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“O cérebro é um músculo, precisa ser tratado”

Grandes atletas, de Phelps a Osaka, falaram publicamente de sua depressão e ansiedade na elite e reivindicam mais ajuda psicológica

A tenista japonesa Naomi Osaka, depois de ser eliminada pela russa Vondrousova, nesta quarta-feira.
A tenista japonesa Naomi Osaka, depois de ser eliminada pela russa Vondrousova, nesta quarta-feira.GIUSEPPE CACACE (AFP)
Robert Álvarez

O mundo assiste com espanto à repentina interrupção do voo de Simone Biles, a ginasta de 24 anos que estava predestinada a se tornar a rainha dos Jogos. Ela não se vê em condições de competir, de fazer o que fez tão maravilhosamente durante quase toda a vida, desde o dia em que, com seis anos, saiu em excursão e acabou no Bannon Gymnastix em Spring, Texas. Não estará na final por equipes por um problema de “saúde mental” que se espalhou como uma mancha de óleo pelo esporte de elite nos últimos tempos. Ou simplesmente agora aflora e se torna público.

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Tokyo (Japan), 27/07/2021.- Simone Biles of the USA performs on the Vault during the Women's Team final during the Artistic Gymnastics events of the Tokyo 2020 Olympic Games at the Ariake Gymnastics Centre in Tokyo, Japan, 27 July 2021. (Japón, Estados Unidos, Tokio) EFE/EPA/HOW HWEE YOUNG
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A ginasta Rebeca Andrade, que conquistou nesta quinta-feira (29) uma histórica medalha de prata em Tóquio, na final individual geral de ginástica artística, comentou sobre a ausência da norte-americana. Ela afirmou em uma entrevista à TV Globo que os atletas “não são robôs” e apoiou a necessidade dos competidores receberem apoio psicológico. “As pessoas precisam entender que o atleta não é um robô, mas um humano. Então, a decisão que ela tomou foi a coisa mais sábia que ela poderia fazer por ela, não se brinca com a cabeça”, disse a ginasta brasileira, que mencionou ter feito terapia.

As estrelas, principalmente nos Estados Unidos, divulgam suas dúvidas, seus medos, sua paralisia diante da competição e da vida. Não importa quanto ganhem ou quanta experiência tenham. Chegam à quadra, à piscina e ao ginásio e o mundo cai sobre elas.

Algo semelhante ao que pode estar se passando com Biles aconteceu com outros atletas de elite. Vários explicaram seu estado de espírito em detalhes. Um dos primeiros e mais eloquentes foi Kevin Love, um jogador de 32 anos que está na NBA há 13 anos e acumula ganhos de cerca de 150 milhões de euros (cerca de 900 milhões de reais). “Ficar deprimido é extenuante”, começa na última de suas colaborações ao The Players Tribune. “Essa é uma das ironias mais cruéis sobre a saúde mental. Quando você está em um momento sombrio, todos ao seu redor, todos os seus amigos e familiares, só querem te ver fazendo de novo o que você ama, sendo feliz, sendo ‘o velho você’. Às vezes parece que o mundo está te olhando e dizendo coisas como: ‘Vamos lá, cara, supere isso. Não pense assim. Simplesmente vá em frente’. Mas o que as pessoas de fora nem sempre entendem é que você precisa de toda a sua força de vontade apenas para continuar. Lutar contra a depressão, lutar contra a ansiedade, lutar contra qualquer transtorno de saúde mental ... é tudo incrivelmente extenuante.” Love esteve internado em um hospital por um tempo por causa de seus ataques de ansiedade. Outra figura da NBA, DeMar DeRozan, ala de 31 anos dos Spurs, também falou sobre sua realidade depressiva.

Liz Cambage, a pivô australiana de 29 anos e uma das melhores jogadoras de basquete do mundo, decidiu, só uma semana antes da estreia, que não iria competir em Tóquio. “Estou muito longe de onde quero e preciso estar”, justificou a jogadora australiana. “Não é nenhum segredo que no passado lutei com minha saúde mental e recentemente estive muito preocupada em ter que me preparar para os Jogos Olímpicos em regime de bolha. Sem família, sem amigos, sem fãs, sem sistema de apoio fora da minha equipe. É realmente assustador para mim. No mês passado tive ataques de pânico, não dormia nem comia.”

