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Piketty: “A política monetária pode ser parte da solução, mas não toda”

Economista francês aponta a desigualdade resultante das receitas ultraexpansivas dos bancos centrais e prega impostos sobre os mais ricos para pagar a fatura do coronavírus

Thomas Piketty, em uma livraria de Madri em 2016.
Thomas Piketty, em uma livraria de Madri em 2016.LUIS SEVILLANO
Ignacio Fariza
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A waitress wearing a protective mask cleans a table, after a judge barred Catalan authorities from enforcing a stricter lockdown to residents in the city of Lleida, to control the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, in Lleida, Spain, July 13, 2020. REUTERS/Nacho Doce
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Os bancos centrais saíram ao resgate na pandemia do novo coronavírus: boa parte da nova dívida soberana emitida pelos países ricos se transferiu quase automaticamente para as contas de órgãos emissores que, com suas ações ―muito mais decididas que na crise anterior―, ofereceram um potente balão de oxigênio. O movimento foi aplaudido pela maioria das instituições internacionais e de análise, mas algumas autoridades começam a levantar a voz. “Há uma crença crescente de que o problema da dívida pública derivada da covid-19 será resolvido se ampliarmos cada vez mais o balanço dos bancos centrais”, observou nesta sexta-feira o economista Thomas Piketty, uma eminência em assuntos de desigualdade desde que publicou O Capital no Século XXI (Intrínseca, 2014), em uma conversa virtual organizada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A política monetária pode ser parte da solução, mas não a solução em si mesma. Em algum momento devemos pensar em quem vai pagar essa dívida.”

Boa parte da crítica de Piketty a uma política monetária que fez praticamente todos os limites voarem pelos ares tem a ver com a desigualdade que, segundo seus dados, ela gera. “Estamos resolvendo um problema e criando outro ao mesmo tempo. Também de desigualdade: estes programas estão contribuindo para ela, elevando o preço das ações e ativos financeiros. Essa é parte da explicação de por que o número de milionários cresceu de maneira incrível nos últimos anos: são pessoas que puderam ter acesso a dividendos mais altos”, salientou, em referência às políticas monetárias expansivas adotadas depois da crise financeira de 2008 e 2009, e que –de forma ampliada – voltaram a ser a resposta à recessão provocada pela pandemia. “Toda a informação da qual dispomos vai nessa direção.”

Como alternativa em médio prazo, o economista francês defende outra opção: fazer que as camadas mais ricas da sociedade paguem mais, tanto na Europa como nos Estados Unidos. “Há exemplos de situações similares na história que foram resolvidas por outra via: depois da Segunda Guerra Mundial, a dívida pública de países como França, Alemanha, Japão e outros disparou a níveis altíssimos, em alguns casos acima de 200% [do PIB]. E a forma de resolvê-la, particularmente na Alemanha e no Japão, foi taxando os mais ricos.”

Em sua palestra no fórum organizado pelo think tank com sede em Paris, que reúne as economias mais avançadas do mundo, o professor da Escola de Economia de Paris e codiretor do Laboratório da Desigualdade Mundial pediu ação, e não só palavras, para melhorar a distribuição de renda. “Agora parece que todos estamos de acordo em que a desigualdade é um grande problema e queremos mudar isto, mas vamos fazer algo ou só continuar falando?”. Também no que se refere à qualidade dos dados: “Não é só que, em muitos casos, não demos passos adiante; é que, por exemplo, no que se refere à transparência estamos recuando: em países como França, Alemanha e Suécia temos hoje menos informação sobre a distribuição de renda e redistribuição por via fiscal do que tínhamos há 10 anos”, critica Piketty. “A supressão dos impostos sobre as heranças e sobre a riqueza em alguns países também levou à supressão das fontes de dados que trazem consigo.”

A Nobel de Economia 2019 Esther Duflo, no ano passado, no MIT.
A Nobel de Economia 2019 Esther Duflo, no ano passado, no MIT. Adam Glanzman

Duflo: pobreza e valorização do Estado

Desigualdade e pobreza quase sempre andam de mãos dadas, e a Grande Reclusão – termo que o FMI cunhou para batizar esta recessão de proporções ainda dificilmente imagináveis – está golpeando simultaneamente em ambas as variáveis. Nas economias desenvolvidas, os mais afetados desta vez são quem desempenha trabalhos que exigem contato direto com o público, geralmente menos qualificados e remunerados. Nos países pobres, a crise está atingindo em cheio as camadas com menos recursos, e até o final do ano o número de pessoas na pobreza extrema pode chegar a 150 milhões, segundo dados publicados nesta semana pelo Banco Mundial.

“Não devemos nos limitar a tomar isto como uma fatalidade e ficar tristes: devemos fazer algo. E os países da OCDE têm uma grande responsabilidade na hora de evitar que isto ocorra”, salientou na mesma conversa Esther Duflo, Nobel de Economia de 2019. “Os EUA e a Europa fizeram o certo ao mobilizar importantes quantias em dinheiro para apoiar seus cidadãos mais vulneráveis. Mas não [apoiaram] o resto.” Em plena onda de insatisfação contra muitos Governos e instituições, a professora do MIT vê na crise sanitária “uma oportunidade” de valorizar o bem comum: “[A pandemia] está nos recordando por que precisamos do Estado; por que é parte da solução e não do problema: só um Governo pode decretar um confinamento, tornar a máscara obrigatória ou adotar um pacote fiscal de choque”.

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