Cuba inicia julgamento sumário de participantes dos protestos de 11 de julho
Tribunais abrem processos contra dezenas de detidos, enquanto cada vez mais vozes se erguem para pedir moderação
Os julgamentos sumaríssimos contra indivíduos detidos em decorrência dos protestos de 11 de julho em Cuba já começaram, e há fila. Dezenas de manifestantes foram postos à disposição dos tribunais municipais nos últimos dias, acusados de delitos (desordem pública, incitação ao crime, desacato) punidos com até um ano de prisão. Em um dos primeiros processos coletivos, realizado no fórum Dez de Outubro, dois jovens foram sentenciados a 10 meses da prisão, e uma dezena a penas de um ano de reclusão, enquanto familiares de alguns deles denunciaram que, pela celeridade do procedimento, não tiveram tempo nem de constituir advogado, muito menos de preparar sua defesa. Um número cada vez maior de vozes ―inclusive de figuras revolucionárias, como o compositor Silvio Rodríguez― pede moderação por parte das autoridades e a libertação de cubanos que não tiverem participado de atos violentos.
As autoridades não divulgaram uma cifra oficial de detidos. A opacidade oficial nesse tema é absoluta, embora diversas fontes relatem ter havido uma grande onda de detenções ―há quem fale em até 500―durante as jornadas de protesto em 11 e 12 de julho. Algumas pessoas foram liberadas sem acusações, e outras são mantidas em prisão domiciliar à espera do julgamento. Também há uma quantidade indeterminável de manifestantes que seguem detidos e provavelmente serão levados diretamente aos juízes nos próximos dias.
As autoridades prometem respeitar “todas as garantias processuais”, apesar de se tratar de procedimentos sumários, que tornam a defesa muito complicada, pois poucos dias transcorrem entre a detenção e a sentença. Além disso, anunciaram que os julgamentos dos implicados em atos violentos e saques de lojas serão mais demorados, mas que eventuais culpados receberão penas mais severas ―até 20 anos de prisão, segundo o Código Penal cubano.
Os julgamentos por desordem pública são anunciados num aluvião, e as autoridades precisam decidir agora se aplicarão pulso firme sem restrições, com sentenças que sirvam de exemplo, ou afrouxarão com aqueles que simplesmente tenham participado pacificamente das manifestações ou que tenham sido detidos apenas por gravar os protestos com seus celulares. Tudo indica que estes últimos são muitos, como o caso do cinegrafista Anyelo Troya, um dos autores do videoclipe da canção Patria y vida, condenado na quarta-feira a um ano de prisão. O que está acontecendo abriu um debate nas redes sociais ―pouco a pouco a internet foi se restabelecendo nos celulares―, e pelo Facebook o conhecido ator Luis Alberto García punha o dedo na ferida: “Saibam que cada cubana ou cubano que eles condenarem a passar um tempo na prisão, sem que tenha cometido atos vandálicos e somente tenha manifestado pública e pacificamente suas insatisfações e crenças, será seu inimigo acérrimo pelo resto da vida. E com elas e eles também seus pais, filhos, irmãos, avós, tios, primos, amigos e até conhecidos”. O ator exortou às autoridades que revejam “esses julgamentos que estão sendo feitos às pressas. E as condenações que neles estão sendo sentenciadas. Cuba não precisa de mais grades nem de mais fel”.
Apesar das posições de barricada, e da polarização existente entre os que defendem o “direito da revolução de se defender” e pedem pulso firme, e os que consideram os julgamentos parte da repressão para calar as manifestações de descontentamento e denunciam abusos policiais a rodo, um pequeno raio de luz se abriu graças à iniciativa do dramaturgo Yunior García, um dos líderes do protesto diante do ministério de Cultura em 27 de novembro do ano passado, que foi detido nas manifestações de 11 de julho.
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Clique aquiGarcía escreveu uma carta aberta a Silvio Rodríguez propondo um diálogo para anunciar as posições e reivindicações da geração mais jovem que ele representa. Rodríguez o recebeu imediatamente. “Fomos capazes de confrontar nossas diferenças no mais absoluto respeito e preferimos nos concentrar em nossas coincidências. Tampouco perdemos tempo em discutir os temas que nenhum de nós pode resolver na prática. Focamos em como contribuir, agora mesmo, para o bem da sociedade cubana, em seu conjunto”, disse o dramaturgo depois da reunião.
“O encontro de hoje não foi um embate para encontrar um ganhador. Tratava-se de Cuba. E acredito que saímos de lá com a certeza de que são necessárias mudanças reais, impulsionados por vias não violentas, sem ingerências e onde nenhum cubano se sinta excluído”, assinalou. Rodríguez, por sua vez, que nos últimos dias se centrou em denunciar a manipulação das redes sociais e o papel dos EUA em procurar agravar a situação em Cuba, em linha com a posição oficial, considerou o encontro com Yunior como “bom” e “fraterno”. “Para mim, o mais doloroso foi escutar que eles, como geração, já não se sentiam parte do processo cubano, e sim outra coisa. Explicaram-me seus argumentos, suas frustrações”, afirmou o cantor e compositor. E acrescentou: “É preciso haver mais pontes, mais diálogo, menos preconceitos; menos vontade de bater e mais desejo de resolver a montanha de assuntos econômicos e políticos pendentes; menos costume de ouvir quem fala a mesma coisa, com as mesmas palavras, década após década, como se as gerações não viessem também com suas próprias palavras e entusiasmos”.
Rodríguez disse que o dramaturgo lhe solicitou “que ligasse para alguém” e pedisse “anistia para todos os presos”. “Não sei quantos detentos haverá agora, dizem eles que centenas”, afirmou Rodríguez, que não se furtou a pedir a soltura “dos que não foram violentos”.
García, que neste momento está sob prisão domiciliar, insiste em que em Cuba precisa abrir espaços inclusivos para sair da grave crise que o país atravessa, algo com que Silvio Rodríguez está de acordo. “Coincidimos em um projeto (em seu momento se tornará público) que poderia servir para o começo de um debate verdadeiramente plural, inclusivo, cívico, respeitoso e amplo, que encontre os consensos entre a diversidade que hoje nos caracteriza como cubanos”, disse García, e muitos nas redes sociais aplaudiram ambos.
Os julgamentos continuarão nos próximos dias, e é preciso observar que linha sancionadora o Ministério Público acabará adotando, mas, em meio a esta situação, os EUA anunciaram a adoção de sanções aos “implicados em atos repressivos”, ou seja, mais ruído no sistema. “Em vez de afrouxar as tensões, flexibilizar o embargo e favorecer uma saída, Washington incrementa a pressão, ao que aqui responderão entrincheirando-se uma vez mais”, opina um jovem cubano muito crítico ao Governo, mas que considera muito difícil haver uma solução enquanto perdurar a “miopia” da Casa Branca.
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