Comentário homofóbico em rede social deixa Maurício Souza sem clube e sem seleção
Jogador de vôlei foi dispensado do Minas Tênis Clube após pressão dos patrocinadores por postagem no Instagram. Treinador do Brasil diz que a equipe “não tem espaço para profissionais homofóbicos”
O jogador de vôlei Maurício Souza, 33 anos, foi dispensado do Minas Tênis Clube, equipe que disputa a Superliga brasileira do esporte. A rescisão acontece duas semanas após o jogador publicar um comentário homofóbico em sua página pessoal do Instagram sobre a bissexualidade do atual Superman, anunciada pela DC Comics. A repercussão desencadeou pressão dos patrocinadores da equipe para que Souza se retratasse, mas seu pedido de desculpas não foi o suficiente para ele seguir no clube. Mais cedo, o treinador da seleção brasileira, Renan Dal Zotto, afirmou ao jornal O Globo que também não pretende mais convocar o central.
O caso começou em 12 de outubro, quando Maurício Souza publicou em seu Instagram um print da notícia “Superman atual, filho de Clark Kent, assume ser bissexual”, com a imagem do beijo gay do super-herói nos quadrinhos. Na legenda, o jogador de vôlei escreveu: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”.
A primeira reação foi de Douglas, jogador da seleção brasileira de vôlei, assumidamente gay, que se destaca como representante LGBTQIA+ no esporte. Três dias depois de Maurício, Douglas postou a mesma imagem em seu perfil pessoal, dizendo que “eu não ‘virei heterossexual’ vendo os super-heróis homens beijando mulheres… Se uma imagem como essa te preocupa, sinto muito mas eu tenho uma novidade pra sua heterossexualidade frágil”. O jogador foi apoiado nos comentários por outras figuras importantes do vôlei, como a ex-líbero Fabi Alvim, as jogadoras da seleção Gabi e Carol Gattaz e até o líbero colega de Maurício no Minas, Maique, também homossexual.
Em seguida, foi a vez da torcida organizada do clube de vôlei, a Independente Minas, soltar uma nota oficial afirmando que passaria a ignorar Maurício nos jogos do time e não comemoraria mais seus pontos. A resposta veio em outro post no Instagram de Maurício, classificando sua homofobia como “lado certo”.
A repercussão obrigou o clube a se manifestar publicamente. Em 25 de outubro, 13 dias após o post, o Minas disse em nota oficial que “todos os atletas federados à agremiação têm liberdade para se expressar livremente em suas redes sociais”. “O clube é apartidário, apolítico e preocupa-se com inclusão, diversidade e demais causas sociais. Não aceitamos manifestações homofóbicas, racistas ou qualquer manifestação que fira a lei. A agremiação salienta que as opiniões do jogador não representam as crenças da instituição sociodesportiva”, completou.
A postura do clube da alta sociedade de Belo Horizonte não agradou seus patrocinadores, em especial pela quantidade de comentários nas páginas pedindo uma posição acerca do caso. No dia seguinte, 26 de outubro, a fabricante de automóveis Fiat divulgou um comunicado repreendendo a atitude do jogador e pedindo “medidas cabíveis e necessárias no espaço mais curto de tempo possível”. A produtora de aço Gerdau endossou o pedido publicamente. São os dois principais patrocinadores do clube. No mesmo dia, Maurício Souza foi afastado do Minas.
O combinado era que o atleta precisaria se retratar para ser reintegrado ao elenco. Ele o fez, com um post às 21h desta terça (26) em sua conta no Twitter, que tinha 60 seguidores —a publicação no Instagram foi para 249.000 seguidores— em que dizia: “desculpas a todos a quem desrespeitei ou ofendi”. Pela diferença do alcance entre as plataformas, o atleta precisou voltar a se pronunciar, desta vez no Instagram, na tarde desta quarta (27). Soltou um vídeo com a legenda “ter opinião e defender o que se acredita não é ser homofóbico nem preconceituoso”. No vídeo, disse que nunca desrespeitou um colega homossexual e lamentou não poder colocar os “valores da família acima de tudo”.
Uma hora e meia depois, o jogador postou na mesma rede social que não fazia mais parte do elenco do Minas Tênis Clube. A informação foi confirmada pelas redes sociais oficiais do clube, sem mais detalhes sobre a rescisão. Poucos minutos antes, O Globo publicara uma entrevista com o treinador da seleção brasileira, Renan Dal Zotto, em que ele fechou as portas da equipe nacional para Maurício. “Em se tratando de seleção brasileira, não tem espaço para profissionais homofóbicos. Acima de tudo preciso ter um time e não posso ter este tipo de polêmica no grupo”, resumiu. De acordo com a legislação brasileira, declarações homofóbicas são consideradas crime equivalente ao racismo desde 2019, podendo gerar pena de 1 a 5 anos de prisão.
Maurício Souza chegou ao Minas em maio de 2021. Na temporada passada, atuou ao lado de Douglas no Taubaté. Ele foi campeão olímpico em 2016 e estava na equipe que terminou em quarto lugar nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Apesar do caso atual ter chamado mais a atenção, não foi a primeira vez que Souza manifesta opiniões do gênero. Só neste mês, o jogador acumula posts com críticas ao uso de pronomes neutros em novelas e comentários transfóbicos. Em outra oportunidade, chegou a escrever na mesma rede que “sou do tempo que fumar era bonito e dar a bunda era feio! Hoje fumar é feio e dar a bunda é bonito”. Maurício também é apoiador público do presidente Jair Bolsonaro, a quem costuma defender do “jornalismo esquerdista tendencioso”. A última vez que apareceu ao lado do presidente foi numa foto publicada em 24 de agosto, depois de voltar do Japão.
Nesta mesma quarta-feira, um xará de Maurício se destacou por tomar uma atitude contrária à do jogador de vôlei. O quadrinista Maurício de Sousa, 86 anos, criador da Turma da Mônica, afirmou que está desenvolvendo um personagem gay para a revista em quadrinhos mais famosa do país. “Vem vindo aí… Estou esperando um pouquinho que esteja cada vez mais aceita a posição do gay, principalmente. Eu tenho um filho que se assume (homossexual) e eu adoro”, disse ele à BBC Brasil, se referindo a Mauro Sousa, diretor de espetáculos, parques e eventos da Mauricio de Sousa Produções. A novidade pode aparecer no livro Sou um rio, sobre a defesa do meio ambiente. A data foi escolhida por ser às vesperas da COP 26, a conferência sobre mudanças climáticas que começa no domingo, em Glasgow, na Escócia.
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