Presidente do Haiti, Jovenel Moïse, é assassinado a tiros em sua casa em Porto Príncipe
Líder haitiano foi morto meses após declarar haver um plano de golpe em andamento no país. A primeira-dama, Martine Moïse, foi baleada e está internada. Primeiro-ministro declara estado de sítio no Haiti
Os piores presságios chegaram ao Haiti na manhã desta quarta-feira. O presidente Jovenel Moïse foi assassinado a tiros na madrugada, por homens armados que invadiram e atacaram sua residência, no bairro de Pelerin, em Porto Príncipe (capital do país), segundo informou no início da manhã o primeiro-ministro interino, Claude Joseph. A primeira-dama, Martine Moïse, também foi baleada no atentado, mas foi socorrida com vida e encaminhada a um hospital. Um comunicado divulgado por várias embaixadas do Haiti no exterior aponta que o ataque foi cometido por pessoas não identificadas, e que muitas delas “falavam em espanhol”. Um dos filhos do presidente testemunhou o ataque, mas saiu ileso.
Em nota assinada pelo primeiro-ministro interino, o Governo haitiano pediu calma à população e garantiu que tanto a polícia quanto o Exército foram convocados para garantir a ordem no país. “A situação está sob controle. Estou em uma reunião para garantir a segurança e tomar todas as medidas para a manutenção do Estado “, relatou Joseph. Ao final da reunião, o político declarou estado de sítio no Haiti, uma medida que coloca as Forças Armadas como fiadoras máximas da segurança.
Filho de um comerciante e uma costureira, Jovenel Moïse concedeu uma entrevista exclusiva ao EL PAÍS, em fevereiro, na qual acusou o andamento uma tentativa de golpe de Estado organizado por um grupo de famílias e empresários “que controlam os principais recursos do país, que sempre instalaram e removeram presidentes e que utilizam as ruas para causar desestabilização”, afirmou, sustentando que não deixaria o poder até 2022. “Meu mandato começou em 7 de fevereiro do 2017 e termina em 7 de fevereiro do 2022. Entregarei o poder ao seu proprietário, que é o povo do Haiti. Os oligarcas corruptos, acostumados a controlar presidentes, ministros, Parlamento e Poder Judiciário pensam que podem tomar a presidência, mas só existe um caminho: eleições. E eu não participarei dessas eleições.”
A origem política do conflito no Haiti, um país caribenho de 11,2 milhões de habitantes, está nas convulsivas eleições de 2015. Michel Martelly encerrou seu mandato, mas a autoridade eleitoral só reconheceu a vitória de Moïse um ano depois. Para a oposição, entretanto, seu Governo começou no dia em que Martelly deixou o poder e o acusou de ser um “ditador” por governar por decreto por um ano.
À crise política se somaram a pandemia de covid-19, furacões que devastaram várias cidades, e uma onda de violência urbana e sequestros que levaram ao esgotamento de uma população que tem em seu poder mais armas do que nunca, como apontaram diversos especialistas à reportagem. Dias antes da entrevista ao EL PAÍS, em fevereiro, Moïse falou com a imprensa haitiana e internacional em Porto Príncipe, quando anunciou a prisão de 23 pessoas suspeitas de conspirar contra o Governo, numa resposta a várias semanas de manifestações violentas em diferentes cidades do país para pedir sua renúncia. “Houve um atentado contra minha vida”, disse o presidente em 8 de fevereiro, em referência a um suposto complô que começou em 20 de novembro.
Após o assassinato do presidente Jovenel Moïse e da tentativa de homicídio contra a primeira-dama Martine, o aeroporto internacional de Porto Príncipe foi fechado, segundo fontes diplomáticas. Vários voos regulares para o aeroporto da capital haitiana foram cancelados ou desviados para outros terminais em países vizinhos, de acordo com informações das páginas de rastreamento de voos, embora nenhuma autoridade tenha confirmado até o momento o fechamento do aeroporto.
Um país em convulsão
O presidente haitiano recentemente solicitou apoio internacional para acabar com a grave crise de segurança no país. Mais de 150 pessoas foram mortas e outras 200 sequestradas entre 1 e 30 de junho na área metropolitana de Porto Príncipe, revelou um relatório do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos (CARDH) publicado na terça-feira. “O país está sitiado por gangues armadas que espalham terror, assassinatos, sequestros, estupros (...) Porto Príncipe está sitiada no sul, norte e leste. Assistimos a uma sociedade cada vez mais passiva enquanto o país está sitiado“, lamentou a organização, no relatório divulgado na véspera do assassinato do presidente. Pelo menos seis estrangeiros foram sequestrados, elevando o total para 20 no primeiro semestre de 2021. O relatório, que fala da “hegemonia do crime no Haiti”, aponta ainda que entre 1 de janeiro a 21 de junho, ao menos 30 policiais foram mortos (em 2020, foram 26 assassinatos de policiais), segundo a ONG.
Jovenel Moïse, 53 anos, estudou Ciências da Educação na Universidade de Quisqueya, em Porto Príncipe, e era empresário antes de lançar sua candidatura para a eleição presidencial em 15 de setembro de 2015, pelo partido haitiano Tèt kale (PHTK). Embora tenha vencido o primeiro turno com 32,76% contra o candidato Jude Celestin, da Liga Alternativa para o Progresso e a Emancipação do Haiti (o partido Lapeh), houve denúncias de fraude e Celestin se recusou a participar do segundo turno em janeiro de 2016. Começou então um período incerto em que o país ficou sem presidente a partir do fim do mandato de Michel Martelly, em 7 de fevereiro de 2016.
Meses depois, autoridades eleitorais invalidaram os resultados e os eleitores foram novamente convocados a votar em 9 de outubro daquele ano. Porém, a passagem do furacão Mattew dias antes da votação deixou quase 900 mortos e forçou seu adiamento novamente.
Em novembro de 2016, Jovenel Moïse finalmente foi declarado vitorioso nas eleições presidenciais do Haiti no primeiro turno, com 55,60% dos votos. Duas semanas antes de sua posse, em 7 de fevereiro de 2017, depôs à Justiça sobre um processo por lavagem de dinheiro, resultado de uma investigação iniciada em 2013, quando rejeitou todas as acusações.
Como presidente, nomeou o médico Jack Guy Lafontant como primeiro-ministro. Lafontant, que não tinha experiência política, renunciou em julho de 2018 devido a violentos protestos desencadeados pelo anúncio de aumento dos preços de combustíveis. A nomeação de um novo primeiro-ministro não acalmou os protestos sociais, aos quais se somaram as suspeitas de corrupção em torno da empresa Petrocaribe.
Para piorar, em maio de 2019, o Superior Tribunal de Contas do Haiti enviou ao Parlamento um relatório em que apontava que empresas de Moïse e ao seu antecessor Martelly haviam se beneficiado de projetos milionários que não haviam sido executados. As revelações geraram mais protestos, desta vez exigindo a renúncia do presidente, em um momento de crise econômica, falta de combustível, fome e insegurança. A isso se somou o confronto com a oposição sobre a data de expiração do mandato de Moïse. E, desde 2020, a pandemia de coronavírus.
As eleições legislativas estão previstas para este ano, bem como a convocação de eleições presidenciais, nas quais Moïse já não poderia se candidatar. Em junho, ele pediu apoio internacional e colaboração de todos os setores da sociedade para acabar com a violência de gangues armadas no país. E dias atrás, em 5 de julho, ainda nomeou Ariel Henry como o novo primeiro-ministro com a tarefa de formar um Governo de consenso que integre diferentes setores da vida política do país.
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