Biden se aproxima do abismo com o bloqueio legislativo e ameaça de fechamento do Governo

Divisão nas fileiras democratas e rejeição republicana complicam uma votação decisiva para elevar o teto da dívida e financiar o Governo federal

O presidente dos EUA, Joe Biden, nesta quarta-feira, num jogo de beisebol beneficente em Washington.Yuri Gripas / POOL (EFE)

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, enfrenta a hora da verdade. Um momento tão delicado que faz a retirada caótica do Afeganistão parecer pouco importante. Com o inimigo em casa —a divisão em seu partido entre moderados e progressistas—, o mandatário precisou suspender uma viagem prevista para Chicago para lidar com seus congressistas mais rebeldes e tentar, sem perder tempo, conseguir o que parece impossível. À meia-noite, expira o prazo para prorrogar o orçamento do Governo federal e evitar assim um fechamento do Governo, enquanto a sombra da moratória paira sobre o país. Ao mesmo tempo, a tramitação dos dois grandes planos de infraestrutura, o DNA de seu mandato, fica paralisada no Congresso pelo mesmo motivo: a diferença irreconciliável entre as diversas sensibilidades do Partido Democrata. Fatores que debilitam Biden agora e podem ter impacto nas eleições legislativas de 2022 – uma data cada vez mais corpórea para republicanos e democratas.

Além dos reveses vividos por Biden nas últimas semanas —o fiasco do Afeganistão; a rejeição republicana a alguns de seus candidatos para dirigir agências federais; e votações contrárias no Congresso, como a que freou a reforma policial—, nesta semana veio uma tempestade perfeita: a conjunção de obrigações financeiras urgentes e o bloqueio legislativo. Os democratas buscam sem descanso impedir o fechamento do Governo federal, que significaria a paralisação da Administração, desvinculando essa tentativa das medidas para elevar o teto da dívida, a outra obrigação peremptória do Tesouro norte-americano.

A sorte do plano de infraestrutura, que prevê um investimento de um trilhão de dólares (5,46 trilhões de reais) e conta com o apoio dos dois partidos, também está por um fio, embora o plano deva ser votado hoje. O entrevero cada vez mais acirrado entre progressistas e moderados democratas dificultou sua tramitação no Congresso, pois os progressistas querem aprovar ao mesmo tempo este plano e outro socioambiental no valor de 3,5 trilhões de dólares (19 trilhões de reais), ao passo que os moderados se recusam e rechaçam o aumento de impostos às rendas mais altas para financiar o segundo plano.

Neste momento, não parece haver um ponto de encontro entre as duas posturas, o que obrigou Biden a encarar os críticos. Entre eles o senador Joe Manchin, uma autêntica dor de cabeça para a Casa Branca, pois, por trás de sua rejeição à ambiciosa política contra a mudança climática do presidente (incluída no segundo plano), estariam suas boas relações com a indústria petroleira. O protagonismo dos bastidores entre os poderosos lobbies explica muitas demoras e a maioria dos obstáculos na agenda legislativa, como a influência da indústria farmacêutica sobre alguns legisladores democratas contrários à redução do preço dos medicamentos proposta por Biden e apoiada pela maioria da população.

O líder democrata no Senado, Chuck Schumer, prevê que a prorrogação do orçamento seja votada ao longo desta quinta-feira. Com o devido apoio de alguns senadores republicanos, o orçamento atual seria estendido até 3 de dezembro. Um quebra-galho, mas também um alívio para a Casa Branca, considerando que também paira sobre o país a ameaça de um default se o Congresso não aumentar ou pelo menos suspender o teto da dívida antes de 18 de outubro. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, já avisou nesta semana: os EUA poderiam enfrentar “uma crise financeira e uma recessão econômica” se o Tesouro ficar sem fundos e, portanto, não puder pagar suas dívidas.

A ameaça do fechamento do Governo não é nova, mas o possível default do Tesouro faria história ao ocorrer pela primeira vez. “O tempo é limitado, o perigo é real”, afirmou Schumer dias atrás. Com essa espiral interminável, a bola passa de um lado a outro. Os republicanos se negam a suspender o limite de emissão da dívida, considerando que seria um cheque em branco para o Governo de Biden (teoricamente não é, pois o financiamento só alcançaria as dívidas contraídas). Por isso, jogaram a decisão final para o campo dos democratas, o que multiplica os inconvenientes: num Senado com empate de 50 cadeiras, os democratas devem não apenas superar a divisão, mas também recorrer a um complexo mecanismo, denominado “reconciliação orçamentária” (maioria simples em vez da habitual maioria de dois terços) para aprová-lo.

Novamente, como num círculo infernal, a divisão entre democratas centristas e progressistas constitui o verdadeiro obstáculo, maior inclusive que o da oposição republicana. A Câmara de Representantes (deputados) aprovou na quarta-feira um projeto de lei para suspender o teto da dívida até dezembro de 2022, mas, sem apoio republicano no Senado, a iniciativa nasceu morta. Se não houver o citado procedimento de reconciliação, os votos da oposição no Senado são imperativos para atingir os dois terços. “O fato de que os republicanos sejam tão irresponsáveis não surpreende”, declarou a presidenta da Câmara baixa, Nancy Pelosi. Ela, Schumer e o próprio Biden multiplicaram seus contatos nas últimas horas, tentando socorrer a Administração democrata, financeira e politicamente falando. Ou seja: socorrer também a presidência de Joe Biden.

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