FMI descarta disparada inflacionária durante a recuperação pós-pandemia

Preços se manterão em níveis manejáveis para os bancos centrais, que não precisarão retirar os estímulos monetários antes do previsto

Consumidores numa feira livre de Paris, em agosto do ano passado.Charles Platiau (Reuters)

O Fundo Monetário Internacional (FMI) irrompe em um dos grandes debates econômicos da atualidade: a recuperação pós-pandemia virá acompanhada de uma espiral inflacionária? Os técnicos do organismo com sede em Washington acreditam que há poucos motivos para um alarme que há dias vem ecoando nos mercados financeiros. E, sem a perspectiva de um aumento desmedido dos preços, os bancos centrais têm caminho livre para manter suas políticas fiscais expansivas e os juros abaixo de zero. É uma boa notícia ...

O Fundo Monetário Internacional (FMI) irrompe em um dos grandes debates econômicos da atualidade: a recuperação pós-pandemia virá acompanhada de uma espiral inflacionária? Os técnicos do organismo com sede em Washington acreditam que há poucos motivos para um alarme que há dias vem ecoando nos mercados financeiros. E, sem a perspectiva de um aumento desmedido dos preços, os bancos centrais têm caminho livre para manter suas políticas fiscais expansivas e os juros abaixo de zero. É uma boa notícia para a cada vez mais nutrida lista de devedores da economia mundial e, muito especialmente, para governos que nos últimos tempos precisaram escancarar os cofres públicos para conter a maior crise econômica desde a II Guerra Mundial. Os Estados, enfim, podem respirar tranquilos —e principalmente aqueles que continuarão tendo de recorrer ao mercado financeiro para financiar seu abundante déficit fiscal.

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Diante do gigantesco plano de estímulo anunciado há poucos dias pelo presidente norte-americano, Joe Biden, setores mais heterodoxos —e não só eles— reagiram com o temor de que um reaquecimento excessivo da economia poderia tirar a inflação do prumo. Mas o Fundo nega a premissa básica: nos Estados Unidos, afirmam seus técnicos, o aumento dos preços ficará em torno de 2% nos próximos cinco anos, que é a meta do Fed (banco central), e passará muito pouco de um pico de 2,5% em 2023, uma cifra mais que factível para uma autoridade monetária que, no ano passado, anunciou que não se importará com índices ligeiramente acima da meta, desde que venham acompanhados de crescimento e geração de emprego. O banco central da maior economia mundial já declarou que não elevará os juros antes de meados de 2023, no mínimo. À luz dos dados, não parece que terá motivos para quebrar sua promessa e antecipar qualquer alta.

No outro lado do Atlântico, o Fundo vê a situação ainda mais controlada nos próximos tempos. Na Alemanha, o maior crescimento dos preços acontecerá em 2021, mas superará em apenas 0,2 ponto percentual a meta do Banco Central Europeu (BCE), também de 2%, embora um pouco menos tolerante com aumentos que saiam do roteiro. Na França, na Itália e na Espanha, os países que completam o quarteto de maiores economias da zona do euro, o aumento dos preços ficará amplamente abaixo de 2% até 2026, sempre segundo as projeções trimestrais do FMI.

“Pela mesma razão que a inflação não caiu em grande medida durante a crise financeira global, agora é improvável que suba muito. O preço das matérias-primas, sobretudo o petróleo, se fortalecerá nos próximos meses e, dado os níveis mínimos de um ano atrás, deveria elevar mecanicamente os índices e fazer que a inflação se torne volátil”, explicam os economistas do organismo em sua nova revisão da economia mundial. “Mas essa volatilidade deveria ter uma vida curta. As projeções de base apontam para um retorno da inflação à sua média de longo prazo à medida que o efeito das matérias-primas desapareça.”

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Essa perspectiva de inflação moderada tem a ver, em grande parte, com a dinâmica do mercado de trabalho, “onde o crescimento salarial é moderado e a debilidade do poder de negociação dos trabalhadores se agravou recentemente por causa do desemprego alto, do subemprego e das menores taxas de participação”. Além disso, o FMI recorda que a famosa curva de Phillips – que estabelece uma relação direta entre inflação e nível de emprego – “se achatou nos últimos anos, refletindo vários fatores como a globalização, a automatização e o poder das empresas nos mercados de trabalho”. Em outras palavras: mesmo que países como os EUA consigam a façanha retornar rapidamente a níveis de pleno emprego, isso não se traduzirá em um aumento desmedido dos preços.

Os técnicos do Fundo alicerçam sua tranquilidade em várias medidas da inflação subjacente (um indicador que não leva em conta nem os alimentos nem a energia, de longe os componentes mais voláteis), que “permanecem em níveis baixos”, e apontam para uma pressão “de baixa e não de alta”.

Um horizonte mais livre para os emergentes

A contenção do risco de uma ascensão repentina dos preços é especialmente positiva para os países emergentes, que nas últimas semanas —quando os tambores inflacionários voltaram a rufar com uma força inédita em mais de uma década— viram uma freada em seco nos movimentos de retorno dos capitais ao bloco. “Supondo que a inflação não subirá de maneira consistente acima das metas [dos bancos centrais], uma resolução mais rápida da pandemia nas economias avançadas pode conduzir a importantes entradas de recursos nos mercados emergentes”, salientam os técnicos do Fundo. Nesse cenário, além disso, estes países “poderiam mobilizar uma ampla gama de políticas destinadas a frear a acumulação de riscos domésticos”.

Mas mesmo se os prognósticos de inflação não se cumprirem, resultando em altas mais agressivas dos preços que obriguem o Fed e o BCE a subirem os juros, o Fundo tampouco acredita que o quebra-cabeça para os emergentes seria maiúsculo. Segundo os dados reunidos pelo organismo, as altas de juros decorrentes de um aumento “surpresa” da inflação tendem a elevar o custo da dívida nos países ricos, “mas não parecem ter um impacto sobre as condições financeiras dos emergentes”.

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