EUA avaliam se têm “capacidade tecnológica” para restabelecer a internet em Cuba

Declaração foi feita pelo presidente Joe Biden, ditando o tom áspero da relação com a ilha. Enquanto isso, para aliviar tensão após protestos, dirigentes do país comunista livram de taxas comida e remédio trazidos por visitantes

Cubanos no aeroporto José Martí, em Havana, em novembro de 2020.YAMIL LAGE (AFP)

O Governo dos Estados Unidos avalia se tem capacidade tecnológica para restabelecer a conexão de Internet em Cuba, cortada pelo regime após as mobilizações do último domingo. Foi o que disse o presidente norte-americano, Joe Biden, durante entrevista coletiva na Casa Branca nesta quinta-feira ao final da visita da chanceler alemã, Angela Merkel.

Biden descreveu Cuba como um “estado falido” que está “reprimindo a população” e explicou que Washington está disposto a enviar vacinas contra a covid-19 ao país caribenho para aliviar o sofrimento da população, mas somente com a garantia de que uma agência internacional administre a distribuição. Cuba vive seu pior momento da pandemia, mas, ainda assim, está bem distante dos recordes de outros países latino-americanos ou dos EUA no auge da crise sanitária. Nesta quinta-feira foi quebrado um novo recorde de mortes na ilha de 11,3 milhões de habitantes, 67 em um único dia, e 6.479 casos positivos. Desde o começo da pandemia, morreram 1.726 cubanos. São Paulo, com 12,3 milhões de habitantes, acumula 34.000 mortes pela covid-19.

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Na mesma linha de desconfiança em relação ao regime, Biden explicou que não autoriza o envio de remessas a Cuba devido pelo temor de que as autoridades cubanas as confisquem. “Eles cortaram o acesso à Internet, estamos considerando se temos capacidade tecnológica para restaurar esse acesso”, disse Biden. O presidente foi questionado sobre sua opinião sobre o socialismo, termo que nos Estados Unidos é associado ao comunismo, embora a esquerda do Partido Democrata às vezes defenda sua versão democrática. “O comunismo é um sistema falido e não acho que o socialismo seja um substituto muito útil, mas isso é outra história”, respondeu ele.

Angela Merkel e Joe Biden na Casa Branca nesta quinta-feira.TOM BRENNER (Reuters)

A internet e o acesso aos dados móveis nos celulares continuam cortados ou funcionando com dificuldades em Cuba para quem não tem um aplicativo VPN, por meio do qual é possível ter acesso à rede. Mas muitos cubanos começam a se conectar à rede e a ver imagens do que aconteceu nestes dias. Entre elas, as fotografias de policiais da tropa de choque vestidos com toda a parafernália de rigor, escudos protetores, capacetes, uniformes blindados, cassetetes e armas longas, algo absolutamente inédito na ilha. Cada vez mais artistas manifestam publicamente sua consternação com a violência policial observada nos últimos dias, embora outros, como o famoso cantor e compositor Silvio Rodríguez, tenham enfatizado a manipulação feita do exterior. “Fizeram crer a muitos que a revolução é violência. É preciso ser cínico, com a quantidade de mensagens incitando à violência que espalharam.”

Comida e remédios de viajantes liberados

Enquanto Biden não dá sinais de que irá rever nem mesmo as sanções adicionais contra a ilha, Cuba volta pouco a pouco à normalidade depois da turbulência política provocada pelos protestos do último domingo na capital e em várias cidades do país. O controle das ruas pela polícia e por grupos ligados ao Governo continua, e é avassalador, mas a vida volta a ser o que era, com gente fazendo fila nas lojas para comprar produtos de primeira necessidade, desabastecimento nos comércios e apagões programados em várias localidades. Os cortes de eletricidade vêm se reduzindo.

Um conjunto de fatores que explica algumas das causas que provocam mal-estar e descontentamento entre a população e que está por trás das manifestações recentes, algo que não vai melhorar no curto prazo. As autoridades sabem disso, o que fica demonstrado pelo fato de que nesta quarta-feira os principais dirigentes do Governo voltaram a aparecer na televisão e anunciaram que, a partir de agora, será permitido “de forma excepcional” e até o fim do ano, a importação livre de tarifas de alimentos e remédios aos viajantes que entrarem na ilha.

É uma medida primeira, limitada, mas que demonstra até que ponto o que aconteceu nos últimos dias agitou as coisas nas ruas e nas alturas, e obrigou o regime a tomar medidas. Vários economistas dizem que, se se pretende realmente aliviar a situação crítica do país e dar oxigênio à economia, o Governo terá de acelerar a introdução de reformas e estas devem ser estruturais e não simples remendos. E para que as pessoas realmente possam ganhar a vida, os especialistas consideram de suma importância a eliminação de uma infinidade de obstáculos à iniciativa privada e a tão esperada autorização para as pequenas e médias empresas, algo de que não se falou na quarta-feira na intervenção especial na televisão, uma medida que tarda em chegar. Ao mencionar a liberalização da importação de alimentos e medicamentos, o primeiro-ministro, Manuel Marrero, indicou que era uma demonstração de que o Governo “está buscando soluções para o povo”.

Ao lado de Marrero, os titulares das pastas de Economia, Alejandro Gil, e de Energias e Minas, Liván Arronte, deram explicações sobre as dificuldades que o país enfrenta, “agravadas pelo ressurgimento do bloqueio norte-americano”, mas tentando transmitir à população a mensagem de que há luz no fim do túnel, especialmente no que se refere ao fornecimento de energia elétrica. Os analistas concordam que o descontentamento com o aumento dos apagões é o que fez com que, na pequena cidade de San Antonio de los Baños, as pessoas saíssem às ruas no último domingo, a centelha que, por simpatia, acendeu horas depois os protestos em outras vilas e cidades do país.

O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, voltou a se referir às manifestações daquele dia, desta vez com certo tom de autocrítica. Disse que junto com os “elementos contrarrevolucionários”, “anexionistas que participam de um plano estrangeiro” e “criminosos”, se manifestaram pessoas com reivindicações legítimas e também jovens e setores empobrecidos da população cujas necessidades a revolução não conseguiu satisfazer. Reconheceu que a polícia pode ter cometido excessos, mas que “sem a resposta das forças de ordem, a violência e o caos teriam prevalecido” e agora a situação seria pior. “Também devemos pedir desculpas a quem foi maltratado no meio da confusão”, admitiu.

No entanto, ficou claro que as autoridades aplicarão todo o rigor aos que consideram “instigadores e organizadores dos distúrbios”, um aviso claro aos navegantes e para desativar futuros incidentes. Altos funcionários do Ministério do Interior e do Ministério Público deram declarações depois, sem fornecer um número oficial de presos ―que algumas organizações oposicionistas estimam em centenas. A televisão mostrou imagens de distúrbios graves em alguns bairros periféricos de Havana e de outras cidades do país, onde os manifestantes entraram em confronto com a polícia, inclusive lançando coquetéis molotov e saqueando lojas de dólares. Os funcionários advertiram que os responsáveis por estes atos serão julgados por crimes graves e podem ser condenados a vários anos de prisão.

Biden descarta o envio de tropas ao Haiti

O presidente dos EUA, Joe Biden, descartou o envio de tropas ao Haiti, outro país com graves turbulências após o assassinato de seu presidente, além das tropas necessárias para proteger a embaixada. “Não está na ordem do dia”, disse ele, apesar do fato de o governo interino ter solicitado isso para evitar o caos no país.


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