Uma das grandes fortunas ocultas do mundo evapora em poucos dias
Meia dúzia de bancos e fundos de investimentos perdem bilhões depois de respaldar obscuros investimentos na Archegos
De sua posição privilegiada no centro de Manhattan, a poucos passos do Central Park, Bill Hwang construiu silenciosamente uma das maiores fortunas do mundo. Nem mesmo Wall Street prestou atenção nele, até que de repente todos o notaram. A liquidação forçada de mais de 20 bilhões de dólares (120 bilhões de reais) em ações vinculadas à firma de investimentos Archegos disparou os alertas sobre os opacos instrumentos financeiros que seu diretor Bill Hwang utilizava para investir maciçamente em empresas e que acabaram por arrastar fundos de investimento, bancos e multinacionais. E tudo aconteceu em questão de dias.
“Eu nunca tinha visto nada do tipo. O modo silencioso, concentrado e rápido como o dinheiro desapareceu”, diz Mike Novogratz, um ex-sócio da Goldman Sachs que opera no mercado desde 1994. “Deve ser uma das maiores perdas de riqueza pessoal da história.”
Sua extraordinária acumulação de riqueza deu uma guinada no início da semana passada, quando as ações da ViacomCBS, um dos ativos que impulsionaram o magnata em 2020, despencaram 9%. Outras ações em que Hwang tinha posições expressivas também caíram e, ao final da quinta-feira, o valor de sua carteira perdeu 27%, mais do que o suficiente para acabar com o patrimônio do investidor, que, segundo fontes do mercado, estava alavancado de seis a oito vezes.
Grande parte da dívida de Hwang era com grandes bancos, como o Nomura e o Credit Suisse, por meio de derivativos financeiros, como swaps (trocas financeiras) e CFDs (contrato por diferença), o que significa que a Archegos pode nunca ter possuído a maior parte dos títulos subjacentes, se é que chegou a ter algum.
Embora os investidores que detenham uma participação maior que 5% em uma empresa listada nos Estados Unidos de modo geral precisem revelar suas participações e transações subsequentes, esse não é o caso das posições tomadas por meio do tipo de derivativos aparentemente usados pela Archegos. Os produtos negociados fora das bolsas permitem que gestores como Hwang acumulem ações em empresas sem ter que declará-las.
Grande parte das operações da Hwang permanecem obscuras, mas fontes do setor estimam que seus ativos aumentaram de 5 bilhões de dólares para 10 bilhões de dólares (de 29 bilhões de reais para 58 bilhões de reais) nos últimos anos e que as posições totais podem ter ultrapassado 50 bilhões de dólares. A cascata de perdas na Bolsa ecoou de Nova York a Zurique, passando por Tóquio, deixando inúmeras perguntas sem resposta, incluindo a mais importante: como alguém pôde assumir riscos tão grandes, facilitados por tantos bancos, sob o nariz de órgãos reguladores em todo o mundo?
Parte da resposta é que Hwang criou a Archegos como um family office, empresa que administra exclusivamente uma fortuna e não precisa se registrar no órgão regulador dos EUA, a SEC. Portanto, não é obrigada a divulgar o nome de seus proprietários e executivos ou o volume que gerencia. A partir daí, o empresário usou derivativos para acumular grandes participações em empresas sem precisar revelá-las. Ao mesmo tempo, foi acolhido como cliente por bancos de prestígio, apesar de seu histórico de uso de informações privilegiadas e das tentativas de manipular o mercado chinês que o expeliram do negócio de fundos de hedge há uma década.
“Isso volta a levantar questões sobre a regulamentação das family offices”, observa Tyler Gellasch, um ex-conselheiro da SEC. “Por que deveríamos nos importar? Porque podem ter um impacto significativo no mercado.”
O rápido desmantelamento da Archegos teve repercussões em todo o mundo, depois que bancos como o Goldman Sachs e o Morgan Stanley forçaram a empresa de Hwang a vender bilhões de dólares em investimentos na forma de apostas altamente alavancadas. A venda levou o Nomura e o Credit Suisse a divulgar que enfrentam perdas potencialmente significativas por sua exposição, que afundou os dois bancos em 20% na Bolsa desde sexta-feira.
O motivo da queda em dominó de bancos e fundos, que arrastou a Goldman Sachs, o Morgan Stanley, a Wells Fargo e o UBS, são os fundos emprestados que os investidores usam para amplificar suas apostas: a chamada de margem (margin call) ocorre quando o mercado vai contra uma posição grande e alavancada, forçando o fundo de hedge a depositar mais dinheiro em cash para cobrir quaisquer perdas. A Archegos provavelmente só teve que depositar uma pequena porcentagem do valor total das operações.
A sucessão de eventos desencadeada por esse desfecho maciço é mais um lembrete do papel que os fundos de hedge desempenham nos mercados mundiais de capitais. No início deste ano, uma negociação a descoberto de fundos de hedge durante um frenesi alimentado pelo Reddit, na Gamestop e outras ações, causou uma perda de 6 bilhões de dólares para o fundo Melvin Capital e provocou críticas de reguladores e políticos norte-americanos.
A ideia de que uma empresa pode, silenciosamente, acumular posições descomunais por meio do uso de derivativos, como no caso da Archegos, poderia desencadear outra onda de críticas contra empresas pouco regulamentadas que têm o poder de desestabilizar os mercados.
Embora os ajustes de margens de sexta-feira tenham causado perdas de até 40% em algumas ações, não houve sinais de contágio nos mercados na segunda-feira. É um contraste com 2008, quando o então homem mais rico da Irlanda usou derivativos para construir uma posição tão grande no Anglo Irish Bank que desencadeou o resgate internacional do país.
CFDs e swaps estão entre os derivativos que os investidores negociam de forma privada ou no mercado de balcão, em vez de fazer isso por meio de bolsas públicas. Essa opacidade contribuiu para exacerbar a crise financeira de 2008 e, desde então, os órgãos reguladores introduziram um amplo conjunto de regras que limitam esses ativos.
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