Massacres e abusos policiais na Colômbia levam Governo de Duque à beira de uma crise política
Deterioração da segurança pública deixa o ministro da Defesa contra as cordas. Na quarta-feira, guarda-costas da ex-senadora Piedad Córdoba foram atacados
Quando o presidente da Colômbia, Iván Duque, completa dois anos de mandato, as chacinas e denúncias de abusos contra civis por parte das Forças Amadas mantêm o Executivo à beira de uma crise política. O mandatário ganhou as eleições graças a promessas envolvendo segurança pública, uma bandeira do seu partido, o Centro Democrático, fundado pelo ex-presidente Álvaro Uribe. Sua estratégia, entretanto, fracassou. O ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, foi convocado por uma dezena de senadores para dar explicações sobre as mais de 60 chacinas ocorridas desde o começo do ano. Enquanto isso, a prefeita de Bogotá, Claudia López, criticou a falta de empatia do Governo com as vítimas de violência policial, e a Corte Suprema de Justiça ordenou ao gabinete de Duque que peça desculpas pelos excessos policiais durante as mobilizações sociais de 2019.
A controvérsia se agravou depois da resposta esquiva do ministro à ordem da Corte. Trujillo disse que “a Força Pública, em particular o Esquadrão Antimotins (Esmad, tropa de choque), não incorre institucionalmente em excessos” e que, se eles aconteceram, se devem a “ações individuais”. Suas palavras foram interpretadas por diferentes setores políticos como um desacato. Agora, além do debate sobre as matanças, um grupo de congressistas promove uma moção de censura contra ele para forçar sua renúncia, e a oposição quer voltar às ruas. O ambiente de insegurança se estende aos líderes políticos. Na noite da quarta-feira, os guarda-costas da ex-senadora esquerdista Piedad Córdoba foram atacados a tiros, e ela anunciou que teme por sua vida.
O Governo insistiu que por trás dos protestos de setembro em Bogotá estão o Exército de Libertação Nacional (ELN), dissidentes da extinta guerrilha FARC e outras organizações criminais que “ameaçam a sociedade colombiana aproveitando a proteção do regime ditatorial de [Nicolás] Maduro”. Mas essa versão não convence analistas nem líderes políticos como a prefeita de Bogotá, Claudia López, que enfrentou publicamente o ministro Trujillo. “O candidato ministro da Defesa reconhece que como resultado da sua incompetência entregou ao ELN e a dissidências das FARC seu retorno às cidades? Reconhece que fracassou como ministro da Defesa? Por acaso só percebeu seu fracasso junto com o sistemático abuso policial?”, afirmou a prefeita pelo Twitter, fazendo referência às aspirações presidenciais do titular da Defesa.
“Há uma deterioração incontestável da segurança, o Governo está encurralado pela violência policial, e sua resposta é agitar a bandeira do medo para se tornar indispensável com vistas às próximas eleições”, afirma o analista Ariel Ávila, subdiretor da Fundação Paz e Reconciliação (Pares).
O reaparecimento de Márquez
À complexidade do panorama se soma o reaparecimento de dois dissidentes das FARC que participaram da negociação do acordo de paz, Iván Márquez e Jesús Santrich, que representam um grupo minoritário, que se desvinculou dos acordos que agora completam quatro anos. Depois de um ano do lançamento desse grupo dissidente, chamado Nova Marquetalia, eles reapareceram com um comunicado em que pedem a renúncia do presidente Duque. A imagem de Márquez, Santrich e Hernán Darío Velásquez Saldarriaga, conhecido como El Paisa, com armas longas e uniformes novos diante de alguns arbustos, causou indignação nos cidadãos. “A declaração dos integrantes da autodenominada Nova Marquetalia, com suas armas ameaçadoras, é cínica e ofensiva. Eles traíram o acordo de paz, além dos seus 13.000 companheiros que hoje cumprem [o acordo] e o país. Devem ser perseguidos com toda a força militar do Estado”, disse Juan Fernando Cristo, ex-ministro de Interior do Governo de Juan Manuel Santos.
Entretanto, de acordo com um relatório da Fundação Paz e Reconciliação, analistas consideram que a Nova Marquetalia é o menos relevante entre os grupos pós-FARC e suas dissidências, e também que o ELN e os chamados Grupos Armados Organizados que “quase dobraram sua presença armada territorial” nos últimos dois anos. “É o que mais impacto midiático e político causa porque seus membros foram negociadores, mas é o de menor poder”, acrescenta Ávila. As autoridades consideram que seus comandantes se encontram do lado venezuelano da fronteira.
Segundo a Pares, as dissidências das FARC são 28 grupos divididos em três setores isolados: um grupo integrado pelo guerrilheiro conhecido como Gentil Duarte, que opera em Putumayo e Vichada; outro dos chamados isolados, como os grupos de Oliver Sinisterra e os Contadores, localizados em Nariño, no sul do país, e dedicados ao narcotráfico; e a dissidência da Nova Marquetalia, que não teve sucesso, segundo os analistas, em exigir que essas facções se agrupassem.
Por outro lado, encontra-se o Exército de Libertação Nacional, a última guerrilha ativa na Colômbia, que segundo este relatório “passou de estar em 99 municípios para mais de 160 em 2020”; e o Clã do Golfo, um grupo neoparamilitar que “opera em algo mais de 200 municípios atualmente”. Todos se financiam com o narcotráfico.
O Governo ainda não deu informação detalhada sobre a dimensão da presença destes grupos, mas os debates no Congresso serão a oportunidade para conhecer a magnitude da deterioração da segurança no país andino. “Queremos que o ministro nos diga o que está acontecendo com a segurança, por que escapou ao controle; e, por outro lado, o que está acontecendo com as Forças Armadas, por que estão agindo de maneira tão errática e dispararam em 10 pessoas em Bogotá”, disse ao programa Semana en Vivo o deputado uribista Roy Barreras, um dos participantes dos debates.