essas eleições, Ortega consolidou um mecanismo para permanecer no poder. Atualmente não existe um Supremo Conselho Eleitoral (CSE, na sigla em espanhol) independente, já que todos os juízes recém-nomeados em uma reforma eleitoral de fachada são ligados ao Governo. Também não existirão observadores eleitorais porque a reforma da lei eleitoral os proibiu.
Em resumo: com todos os pré-candidatos opositores presos, um estado policial, e somente partidos insignificantes que não têm apoio popular nas cédulas concorrendo contra Ortega, a população não poderá eleger suas autoridades livremente.
Quais são os outros candidatos nas cédulas além de Daniel Ortega?
Além do nome de Daniel Ortega, nas cédulas estarão os de outros “candidatos figurantes”, totalmente desconhecidos pela população na Nicarágua. É assim que são conhecidos os postulantes que surgiram de um dia para o outro e sem fazer nenhum tipo de campanha para preencher os espaços deixados pelos pré-candidatos presos. Também são tradicionalmente conhecidos como partidos zancudos (palavra que literalmente significa mosquito, e designa os partidos próximos ao Governo por interesse, algo como chupa-sangue ou sanguessuga) porque, sabendo que não têm nenhuma possibilidade de ganhar, os líderes desses partidos se candidatam e colocam alguém próximo ou membro de sua família para obter uma cadeira no Estado e uma compensação econômica pelos votos recebidos.
De fato, neste ano, na contrarreforma aprovada em maio os magistrados eleitorais obedientes a Ortega eliminaram o teto mínimo de 4% que os partidos políticos deveriam obter para conseguir receber os reembolsos. De acordo com a nova lei, o Estado reembolsará os partidos pela quantidade de votos recebidos, sem importar que representem um número insignificante. Nas últimas eleições presidenciais de 2016, somente três dos seis partidos políticos zancudos receberam mais de 4% dos votos e outro fez parte de uma aliança eleitoral com a Frente Sandinista.
Quem são os opositores presos?
A jornalista Cristiana Chamorro, filha da ex-presidenta Violeta Barrios de Chamorro, a artífice da pior derrota de Ortega nas urnas em 1990.
O cientista político Félix Maradiaga; o economista Juan Sebastián Chamorro; o líder camponês Medardo Mairena; ojornalista Miguel Mora; o ex-embaixador do sandinismo nos Estados Unidos Arturo Cruz; e um veterano político que já concorreu várias vezes à presidência, Noel Vidaurre.
O que disse a comunidade internacional?
A comunidade internacional deu uma resposta beligerante às eleições de Ortega. A União Europeia catalogou como “fake”(falsas), e a Organização dos Estados Americanos (OEA) como “uma paródia”. Os Estados Unidos aprovaram a Lei Renascer, que estabelece a aplicação demaior pressão sob o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo em relação à sua perpetuação no poder no domingo. A lei foi aprovada com 387 votos a favor e 35 contrários. Agora só falta a assinatura do presidente Joe Biden para entrar em vigor. Também está nas mãos do mandatário norte-americano avaliar a participação da Nicarágua no acordo comercial Tratado de Livre Comércio entre os Estados Unidos, América Central e a República Dominicana (DR-Cafta). A União Europeia também anunciou que endurecerá suas sanções.
O que se espera depois de domingo?
É provável que, após Ortega voltar a se proclamar presidente no domingo para seu terceiro mandato consecutivo, se multipliquem as declarações de ilegitimidade por parte da comunidade internacional. Isso significará mais sanções, mas, ao mesmo tempo, provavelmente mais repressão aos nicaraguenses. E, como ficou demonstrado nos últimos anos, a repressão política costuma vir acompanhada de migração forçada, um fenômeno que já está em crescimento, também impulsionado por uma economia em queda.
Por outro lado, muitos analistas preveem que o Governo tentará acalmar a comunidade internacional como anúncio de um diálogo com a oposição, mas é provável que seja com opositores e setores escolhidos a dedo por ele e que não representemumverdadeiro contrapeso.
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