Morar em 27 metros quadrados, a nova tendência que cabe na realidade de São Paulo
Número de unidades pequenas vendidas na cidade triplicou entre 2017 e 2021. Urbanista diz que esse tipo de empreendimento não atende as principais necessidades habitacionais da capital
Pedro Lemes, de 27 anos, vê de uma vez só sua cozinha, sala e quarto ao abrir a porta de seu apartamento. À esquerda há uma pia com uma despensa embaixo, ao lado de um frigobar com um forno elétrico em cima. À direita, uma cadeira, um sofá de dois lugares, uma cômoda de cinco gavetas e uma arara de roupas. À frente da porta fica a cama e, em seguida, uma modesta varanda. Um banheiro, o único cômodo separado do restante, completa os 27 metros quadrados do imóvel onde ele vive, uma das unidades do prédio Bk30, inaugurado no final de 2018 no Largo do Arouche, região central de São Paulo.
Das 153 unidades do edifício recém-construído, 141 medem até 51 metros quadrados —outras 12 são duplex, que chegam a 140 metros quadrados. As metragens tornam o Bk30 parte de uma tendência que explodiu na maior cidade da América Latina nos últimos anos: a dos apartamentos pequenos. Segundo dados do Sindicato de Habitação de São Paulo (Secovi-SP), 37.500 das quase 50.000 unidades lançadas no município entre janeiro e setembro de 2021 tem no máximo 45 metros quadrados. Isso representa 7 em cada 10 imóveis construídos. Neste mesmo período, 38.000 unidades até esta metragem foram vendidas. No ano em que Pedro se mudou para o seu prédio, em 2019, foram comercializados cerca de 32.000 apartamentos deste tamanho, quase o triplo em comparação com dois anos antes (12.000 em 2017). Uma diferença enorme para os imóveis da década de 70, cujas plantas tinham em média 100 metros quadrados.
Pedro comprou o imóvel quando ele estava na fase de acabamento. Deu uma entrada de 60.000 reais e fez um financiamento com parcelas mensais de 795 reais. O valor é muito menor do que o de um aluguel na região —no próprio prédio em que ele mora, alugar um apartamento de metragem parecida custa 2.300 reais. Por isso, a dívida, que chegará a 320.000 reais ao final dos 30 anos de financiamento, compensará, afirma ele.
“Meus pais moram na zona leste e eu trabalho na zona norte. Depois que me formei, comecei a juntar dinheiro para sair da casa deles e morar num local que seja no meio do caminho entre as duas regiões. Por isso fui procurar no centro”, diz. Formado em artes plásticas, Pedro dá aula numa escola municipal no bairro da Brasilândia. “Escolhi um lugar pequeno porque não quero ter muitas coisas. Casas muito grandes me estressam, tem que limpar, fazer manutenção. Aqui eu deixo tudo brilhando em duas horas. Por isso acho ótimo e não quero me mudar tão cedo”, argumenta.
O artista plástico e professor também faz parte do público-alvo para este tipo de empreendimento. “Quem compra para morar são esses jovens estabelecidos, solteiros, que podem morar em lugares pequenos, com condições de fazer financiamentos”, afirma Wilson Rascovit, vice-presidente Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH). “A procura que temos é de pessoas solteiras ou casais novos, com uma renda não tão alta, que querem morar nos centros por ser mais perto do trabalho”, acrescenta Luciana Tomas, dona de um escritório de arquitetura na zona sul de São Paulo.
Luciana presta serviço para moradores que querem reformar seus apartamentos e para incorporadoras imobiliárias, que articulam todo o processo de construção de um empreendimento —inclusive contratando arquitetos para planejar as unidades. Em ambos os casos, a profissional relata aumento na demanda para apartamentos pequenos. “É um nicho que passou a crescer muito desde 2018. Todas as incorporadoras para quem trabalhamos estão com projetos desse tipo”, pontua a arquiteta.
Em São Paulo, o crescimento desses imóveis tem relação direta com o Plano Diretor. Esta é a legislação urbana criada pela gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), aprovada em 2014 e que, em vários pontos, incentiva a construção de unidades menores. Ele exige, nos principais eixos de urbanização da cidade, um número mínimo de apartamentos por edifício, o que faz com que as construtoras diminuam o tamanho dos imóveis para ofertar mais unidades, o que compensa mais financeiramente. Também criou a outorga onerosa, uma taxa cobrada pela Prefeitura de quem constrói um imóvel com área maior do que a área de construção permitida em regiões centrais. Portanto, estimula assim empreendimentos com metragem quadrada menor, para se evitar o pagamento da outorga.
