A elegância perdida de ‘Friends’
Nos anos após a transmissão da série, a esfera pública se tornou mais afetada, mais exibicionista e muito mais cafona
Você abre a Netflix, e lá está. Na HBO, a mesma coisa. E na Amazon Prime, o algoritmo te pergunta, sempre que você procura outra coisa: tem certeza de que não quer vê-la? E você, que é muito sensível, cai. O que pode acontecer se vejo um capitulozinho? Ele que venha, se é somente para dar uma mordida, não quero comê-lo inteiro. E assim, como o comilão que acaba devorando a caixa inteira de biscoitos, já é de manhã.
Eu tive uma recaída, e é muito grave, porque vi Friends não menos de cinco vezes. Nas noites mais terríveis de minha vida, os colocava de fundo e me faziam esquecer da desolação que me cercava. Por isso terei eterna gratidão, por essa forma de elegância que não sabia definir e cujo ponto essencial descobri outra noite dessas.
Via o primeiro capítulo da oitava temporada, e no final uma mensagem sóbria em letras brancas sobre fundo negro, sem música, o dedicava às pessoas de Nova York. Nada mais. Era o primeiro episódio após o 11 de Setembro de 2001. Só haviam se passado 16 dias, e uma das séries que faziam da cidade um símbolo limitava suas homenagens a esses segundos. Pode ser que fosse uma elegância própria do estilo de Friends, mas acho que tem a ver com a época. Hoje ninguém se contentaria com tão pouca pirotecnia. A explosão sentimental seria barroquíssima, se buscaria o pranto, as personagens atravessariam a cena dando golpes no peito, existiriam abraços e lamentos.
Nesses quase 20 anos, a esfera pública se tornou muito mais afetada, muito mais exibicionista e muito mais cafona. Por isso, quando a tristeza formiga meu peito, continuo recorrendo a uma comédia que conserva uma austeridade emocional que hoje não encontro em quase nada.
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