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As fraternidades universitárias dos EUA e a cultura do estupro

Quase 15.000 pessoas assinaram uma petição pelo fechamento da Phi Kappa Psi, da Universidade do Kansas, após um caso de violência sexual em setembro. A pressão social cerca os grêmios estudantis suspeitos de acobertar abusos

Protesto em frente à fraternidade Phi Gamma Delta, em Iowa City, acusada de promover atividades de abuso sexual.
Protesto em frente à fraternidade Phi Gamma Delta, em Iowa City, acusada de promover atividades de abuso sexual.Daniel McGregor-Huyer (The Daily Iowan)
Ana Vidal Egea

O ano acadêmico norte-americano começou com força. No país que deu início ao movimento MeToo, ainda há muito por fazer. Para demolir um sistema baseado no abuso de poder, era necessário mirar as elites, e as fraternidades universitárias (clubes famosos por suas lendárias festas regadas a álcool, drogas e sexo) se tornaram o próximo alvo.

Mais de 14.700 pessoas já assinaram uma petição para fechar a fraternidade Phi Kappa Psi, da Universidade do Kansas, e mais de 1.000 se manifestaram exigindo justiça após o mais recente caso de estupro envolvendo esse grêmio estudantil, em 11 de setembro. A fraternidade Phi Gamma Delta (conhecida como Fiji), da Universidade de Nebraska-Lincoln, foi suspensa temporariamente com um histórico de 13 estupros denunciados, aos quais se somariam outros casos invisibilizados. Muitas vítimas não sabem com certeza que foram estupradas porque não conseguem se lembrar. É frequente que sejam drogadas com Rohypnol, conhecido como roofie, ou a droga dos estupradores, porque é incolor e inodora e passa facilmente despercebida em qualquer bebida. (Javier Gutiérrez fala sobre isso em Um bom rapaz; editora Versus, 2014.) Em muitos casos, se tanto o agressor como a estudante beberam álcool, o estupro é desconsiderado.

Em setembro de 2020, uma aluna da Universidade de Iowa denunciou que tinha sido drogada e estuprada durante uma festa da fraternidade Fiji. Os agressores gravaram um vídeo que compartilharam depois em um chat coletivo. Apesar das provas audiovisuais e de DNA, o caso não chegou aos tribunais, e os acusados continuaram impunes. Um ano depois, os estudantes de Iowa saíram à rua exigindo justiça, e mais de 474.000 pessoas aderiram ao abaixo-assinado exigindo o fechamento permanente dessa fraternidade em todo o país. “Assino porque abusaram sexualmente da minha melhor amiga e ninguém fez nada”, declara alguém de forma anônima. Também se podem ler vários depoimentos de mulheres estupradas nesses ambientes.

Há atualmente 305 processos abertos, sendo as renomadas Cornell, Princeton e Stanford as universidades com maior índice de denúncias por violência sexual. Os escândalos das fraternidades são acobertados porque a educação é um dos negócios mais rentáveis dos EUA. Estudar uma boa faculdade pode custar entre 40.000 e 78.000 dólares (de 215.000 a 420.000 reais) por ano, e é comum que alguns casais abram uma conta de poupança para a educação universitária do futuro filho assim que a mulher engravida. Nenhuma universidade quer se arriscar a manchar sua honra reconhecendo que os filhos de famílias de classe alta se transformam em criminosos dentro do seu campus. Por outro lado, com o pagamento dessas quantias astronômicas, muitas famílias contam com o acordo tácito da “discrição”. As fraternidades são berço de elites: segundo a The Atlantic, 85% dos membros da Suprema Corte e 69% dos presidentes dos EUA foram membros de algum desses clubes.

Entretanto, a pressão social é cada vez mais forte. O filme Bela Vingança (2020), indicado a cinco Oscars e ganhador de um pelo roteiro de Emerald Fennell, foi um grande alto-falante dessas denúncias. Nele, Carey Mulligan encarna a protagonista, uma jovem que entrega sua vida em troca de que se faça justiça. Na vida real, as vítimas também começam a falar: Chanel Miller publicou um livro contando sua experiência, e Emma Sulkowicz exibiu o colchão onde supostamente foi estuprada na Universidade Colúmbia. Batizou a performance de Carregue este peso.

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