Donald Trump amplia sanções a Cuba antes de deixar a presidência dos EUA
Em fim de mandato, mandatário golpeia os canais de investimento estrangeiro na ilha e cogita devolver o país à lista de “patrocinadores do terrorismo”
“Isto não vai parar até 20 de janeiro”, diz com certo humor, mas resignado e com preocupação, um experiente empresário estrangeiro com negócios em Cuba, após ser informado de que a lista de sanções de Washington passou a incluir o Banco Financeiro Internacional (BFI), um dos principais de Cuba, que administra boa parte das contas das empresas e empresários estrangeiros e se ocupa das transações vinculadas às empresas mistas. Trata-se da mais nova medida da administração Trump contra a economia cubana nestas semanas finais de mandato. A ela pode se somar ainda, como noticiou nesta o The New York Times nesta semana, outra ainda pior: a inclusão da ilha na lista de países patrocinadores do terrorismo. Atualmente integrada apenas por Coreia do Norte, Irã e Síria, essa lista acarreta duras sanções, que poderiam ser complexas de desmontar para a administração do democrata Joe Biden, que já anunciou que seu Governo recuperará a política de aproximação com Cuba, impulsionada por Barack Obama.
O 20 de janeiro, quando Biden toma posse como presidente dos EUA, tornou-se uma data-chave para os setores da atual administração interessados em torpedear qualquer aproximação com Cuba. Há meses, e ainda mais depois que Trump perdeu as eleições, Washington iniciou uma frenética corrida para deixar um terreno cheio de obstáculos para o novo presidente. No caso de Cuba, especialmente, foram impostas numerosas sanções, que proíbem os norte-americanos de se alojarem em hotéis estatais e obrigaram ao fechamento dos mais de 400 agências da empresa Western Union na ilha, complicando os envios de remessas financeiras pelos emigrados. O objetivo é que, quando a nova administração dê os primeiros passos para retomar o caminho proposto por Obama, o encontre tão minado que a passagem será lenta ou impraticável.
O Governo cubano condenou na sexta-feira a inclusão do BFI na lista de empresas cubanas com as quais os norte-americanos estão proibidos de fazer transações e acusou Washington de “recrudescer o bloqueio” a fim de aumentar o cerco financeiro e asfixiar o país. O argumento do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, ao anunciar a medida foi que o BFI é controlado pela corporação militar GAESA e que suas “operações beneficiam de maneira desproporcional os militares cubanos, em vez dos empresários independentes, fomentando a repressão do povo cubano e financiando a interferência de Cuba na Venezuela”. A mesma justificativa foi esgrimida para incluir na lista a empresa financeira cubana FINCIMEX, o que provocou o fechamento dos escritórios da Western Union.
“Esta medida pode acarretar uma grande dificuldade às empresas e empresários, pois alguns bancos estrangeiros com os quais operamos podem temer agora ser sancionados por Washington”, afirma um empresário que opera há anos na ilha. “O lado bom é que a partir de 20 de janeiro tudo isto mudará”, observa.
Biden já disse que acabará com a política de hostilidade e sanções de Trump e, segundo analistas, logo começará a suspender o cipoal de medidas impostas por seu antecessor nos últimos quatro anos, como a restrição das remessas, a proibição de voos diretos e dos cruzeiros, o fechamento do consulado e a eliminação do programa People to People, uma modalidade de viagens de “enriquecimento cultural” que a maioria dos norte-americanos utilizava para viajar à ilha apesar das sanções. Muitas destas medidas podem ser desmontadas com relativa rapidez, mas outras, segundo especialistas nas relações cubano-americanas, são mais complexas de revogar, como seria retirar as empresas do GAESA da lista de alvos de Washington.
O The New York Times publicou nesta semana uma reportagem exclusiva antecipando que Pompeo deverá decidir nos próximos dias sobre a inclusão de Cuba na lista de patrocinadores do terrorismo. Obama retirou a ilha dessa lista em 2015, durante o processo de restabelecimento de relações diplomáticas. O jornal norte-americano revelou que a proposta de devolver Cuba à lista partiu do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, e não de seu Escritório do Contraterrorismo, que normalmente deveria estar envolvido nessa medida. Seria, portanto, uma decisão política, não baseada no perigo real que Cuba represente para os EUA.
A designação como Estado patrocinador do terrorismo pode desencadear sanções que incluem “restrições à ajuda internacional dos Estados Unidos; uma proibição das exportações e vendas de defesa; certos controles sobre as exportações de artigos; e diversas restrições financeiras e de outro tipo”, segundo o Departamento de Estado.
“Pôr Cuba na lista de países terroristas nos últimos dias de seu mandato, evitando o rigoroso processo interno que isto implica, demonstra a falta de seriedade desta administração e é uma nova humilhação aos profissionais que elaboram a política de segurança nacional dos EUA”, disse em Havana Joe García, ex-secretário de Energia da administração Obama, que visita a ilha por ter apoiado e organizado o envio de um voo histórico com ajuda sanitária de Miami para o IPK, o principal instituto do Ministério da Saúde de Cuba envolvido na luta contra a pandemia.
Segundo o ex-deputado democrata, que também foi diretor executivo da Fundação Cubano-Americana (principal organização do exílio, liderada pelo falecido Jorge Más Canosa) e que defende hoje a aproximação com Cuba, é hora de construir pontes, não de levantar muros. Sobre a última sanção contra o Banco Financeiro Internacional, afirmou que “foi feita com a intenção de prejudicar em um momento-chave, mas sem pensar nas consequências para ambos os países e em particular para o povo cubano, que é a quem diz beneficiar”. Segundo García, um profundo conhecedor da comunidade cubano-americana dos EUA, a medida “seria risível e de politicagem barata se não tivesse consequências diretas para o povo de Cuba e os cubanos do sul da Flórida, que são os que terão que procurar novas vias e pagar mais caro para ajudar suas famílias”.
Ambas as medidas —embora a inclusão de Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo não seja oficial— geraram críticas não só do Governo da ilha, mas também da diplomacia europeia. “Em plena pandemia, qualquer sanção é uma barbaridade que demonstra um nível de rancor e ódio que não tem justificação”, declarou o embaixador da União Europeia em Cuba, Alberto Navarro. Como Joe García, Navarro considera que o atual momento seja “de construir pontes, não de destruí-las”.