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Cientistas simulam início de gravidez usando embrião artificial

Pseudoembriões com células-tronco humanas podem abrir nova era de domínio das técnicas para gerar um bebê ou provocar aborto sem efeitos colaterais

Pseudoembriones
Um dos pseudoembriões com células-tronco humanas.N. R.
Nuño Domínguez

Cientistas europeus criaram um embrião artificial a partir de células-tronco humanas, reproduzindo em laboratório de forma inédita um momento crucial no desenvolvimento humano: quando o embrião toca pela primeira vez o útero da mãe e começa a arrumar espaço para dar lugar a um bebê.

Esse primeiro contato se chama implantação, e até agora foi pouco estudado, o que implica uma enorme barreira para entender por que os humanos são tão pouco efetivos na hora de se reproduzirem, como diz o biólogo Nicolas Rivron, autor principal deste estudo. Rivron, pesquisador do Instituto de Biotecnologia Molecular da Áustria, observa que só metade dos óvulos fecundados por um espermatozoide acabam vingando e dando origem a uma nova pessoa. Da outra metade, muitas gestações se frustram justamente durante a implantação. O que decide que um embrião se aninhe feliz no útero da mãe, e que outro aparentemente igual desapareça para sempre? Ninguém sabe.

A equipe de Rivron concebeu uma forma de simular o que acontece no ventre de uma mãe usando células-tronco cultivadas em laboratório. Em um estudo publicado em 2 de dezembro na revista científica Nature, os cientistas explicam como, fazendo três modificações moleculares, as células-tronco se reprogramam e começam a formar esferas muito similares a um embrião com cerca de sete dias de idade, também conhecido como blastocisto. Neste ponto o embrião é uma bola com menos de um milímetro de diâmetro e 200 células, mas já contém toda a informação genética necessária para gerar um ser humano.

O próximo passo foi juntar estes pseudoembriões com células de endométrio, o tecido que recobre o útero. Os resultados foram “espetaculares”, comemora Rivron. Se os cientistas não faziam nada, nada acontecia, mas se acrescentavam estrogênio e progesterona, hormônios que as grávidas segregam, os pseudoembriões grudavam nas células do útero simulando a ansiada implantação.

“Estes experimentos nos mostram que podemos recriar em uma placa de cultivo no laboratório o primeiro contato entre um embrião e a mãe”, explicou Rivron em uma entrevista coletiva para divulgar seu estudo. A equipe analisou a expressão genética de seus pseudoembriões célula a célula, e esta coincide em 97% com a dos zigotos humanos reais. Outra semelhança: apenas 50% dos embriões artificiais se implantam, uma taxa igual à dos humanos.

Este trabalho abre as porta para que em alguns anos se controle muito melhor a capacidade de produzir gestações ou interrompê-las. “A taxa de sucesso na fecundação in vitro é de 25% aproximadamente. Há muita margem para melhora”, aponta Rivron. Uma forma de aperfeiçoar estas técnicas seria analisar a implantação com estes modelos de embrião. Por outro lado, o investigador recorda que em todo mundo se produzem milhares de gestações indesejadas e muito problemáticas entre mulheres muito jovens. “A maioria dos anticoncepcionais atuais se baseia em hormônios, que servem para impedir a formação de um embrião ou sua implantação. Estes tratamentos têm muitos efeitos secundários, e nem todas as mulheres podem usá-los –por exemplo estão proscritos para as que sofrem câncer de mama de origem hormonal”, detalha.

O estudo demonstra que uma molécula já conhecida, chamada SC144, impede que os pseudoembriões grudem nas células de endométrio, o que aponta que talvez possa funcionar como anticoncepcional.

Os cientistas só permitiram que seus embriões artificiais vivessem 13 dias. Fizeram isso em parte porque em muitos países europeus as leis impedem o cultivo de embriões humanos além dos 14 dias. A razão é que se considera que a partir desse dia é impossível que o embrião gere gêmeos, por isso se supõe que é justamente com duas semanas que um futuro indivíduo aparece. Nenhuma lei impede cultivar embriões artificiais além desta linha vermelha. Mas Rivron argumenta que, passados os 13 dias, algo muda. O crescimento dos zigotos de laboratório começa a ser mais desordenado e diferente do de embriões normais. É algo que também acontece com os embriões humanos reais cultivados em laboratório e, novamente, ninguém sabe por quê.

Esta investigação abre também possibilidades delirantes, como implantar um destes embriões artificiais no útero de um animal ou inclusive de uma mulher e tentar que nasça um bebê. Rivron ressalta que “nunca” isso deveria ocorrer, e acrescenta que provavelmente não daria certo. Sua equipe vem há anos tentando implantar um pseudoembrião de camundongo no útero de uma rata. Em nenhuma ocasião conseguiram gerar ratos recém-nascidos. “Com toda probabilidade” tampouco funcionaria em humanos, ressalta.

“Este é um estudo importante”, ressalta Alfonso Martínez-Árias, pesquisador da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona. “Estes são os primeiros modelos embrionários realmente confiáveis. E isto é importante porque permite diminuir e possivelmente evitar o uso de blastocistos humanos derivados das clínicas de fecundação in vitro para entender o desenvolvimento humano precoce e suas patologias sem muitas ataduras éticas; embora a posição ética destes blastoides seja algo que se deva discutir”, ressalta.

No ano passado, Martínez-Árias criou outro modelo de embrião que emula os primeiros compassos da gastrulação, um fenômeno que começa quando o embrião tem 14 dias e que inicia o processo de formação do plano geral do corpo humano. Até a aparição destes modelos, a implantação e a gastrulação humana foram caixas-pretas quase impossíveis de investigar e entender, destaca.

“Este estudo melhora a técnica de criação de pseudoembriões muito mais semelhantes com embriões reais e mostra também que eles simulam a implantação, ou seja, mostram como as células conversam entre si”, diz Marta Shahbazi, que investiga o desenvolvimento humano na Universidade de Cambridge.

O estudo também aponta caminhos alucinantes, como gerar miniúteros a partir das células de uma paciente que tem problemas para ter filhos, implantar neles um pseudoembrião e averiguar onde está o problema. Existe a teoria de que o útero rejeite embriões que não são perfeitos.

Este momento institucional da vida humana é uma violenta batalha. O embrião racha a parede do útero e escava um buraco bem profundo para se implantar. Precisa se camuflar com sinais bioquímicos para que o sistema imunológico da mãe não o aniquile como o ser estranho que é. “De todos os abortos que acontecem, apenas 10% são reconhecidos clinicamente com uma imagem e a constatação de que há um coração que deixou de bater. O resto são perdas que acontecem alguns dias antes. É o iceberg da perda embrionária. A mulher muitas vezes nem sequer sabe que está grávida. O óvulo fecundado está lá, e três dias depois sumiu. Por quê? Não sabemos”, conclui Shahbazi.

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