As últimas penas de morte de Donald Trump
Com seis execuções no período de transição na Casa Branca, o presidente americano deixa um recorde na aplicação da pena capital, contrariando a tendência nos Estados e na opinião pública dos EUA
Na próxima quinta-feira, Dia Internacional dos Direitos Humanos, no presídio federal de Terre Haute (Indiana), o Governo dos Estados Unidos aplicará uma injeção letal em Brandon Bernard, um afro-americano de 40 anos, por participação em um assalto que culminou em duplo homicídio ―não executado por ele―, quando tinha 18 anos. Teve uma defesa deficiente. Dos 12 jurados que o condenaram, todos, exceto um, eram brancos. Agora, cinco deles dizem que ele não deveria ser executado. Uma promotora que contribuiu para sua condenação, Angela Moore, escreveu duas semanas atrás, em um artigo de opinião no jornal The Indianapolis Star, que “executar Brandon seria uma terrível mancha para a honra da nação”
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No dia seguinte, será a vez de Alfred Bourgeois, 56 anos, que torturou e assassinou a própria filha em 2002. Seus advogados alegam que ele sofre de uma demência severa que o impede de entender por que vai ser executado. Um mês depois, em 12 de janeiro, está programada a morte de Lisa Montgomery, a primeira mulher que o Governo federal dos EUA executará em 70 anos. Submetida a incesto, torturada durante anos, selvagemente prostituída por sua mãe e esterilizada à força, Montgomery é uma mulher gravemente doente mental, que estrangulou uma mulher grávida de oito meses e tirou o bebê dela para cuidar dele como se fosse seu.
Em 14 de janeiro, a morte aguarda Cory Johnson, cujos advogados dizem que tem coeficiente intelectual de 69, abaixo do limite que a Suprema Corte estabelece para determinar se a execução é uma punição muito cruel. No dia seguinte, cinco dias antes de o presidente Trump deixar a Casa Branca, seu Governo se prepara para matar Dustin Higgs, o quarto afro-americano dos cinco, condenado por participar do assassinato de três mulheres, nas quais ele não atirou.
“Esse casos constituem quase um catálogo perfeito dos tipos de casos que não deveriam resultar em pena de morte”, diz Robert Dunham, diretor executivo do Centro de Informações sobre a Pena de Morte. Apesar disso, o Governo marcou a morte dos quatro, além aplicada ao afro-americano Orlando Hall ―que já recebeu a injeção letal em 19 de novembro―, antes do dia 20 de janeiro, quando Donald Trump irá ceder a Casa Branca a um presidente contrário à pena capital.
Descompasso
Nunca antes na história dos Estados Unidos tantas execuções federais tinham sido programadas no período de pouco mais de dois meses e meio desde que um presidente perde as eleições até sua saída da Casa Branca, período no qual o mandatário fica conhecido como Pato Manco. Seria necessário voltar ao século XIX, à presidência de Chester Arthur, para encontrar algo parecido: houve cinco execuções federais durante seu período de transição após as eleições de 1884, mas é preciso levar em conta que então as transições eram mais longas, pois o novo presidente tomava posse em março, e não em janeiro.
Sob a presidência de Trump haverá este ano mais execuções federais (serão 10, com Bernard e Bourgeois) do que em qualquer outro ano nos últimos dois séculos. Isso vai contra a tendência histórica, enquanto o apoio da população à pena de morte também continua diminuindo e se situa no nível mais baixo dos últimos 47 anos. Pela primeira vez na história, de acordo com uma pesquisa Gallup de novembro, a maioria dos norte-americanos (60%) prefere a prisão perpétua à pena capital. Um total de 20 Estados aboliu as execuções, e hoje elas são realizadas em menos da metade.
“Como em tantas coisas durante seu mandato, o que o presidente Trump fez neste campo esteve em descompasso com a prática dos últimos presidentes, tanto democratas como republicanos, e, neste caso, também com o que os Estados estão fazendo”, explica Dunham. “Este será o ano em que haverá mais execuções federais nos últimos dois séculos e, ao mesmo tempo, será o ano em que haverá menos execuções dos Estados nos últimos 37 anos.”
Há mais de 2.500 pessoas no corredor da morte nos Estados Unidos, sendo que apenas 45 delas estão no corredor da morte federal. Isto porque, em geral, os Estados são os responsáveis pelo processo penal. O Governo federal intervém quando o crime ocorre em solo federal, como no caso de Bernard, ou quando os promotores federais de distrito consideram que devem seguir para a instância federal em razão da gravidade especial do crime.
Nesses casos federais, o Departamento da Justiça fixa a data da execução, e o presidente tem a capacidade de intervir, prorrogando as datas ou concedendo clemência aos réus. Em uma campanha marcada pelo debate sobre discriminação racial e distúrbios nas cidades, os dois candidatos presidenciais defenderam suas trajetórias na questão da reforma do sistema de justiça criminal. Mas as diferenças entre Donald Trump e Joe Biden no tema da pena de morte são extremas.
Trump interrompeu um período de 17 anos em que não houve nenhuma execução federal. Muito antes de entrar na política, o empresário havia deixado claro seu apego à pena de morte: em 1989, contratou anúncios de página inteira nos jornais pedindo a execução dos conhecidos como “Cinco do Central Park”, presos por estupro e espancamento de uma jovem. Anos depois, ele se recusou a se desculpar quando foi confirmado que eles haviam sido condenados por engano e foram inocentados.
Biden, por sua vez, incluiu em seu programa eleitoral a promessa de “promover legislação para eliminar a pena de morte em nível federal” e “incentivar os Estados a seguirem o exemplo”. O compromisso o torna o primeiro presidente eleito ou candidato presidencial democrata a se posicionar totalmente contra a pena de morte desde Michael Dukakis em 1988, e representa uma mudança em relação a seu próprio apoio na década de 1990 a um endurecimento da justiça penal que incluía o aumento da aplicação da pena de morte. “Biden aprendeu com a história”, diz Dunham. “Ele viu que a pena de morte não reduz o crime e que as sentenças punem negros e latinos de maneira desproporcional.”
A pena de morte não é uma questão estritamente partidária. Muitos democratas a apoiam e, de fato, a posição oficial do partido há apenas oito anos era de condenar apenas seu uso “arbitrário”. Ao mesmo tempo, muitos republicanos se opõem à pena de morte, geralmente com o argumento de limitar o poder do Estado, defender a vida e economizar o dinheiro dos contribuintes. Ainda assim, 56% dos norte-americanos, de acordo com a pesquisa Gallup, apoiam a pena de morte para assassinos condenados. Mas em 1994 era apoiada por 80%. E os jovens e não brancos são os que mais a rejeitam, o que indica que o país está se afastando cada vez mais demograficamente da pena capital.