Bolsonaro indica general para Petrobras e põe mercado em alerta por temor de intervenção

Decisão acontece após críticas do presidente à política de preços da estatal. “O povo não pode ser surpreendido com certos reajustes”, disse presidente. Ações da empresa despencaram quase 8%

O general Joaquim Silva e Luna foi indicado por Bolsonaro para ser o novo presidente da Petrobras.Marcelo Camargo (Agência Brasil)

Após dias de críticas à Petrobras por causa da política de preços dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na noite desta sexta-feira que irá indicar o general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa e atual diretor-geral da hidrelétrica Itaipu Binacional, para substituir Roberto Castello Branco no comando da estatal. A decisão, que precisa ser chancelada pelo conselho de administração empresa, reforça a presença militar em cargos-chave da administração brasileira e aumenta o temor de agentes do mercado financeiro de que o presidente deseje intervir na estatal para segurar a alta do diesel e acalmar a categoria dos caminhoneiros, uma estratégica aliada do Planalto que ameaçou entrar em greve semanas atrás.

Bolsonaro, que se elegeu prometendo se converter aos preceitos liberais de não intervenção nas estatais, vem dando declarações contraditórias sobre a Petrobras. Na tarde desta sexta-feira, o presidente reafirmou em Pernambuco que haveria mudanças na Petrobras, mas que o Governo “não interferiria” na petroleira. “Teremos mudança sim. Jamais vamos interferir nesta grande empresa e na sua política de preços, mas o povo não pode ser surpreendido com certos reajustes”, afirmou. Bolsonaro cobrou ainda transparência de todos aqueles que ele teve a responsabilidade de indicar, já mandando um recado claro ao presidente da estatal, Roberto Castello Branco. Na noite de quinta-feira, o mandatário chegou a dizer que “obviamente” teria consequência a declaração de Castello Branco de que a ameaça de greve de caminhoneiros não era problema da Petrobras.

Agora, todos os holofotes se voltam para o novo presidente da Petrobras. Ex-ministro da Defesa, o general da reserva Silva e Luna, de 71 anos, é doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e atualmente é diretor-geral da Itaipu Binacional. O conselho de administração da Petrobras ainda precisa aprovar seu nome, podendo também barrá-lo. O Governo, porém, tem maioria no colegiado de 11 membros. Indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, Castello Branco foi nomeado no fim de 2018 para um mandato de dois anos em 20 de março de 2019. Na próxima segunda-feira, dia 23 de fevereiro, já estava marcada uma reunião do conselho de administração para deliberar, entre outros assuntos, a recondução do atual presidente da estatal, para mais um mandato de até dois anos.

A reação de analistas e agentes do mercado financeiro foi imediata. “A Petrobras entra em uma posição complicada. Não vale a pena investir em ações da empresa até ter uma clareza maior em relação a como seria uma gestão do general Silva Luna e até que ponto o Governo seguirá intervindo”, escreveu Thiago de Aragão, da consultoria de risco político Arko Advice. “Não é exagero dizer que o presidente deu um perigoso passo fora da agenda que o sustenta no poder abrindo espaço para especulações sobre suas convicções liberais de fato”, afirmou o economista-chefe da corretora Necton, André Perfeito.

Redução de impostos

A decisão de troca de comando ocorre um dia após o presidente, irritado com os novo aumento dos combustíveis, atualmente vinculado à variação dos preços internacionais, criticar a Petrobras em uma transmissão ao vivo nas redes sociais e informar que, a partir de 1º de março, o imposto federal sobre o diesel será zerado por dois meses. O temor de uma interferência política na estatal repercutiu no mercado financeiro e fez as ações da Petrobras despencarem quase 8% nesta sexta-feira.

“O mercado entendeu como muito negativa essa fala por conta de um sinal de que é sempre muito ruim em termos de governança das empresas. Em um passado recente, a grande crítica que havia sobre as estatais era essa interferência política, mas que foi melhorando após a mudança de algumas regras”, afirma Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV. Para Sampaio, as declarações de Bolsonaro trazem à tona essa sensação de interferência e ingerência, como aconteceu no Governo ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), quando a política de preços na Petrobras não flutuava de acordo com os preços internacionais. “É claramente um aceno político a categoria dos caminhoneiros [grupo que tem apoiado o presidente], mas que pesa muito no mercado”, completa.

Mesmo antes da troca de comando na estatal, as declarações de Bolsonaro renovavam “preocupações que já existiam sobre a autonomia da estatal”, disse à Reuters Thayná Vieira, economista da Toro Investimentos. “Bolsonaro já havia falado que não interferiria na Petrobras, mas seus comentários geraram incerteza”, disse. A corretora XP também avalia que as falas do presidente repercutem negativamente “tendo em vista a maior percepção de riscos para autonomia da estatal e de sua política de combustíveis”.

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O anúncio da redução do tributo do diesel nas refinarias por 60 dias também está no radar dos investidores e não foi vista com bons olhos entre os agentes de mercado, já que a medida causará impacto bilionário nas contas do Governo. O presidente não deu detalhes de qual seria a estimativa de perda de arrecadação e tampouco como ela será compensada nas contas públicas, que estão no vermelho há mais de seis anos.

Reajuste “fora da curva”

Enquanto isso, o cenário internacional seguia pressionando a estatal. Nesta quinta-feira, a estatal anunciou dois novos reajustes nos preços da gasolina e do diesel, que aumentarão 10,2% e 15,1%, respectivamente, a partir desta sexta-feira. É o quarto reajuste da gasolina e o terceiro do diesel em 2021. Só neste ano, o preço da gasolina vendida pela Petrobras acumula alta de 34,7%. O diesel subiu 27,7% no mesmo período.

Bolsonaro considerou que o último reajuste de preço da Petrobras foi “fora da curva” e busca uma solução para atender principalmente ao interesse dos caminhoneiros. “Teve um aumento, no meu entender, aqui, eu vou criticar, um aumento fora da curva da Petrobras: 10% hoje na gasolina e 15% no diesel. É o quarto reajuste do ano. A bronca vem sempre para cima de mim, só que a Petrobras tem autonomia”, afirmou na quinta.

Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro falou em alterar os preços dos combustíveis e reduzir tributos do diesel. Sem margem de manobra para atender as reivindicações dos caminhoneiros, que chegaram a chamar uma paralisação no início do mês, o presidente saiu pela tangente e anunciou um projeto de lei para que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual que incide sobre os combustíveis, seja pago nas refinarias e não nos postos de gasolina (onde o valor é mais caro) ou tenha um valor fixo.

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