Empatia ou pragmatismo, o dilema de empresas entre o respeito a vidas e a retomada da economia

Restrições a atividades econômicas durante a crise do coronavírus podem levar a prejuízo de mais de 320 bilhões. Fenafisco propõe choque de tributação nas altas rendas e grandes patrimônios

Comércio fechado na rua 25 de Março durante a quarentena.Rovena Rosa (Agência Brasil)
São Paulo -

Com o avanço de ações mais duras para frear a disseminação do coronavírus no Brasil, alguns empresários começam a se manifestar de maneira incisiva contra as medidas de quarentena e de isolamento social adotadas por algumas cidades e Estados do país. O grupo critica o fechamento do comércio e a paralisia da atividade, defendendo que o dano à economia brasileira será muito maior do que o causado na saúde pública, e parte dele, inclusive, chegou a minimizar as perdas humanas provocadas pela doença. Muitos incentivam carreatas com o lema, insuflado pelo Governo, O Brasil não pode parar. Esses empresários ganharam ainda mais respaldo após o próprio presidente Jair Bolsonaro se pronunciar em rede nacional na última terça-feira para criticar o fechamento de locais comerciais e escolas, culpar a imprensa pelo que classifica de clima de “histeria” e pedir que a população volte à normalidade para que os empregos sejam mantidos.

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O empresário Junior Durski, dono da rede de hamburguerias Madero, foi um dos primeiros a adotar essa postura ao postar um vídeo nas redes sociais reclamando sobre as limitações de trabalho impostas aos restaurantes. Na visão do empresário, o país não poderia parar por conta de “5.000 pessoas ou 7.000 pessoas que vão morrer”. “As consequências que nós vamos ter economicamente, no futuro, serão muito maiores do que as pessoas que vão morrer agora com coronavírus” afirmou. Após forte repercussão do vídeo, com consumidores prometendo boicote à rede Madero, Durski se retratou e pediu desculpas caso tenha sido “mal interpretado”, mas insistiu que as medidas de contenção do vírus não podem ser desproporcionais.

Na mesma linha, se manifestou, em um vídeo, Alexandre Guerra um dos sócios do restaurante Giraffas."Você que é funcionário, que talvez esteja em casa numa boa, numa tranquilidade, curtindo um pouco esse home office, esse descanso forçado, você já se deu conta de que, ao invés de estar com medo de pegar esse vírus, você deveria também estar com medo de perder o emprego?", disse. O vídeo gerou forte repercussão negativa e desagradou também a Carlos Guerra, pai dele e CEO do grupo, que tirou Alexandre da função.

Apesar de uma ala empresarial querer defender com unhas e dentes a volta das atividades para sua própria sobrevivência e para que o tombo da economia não seja tão grande deixando de lado as recomendações das autoridades sanitárias, outro grupo grande da iniciativa privada tenta apresentar iniciativas para diminuir a curva de disseminação da Covid-19 no país e ajudar os infectados.

A Ambev, por exemplo, anunciou que irá usar as linhas de produção em Piraí (RJ) para produzir 500 mil unidades de álcool em gel, que serão doados em hospitais públicos em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, cidades que despontam como grandes focos do coronavírus. Os primeiros lotes já começam a ser distribuídos nesta semana. A cervejaria, juntamente com a Gerdau, a Prefeitura de São Paulo e o Hospital Einstein, também vai construir 100 leitos hospitalares para o Sistema Único de Saúde (SUS). O novo centro de tratamento será anexo ao Hospital M’Boi Mirim, na zona sul de São Paulo, e terá seus primeiros 40 leitos entregues em 20 dias. Já a JBS, maior empresa de carnes do mundo, começou a produzir 2 milhões de sabonetes para distribuir em lares de idosos e em favelas do Rio e São Paulo.