O perigo da fama, do dinheiro e do trabalho dos sonhos

Gianluigi Buffon, uma lenda mundial do futebol, campeão do mundo em 2006, hoje no Parma aos 43 anos, explicou que sofreu uma depressão aos 26 anos. “Se você viver de modo niilista, olhando apenas para o futebol, sua alma começará a mudar. No final, você estará tão deprimido que não terá mais vontade de sair da cama”, escreveu em uma carta hipoteticamente endereçada a si mesmo quando tinha 17 anos e fez sua estreia no Parma. “Em poucos dias, você receberá três coisas que são muito, muito inebriantes, mas também muito, muito perigosas: dinheiro, fama e o trabalho dos seus sonhos. Agora você provavelmente está pensando: ‘O que pode haver de perigoso nisso tudo?’ Bem, é um paradoxo”, escreve o goleiro. “Uma manhã, quando você sair da cama para ir treinar, suas pernas começarão a tremer incontrolavelmente. Você ficará tão fraco que não conseguirá dirigir um carro. No início, pensará que é apenas fadiga ou um vírus. Mas logo vai piorar. Tudo que você quer fazer é dormir. No treinamento, cada passagem parecerá um esforço titânico. Durante sete meses você terá dificuldade em encontrar alegria na vida. Sua rotina pode se tornar uma prisão. Você vai treinar. Chega em casa e assiste à TV. Vai dormir. Faz o mesmo no dia seguinte. Você ganha. Você perde. Se repete e se repete.”

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Michael Phelps, o nadador com mais medalhas de ouro, 23 na história dos Jogos Olímpicos, se aposentou após a Rio 2016. Aos 36 anos, o tubarão de Baltimore viajou a Tóquio para cumprir diversos compromissos e explicou que a pandemia agravou seus problemas de depressão. Em agosto de 2018, no 10º aniversário de sua façanha nos Jogos de Pequim, nos quais conquistou oito medalhas de ouro e bateu o recorde lendário de Mark Sptiz em Munique 72, ele revelou seus problemas. Contou que passou pela pior fase depois dos Jogos de 2012: “Eu não queria mais nada, nem sequer queria viver. Então, pensamos em suicídio. Nunca estive tão mal. Fiquei trancado durante três ou cinco dias sem comer, quase só dormindo, sem vontade de viver”.

“Não queria sair da cama”

Álex Abrines, o ala de 27 anos que compete pela seleção da Espanha em Tóquio, contou em detalhes como a depressão que sofreu o afetou e o levou a deixar o basquete profissional quando jogou pelo Oklahoma City na NBA, no início de 2019.  “Eu estava doente, vomitando. Pensei que tinha um vírus. Então, senti algo físico, como uma dor de cabeça. Aconteceu comigo algumas vezes. Não tinha febre. Mas percebi que algo estava acontecendo comigo”, relatou em um podcast da Associação de Jogadores da Euroliga. “Não tinha a paixão que tinha antes nos treinos e nos jogos. Não queria sair da cama. Falei com profissionais. Eles me ajudaram, mas não foi o suficiente. Mantinha a mesma rotina, treinando e jogando o tempo todo, e piorava a cada dia. Depois soube que não poderia melhorar se não deixasse a equipe para cuidar da minha saúde mental e sair daquela situação”. Iniesta e Paula Badosa são alguns dos outros atletas espanhóis que também disseram ter sofrido períodos de depressão.

Naomi Osaka, a tenista de 23 anos, a atleta com maior renda no mundo —34,2 milhões de euros por ano (207 milhões de reais), segundo a Forbes— e que teve o privilégio de ser escolhida para acender a pira dos Jogos de Tóquio, anunciou publicamente que sofre de episódios de depressão desde 2018 e de ansiedade social. Ela fez a declaração logo depois de abandonar Roland Garros em maio. “A verdade é que tenho sofrido longos problemas de depressão desde o US Open 2018 e estou tendo dificuldade em lidar com isso”, disse a tenista. “Todos que me conhecem sabem que sou introvertida e todos que me veem nos torneios devem ter notado que sempre uso fones de ouvido, porque isso me ajuda a lidar com minha ansiedade social.”

Abrines aconselha: “É importante compartilhar. Eu sei que é difícil, mas você precisa se abrir. Ele defende uma maior presença de psicólogos e especialistas em saúde mental nas equipes esportivas. “Se você quebra a perna ou sofre uma lesão nos ligamentos, seja o que for, é algo físico. O cérebro é um músculo e quando você está doente precisa ser tratado”.

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