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McDonald’s desafia o Império Romano

O gigante do ‘fast food’ recorre da proibição de abrir um grande restaurante em uma área arqueológica de 35.000 metros quadrados ao lado das Termas de Caracalla, na capital italiana

Daniel Verdú
As termas de Caracalla, em Roma.
As termas de Caracalla, em Roma.Frank Bienewald (LightRocket via Getty Images)

O negócio era perfeito. Vender hambúrgueres, anéis de cebola e batatas fritas com vista para um dos sítios arqueológicos mais extraordinários do mundo. O McDonald’s, que sempre teve um encaixe difícil no centro milenar de Roma —sua inauguração em uma esquina do Vaticano em 2017 causou uma grande polêmica— desta vez mirou um terreno de 35.000 metros quadrados na área das Termas de Caracalla, um imponente complexo de banhos públicos construído entre os anos 212 e 217. O plano, que previa o investimento de 1,3 milhões de euros (cerca de 8,2 milhões de reais) na construção do templo da comida, foi rejeitado pela Câmara Municipal e pelo Tribunal de Recurso da região. Mas o McDonalds, como disse o La Repubblica nesta terça-feira, está de volta à briga e apelou ao Conselho de Estado, que deve decidir antes do Natal.

O McDonald’s ainda guarda na ciumenta cultura gastronômica local o estigma de uma hedionda anomalia decorrente da rapidez e da baixa qualidade. Em 1986, a abertura do primeiro McDonald’s na Itália na Escadaria Espanhola (Roma) também causou um grande escândalo social e político. Houve até artistas que ergueram a velha bandeira do protesto para se opor ao que consideravam um atentado aos bons costumes da faca e do garfo. Aconteceu com todo mundo. A Starbucks, por exemplo, tentou suavizar seu pouso perto da Catedral de Milão em 2017, dando à cidade algumas palmeiras, mas dias depois elas foram queimadas. Além da ofensa, por considerarem que os norte-americanos estavam tentando ensiná-los a preparar café, alguns se sentiram comparados macacos com aquelas árvores. Neste caso, como o Ministério da Cultura sublinhou no parecer de 2019, tratava-se de proteção do bem cultural, conforme alegado pela Câmara Municipal na primeira decisão que proferiu.

Restaurante do McDonald's na Praça da Espanha, em Roma.
Restaurante do McDonald's na Praça da Espanha, em Roma.

Polo turístico

Caracalla é um dos maiores e mais bem preservados exemplos de banhos romanos que existem no mundo. Localizadas quase no início da Via Appia —uma área de enorme densidade arqueológica— foram inauguradas na época do imperador Caracalla e se tornaram as instalações mais luxuosas do gênero em Roma. Tinham uma piscina olímpica, livrarias e refeitórios. 5.000 romanos passavam por ali todos os dias, atendendo aos moradores das regiões I, II e XII agostinianas (uma enorme área entre as colinas de Célio, Aventino e o Circo Massimo) e seu tamanho só foi superado pelos banhos termais de Diocleciano, construídos alguns anos depois. As fontes termais também são um centro turístico fabuloso, que atrai centenas de milhares de pessoas todos os anos para uma área um tanto desalmada, com quase nenhum serviço ou lugar para comer ou tomar uma bebida depois de uma longa caminhada pelas ruínas do antigo Império Romano.

O projeto, que consistia basicamente em um McDrive (local onde os hambúrgueres podem ser retirados do carro) com uma parte das mesas do lado de fora, foi objeto de uma questão parlamentar. E também de uma forte intervenção do Ministério da Cultura e Bens Culturais em 2019, que o rejeitou por, entre outras coisas, estar localizado em terras inscritas na lista do patrimônio mundial da Unesco e em um inventário de áreas protegidas por um plano territorial. “Um lugar único no mundo”, de acordo com a sentença do tribunal de segunda instância. O então ministro da Cultura, Alberto Bonisoli, sublinhou com a proibição que o patrimônio cultural italiano “merece ser bem tratado, com dignidade, com cuidado e respeito”. E a então prefeita, Virginia Raggi (Movimento 5 Estrelas), garantiu que “as maravilhas de Roma devem ser protegidas”. Mas os parceiros do McDonald’s, proprietários de um viveiro que abrirá mão de parte de suas terras, continuam a lutar e a defender a oportunidade de uma instalação que acreditam não prejudicar o meio ambiente ou o patrimônio cultural.

A realidade é que a área onde o McDonald’s pretendia construir a nova infraestrutura, a poucos passos da casa do ator Alberto Sordi —ninguém retratou como ele a relação conflituosa entre os italianos e a cultura norte-americana em An american in Rome—, está um tanto degradada. Como em tantos lugares de Roma, a falta de cuidado estético nos jardins e os problemas com o lixo ficam evidentes quando se caminha. O projeto, além de prometer empregos para 50 pessoas, inclui uma área de recreação para crianças e a reabilitação da rua Antoniana. Os defensores do novo McDonald’s —também estão na imprensa— consideram que seria uma oportunidade para, como tantas vezes, uma empresa privada cuidar do que a Câmara Municipal não faz há anos.

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