O Itaú, o maior banco privado do país, anunciou que irá doar 150 milhões de reais para infraestrutura hospitalar, compra de equipamentos, cestas de alimentação e kits de higiene para ajudar comunidades mais vulneráveis na contenção da doença e no tratamento dos paciente. A Marfrig Global Foods, maior produtora global de hambúrgueres, doou 7,5 milhões de reais para o Ministério da Saúde, para a compra de testes rápidos para diagnosticar o Covid-19. A mineradora Vale, que paga um custo alto de imagem pela tragédia de Brumadinho e Mariana, também fechou a compra de 5 milhões de kits de testes rápidos para o coronavírus para ajudar o Governo brasileiro no combate à disseminação da doença. Eles ainda precisam ser avaliados para ver se são compatíveis com o Brasil. Já o Burguer King Brasil se comprometeu a doar parte da receita líquida adquirida entre 16 e 31 de março ao SUS. Por ora, são anúncios que embutem uma mensagem de solidariedade, e a efetividade dessas ações vai se medir conforme cresçam as necessidades.

Ainda assim, a crise do coronavírus tem um efeito prático que já começou a ser sentido, com demissões anunciadas, principalmente em pequenas empresas. Mas, se não houver consenso de como conjugar o respeito pelas mortes que começam a crescer – são 77 nesta sexta — e a retomada da economia, haverá cortes em massa. Um estudo encomendado pela Confederação Nacional de Serviços (CNS) apontou que os efeitos da pandemia do coronavírus e de restrições ao funcionamento de diversas atividades econômicas podem levar a um prejuízo de mais de 320 bilhões à economia brasileira e fazer com que 6,5 milhões de trabalhadores percam seus empregos. O próprio presidente da CNS, Luigi Nese, disse em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo que números não devem ser usados para fazer alarde ou para serem contrapostos a estratégias para conter o avanço da doença e sim para um debate que nos leve a uma solução pós-crise.

Qual será a contribuição da elite?

O debate cresce, ainda, sobre quem vai financiar essa conta extra para a saúde diante da crise. A base da pirâmide ou a elite da sociedade brasileira. O assunto cresceu depois da proposta colocada em pauta, e depois retirada, pelo governo de suspender o salário de trabalhadores por quatro meses. A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) quer estimular essa discussão e projetou o que significaria a contribuição da elite brasileira em um dos países mais desiguais do mundo com um sistema tributário regressivo. Segundo a federação, ao tributar altas rendas, seria possível arrecadar mais de 272 bilhões de reais. Em carta aberta publicada nesta semana, a entidade propõe um conjunto de medidas tributárias que incidiram sobre os mais ricos voltadas para ampliar a capacidade financeira do Estado.

Uma delas seria a criação de uma Contribuição Social sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSPF), com incidência imediata sobre rendimentos de qualquer natureza que ultrapassem a 80 mil reais por mês. Segundo a Fenafisco, com uma alíquota de 20%, esta contribuição tem capacidade de produzir aproximadamente 72 bilhões de reais de arrecadação por ano, e incide apenas sobre 194.268 contribuintes.

Outra frente consiste na criação de uma alíquota adicional extraordinária de 30%, com vigência temporária, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as instituições financeiras. O texto lembra que o setor registrou nos últimos anos recordes de lucros apurados, apesar da crise econômica. Somente em 2019, o lucro total dos bancos chegou próximo de 120 bilhões de reais.

Outra proposta sugerida é a modificação da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) para incluir as alíquotas de 35% e 40% que incidirão sobre rendimentos superiores ao equivalente a 60 e 80 salários mínimos, respectivamente e uma alíquota marginal, temporária, de 60% sobre rendimentos superiores a 300 salários mínimos mensais (0,09% dos contribuintes). Considerando os dados da Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física de 2017, estas modificações são capazes de elevar a arrecadação deste tributo em aproximadamente 120 bilhões no contexto de normalização da atividade econômica.

Para o presidente da Fenafisco, Charles Alcântara, a federação aponta onde hoje há dinheiro para socorrer o país no momento. “Chamamos esse pacote de medidas de choque de tributação nas altas rendas e grandes patrimônios. Esse momento gravíssimo é de salvar a população para que o máximo de pessoas não morram por esse vírus. E para isso precisamos de recursos para os Estados que vão perder muito dinheiro por conta da retração da atividade econômica”, defende. Na avaliação de Alcântara, é necessário dinheiro novo, já que até agora as medidas do Governo se concentram em antecipações de pagamentos e adiamentos de impostos.

“Estamos tentando um diálogo com os Governadores porque consideramos que eles estão na vanguarda desse combate, assumindo essa batalha e tomando decisões importantes. Eles precisam socorro agora e depois, por isso também propomos um fundo emergencial para os Estados”, completa Alcântara.

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