“Isso é ruim para a cidade, porque o perfil de quem compra ou aluga esses imóveis é de solteiros ou casais jovens de classe média. Essas pessoas não estão no nosso quadro de necessidades habitacionais de São Paulo”, comenta Paula Freire Santoro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP) e coordenadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade). “A imensa maioria de quem precisa de um lugar para viver na cidade ganha até três salários mínimos e mora com os filhos. Logo, não conseguem entrar nos financiamentos imobiliários e não cabem nesses apartamentos pequenos”, justifica.
Santoro conta que observou ao longo dos anos uma redução na metragem média dos apartamentos lançados em São Paulo, mas acompanhada pela manutenção do preço médio por unidade. “Isso significa que o metro quadrado ficou mais caro, sobretudo nas regiões mais centrais. Então reforça um modelo habitacional que não é inclusivo, porque torna mais cara a região onde há mais oferta de trabalho”, pontua a urbanista. “Quem precisa de moradia está indo morar mais longe do trabalho, o contrário do modelo que deveríamos propor. Aí lota o transporte público e piora o trânsito. Por isso, esse boom do mercado imobiliário aumentou o preço nas áreas bem servidas, não aliviou o transporte coletivo e nem deu conta dos problemas habitacionais. É uma equação péssima para a cidade”, explica.
Além disso, Paula Santoro chama a atenção para uma possível consequência futura que preocupa a especialista: apartamentos vazios sem o preço reduzido, mesmo com a oferta maior do que a demanda. “Pode acontecer porque estamos vendo um processo no mercado imobiliário onde os apartamentos viraram negócios de aluguel. Muitos são construídos como investimentos que precisam ser rentáveis, não estarem cheios”, explica ela. “Se um investidor, dono de várias unidades, consegue ter lucro com metade delas ocupadas, ele não vai abaixar o preço da outra metade. Vai deixá-las vazias. É uma lógica financeirizada, que aproveita mal a cidade e prejudica quem precisa de um lugar para morar”, conclui.
O pequeno home office na pandemia
A pandemia de covid-19 fez as pessoas repensarem a relação com o espaço onde vivem, especialmente pela necessidade do home office. Isso aumenta os desafios para quem precisa arquitetar uma quitinete. “Precisamos encontrar soluções práticas no ambiente. Uma mesa que é um aparador, que dá para comer e trabalhar. Um sofá que vira uma cama. Ou uma cama retrátil que fica fixada na parede. Começamos a pensar mais em ambientes multifuncionais”, explica Luciana Tomas.
Uma cama-baú, que permite que se armazene pertences, e camisas penduradas na parede, no lugar de quadros, foram algumas das soluções criativas encontradas por Pedro para habitar seus 27 metros quadrados. “É um tétris. Tudo encaixou e não sai mais do lugar”, brinca ele, que planejou o local sem a ajuda de um profissional. Durante as fases mais restritas da pandemia, fez a diferença para o artista plástico a possibilidade de trabalhar em um ateliê, a duas quadras de sua casa, num local de 120 metros quadrados onde dividia o aluguel com mais oito pessoas.
Mas mesmo no prédio onde vive, Lemes tem outras alternativas fora do seu apartamento. O empreendimento tem área social, academia, piscina e até lavanderia, já que não cabe uma máquina de lavar roupas nas unidades. “A pegadinha é que essas áreas compartilhadas fazem os preços dos serviços do condomínio ficarem muito caros. É positivo incentivar o compartilhamento do espaço público e de funções de cuidado, como a lavanderia. Mas com o preço inflando a mensalidade, só torna a moradia menos acessível”, comenta Paula Santoro. Pedro afirma que, fora a parcela de 795 reais, gasta mais 390 no condomínio, um valor que inclui melhorias, segurança, água e luz.
Do ponto de vista arquitetônico, Luciana considera importante dizer que planejar um apartamento menor não significa cobrar um preço menor. É outra questão que encarece a nova tendência paulistana. “Eu não posso usar a mesma tabela de preço por metro quadrado para todos os projetos”, confessa a arquiteta. “Quando o local é pequeno, aumentamos os honorários para poder compensar o trabalho”, admite.
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