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Fernández eleva impostos sobre a soja e reacende crise entre campo e kirchnerismo

Grandes produtores pagarão alíquota de 33% sobre as exportações, em um clima de crescente conflito que recupera o desentendimento entre agricultores e Cristina Kirchner

Federico Rivas Molina
Campo de trigo en Azul, provincia de Buenos Aires.
Campo semeado com trigo em Azul, província de Buenos Aires.Agustin Marcarian (REUTERS)
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FILE PHOTO: Argentina's Economy Minister Martin Guzman attends a news conference in Buenos Aires, Argentina December 11, 2019. REUTERS/Mariana Greif/File Photo
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O kirchnerismo e o campo são inimigos íntimos. Em 2008, a decisão de Cristina Kirchner de aumentar os impostos sobre as exportações agrícolas resultou em um conflito amargo que durou quatro meses. A relação com os produtores, que forçaram o Governo a revogar o aumento, nunca se recuperou. Passados 12 anos desse conflito, a tensão voltou. Alberto Fernández era em 2008 chefe de ministros. Em 2020, enfrenta o campo como presidente. Assim que assumiu o cargo, em dezembro, as retenções para a soja, principal produto de exportação da Argentina, aumentaram de 24,5% para 30%. Agora, ele elevou o imposto para até 33%. Tentou compensar o golpe com benefícios para os pequenos produtores e para outros produtos agropecuários, mas a possibilidade de uma nova escalada no conflito com o setor rural paira novamente sobre o país.

O aumento de impostos coincide com a necessidade da Argentina de acumular moeda estrangeira para cumprir seus compromissos externos. O Governo está em plena negociação com o FMI, ao qual deve 44 bilhões de dólares (204 bilhões de reais), e prepara para o fim de março uma oferta de troca aos detentores de títulos de cerca de 100 bilhões, no total. Sem dinheiro para cumprir os compromissos, Fernández oferece a reativação da economia (o PIB cai desde 2018 e está previsto um novo declínio em 2020) para obter os recursos necessários para pagar os credores. Se o plano funcionar, a maior parte do dinheiro sairá do campo, responsável por 70,5% de toda a receita com exportações. Para ficar parte desse bolo, o Estado recebe dos produtores impostos sobre suas vendas fora do país.

A soja é a grande estrela. De acordo com dados oficiais publicados nesta quarta-feira, as vendas de soja totalizaram quase 17 bilhões de dólares (79 bilhões de reais) em 2019 e representaram 26% das receitas de exportação argentinas. Fernández confirmou um novo aumento nas retenções no último domingo, durante o início do ano legislativo. Declarou na ocasião que o novo imposto será aplicado sobre "apenas uma das 25 culturas", isto é, a soja.

Na terça-feira, o ministro da Agricultura, Luis Basterra, informou às principais câmaras do setor, agrupadas na chamada Mesa de Enlace, a decisão de reajustar as alíquotas sobre a soja de 30% para 33%. Para evitar uma guerra aberta, apresentou ao mesmo tempo um plano de compensações para produtores de até 1.000 toneladas de soja, que receberão um reembolso de imposto de acordo com uma escala vinculada ao volume vendido no ano passado. O plano é que o Estado arrecade o imposto e depois "o devolva" aos setores mais atrasados, sobretudo os agricultores de áreas mais desfavorecidas. Produtos como lã e legumes pagarão menos impostos (de 9% a 5%) e outros permaneceram na mesma, como trigo e milho (12%).

O ministro Basterra explicou que a distribuição deixará o saldo fiscal do Governo em zero: o que for tirado dos grandes exportadores de soja "retornará ao campo". "O Estado não vai arrecadar mais, será redistribuído entre pequenos e médios produtores", insistiu Basterra. Se o plano não tem objetivos fiscais, resta acreditar que a intenção é reativar a agricultura o máximo possível. Se o campo como um todo produzir mais, o saldo final será positivo e haverá mais recursos para a recuperação da economia. Essa é a leitura do Governo. Mas a relação entre o campo e o peronismo kirchnerista já está deteriorada demais para que os históricos temores se transformem em apoio.

A Mesa de Enlace não gritou muito alto, mas, no final da reunião com Basterra, seus líderes deixaram claro que com mais impostos haverá menos produção. "É uma medida que desencoraja o produtor", disse Carlos Iannizzotto, presidente da Confederação Intercooperativa Agropecuária Limitada (Coninagro). Daniel Pelegrina, presidente da Sociedade Rural Argentina, que agrupa os grandes produtores, deixou a reunião "com um sabor amargo pela decisão do Governo". "Na reunião de hoje, ratificamos nossa convicção de que os direitos de exportação não são o caminho", afirmou. "O que pretendíamos era que as retenções sobre a soja ficassem em 30% e com segmentações para pequenos produtores", acrescentou Carlos Achetoni, presidente da Federação Agrária Argentina. Iannizzotto fez logo em seguida uma advertência: "A Mesa de Enlace está unida e as eventuais medidas de força serão definidas por acordo em cada entidade com nossas bases.”

A grande questão é se o sistema de compensações conseguirá acalmar os ânimos na bacia produtiva, onde já são emitidos os sons da guerra. Muitos grupos estão organizados por regiões, têm necessidades particulares e não respondem à liderança da Mesa de Enlace. Na província de Córdoba (centro), haverá na quinta-feira um “tractorazo” em direção à capital, onde se realiza a Expoagro, a mais importante mostra do setor do país, e no dia 11 produtores autoconvocados se encontrarão ao lado da estrada 9 em Buenos Aires, perto de onde acontece a Expoagro. Enquanto isso, os agricultores do nordeste e noroeste do país suspenderam a comercialização de grãos até novo aviso. Os produtores de Santa Fé alertaram que não plantarão milho e cultivarão menos soja.

Parece improvável que a Mesa de Enlace possa interromper esses protestos, que não respondem mais a uma liderança vertical. Os produtores de San Pedro, localizada no coração verde de Buenos Aires, explicaram em um comunicado qual é o combustível que move essas revoltas: “A reivindicação se fará sentir agora, de novo, não apenas contra um Governo cuja posição conhecemos, mas também contra aqueles que deveriam honrar o que conquistamos juntos em 2008 e que esses líderes parecem não ter vivido”. Fernández tem com o que se preocupar.

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