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Coágulo na jugular de astronauta obriga NASA a improvisar tratamento em órbita

Primeiro trombo detectado no espaço, para o qual não havia tratamento adequado, reabre debate sobre os riscos físicos das futuras viagens espaciais

O astronauta da NASA Tom Marshburn faz uma exploração do pescoço do canadense Chris Hadfield na ISS.
O astronauta da NASA Tom Marshburn faz uma exploração do pescoço do canadense Chris Hadfield na ISS.NASA
Javier Salas

Não sabemos a data exata, mas a NASA viveu recentemente outro momento “Houston, temos um problema”. O susto aconteceu durante uma experiência de rotina na Estação Espacial Internacional (ISS na sigla em inglês), das centenas que são feitas na nave para estudar os efeitos da falta de gravidade. Ao escanear o pescoço de um dos tripulantes foi encontrado um coágulo na sua jugular. As perigosas consequências desse diagnóstico obrigaram a improvisar decisões médicas devido à falta de tratamentos a bordo. Esse trombo, o primeiro detectado em um astronauta fora da Terra, mostra que nas viagens espaciais ainda existem riscos desconhecidos para a saúde. Um fator importante a ser levado em conta agora que voltou a crescer o interesse em voos tripulados para a Lua, em um futuro próximo, e para Marte.

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“Essas novas descobertas mostram que o corpo humano ainda nos surpreende no espaço”, diz Serena Auñón-Chancellor, que além de astronauta da NASA é especialista em medicina espacial, uma especialidade sobre a qual já publicou vários estudos científicos. “Ainda não aprendemos tudo sobre medicina aeroespacial e fisiologia espacial”, acrescenta Auñón, que assina um estudo com três colegas, publicado no prestigioso New England Journal of Medicine, no qual divulgaram os detalhes da afecção e do tratamento, mas mantendo sigilo sobre a pessoa da tripulação que sofreu essa complicação.

O astronauta afetado estava na ISS havia dois meses quando a máquina de ultrassom que estudava a saúde vascular dos tripulantes detectou o trombo na veia jugular. Esse quadro pode ter complicações potencialmente mortais, como sepse sistêmica e embolia pulmonar, razão pela qual era urgente agir embora o paciente estivesse em órbita, coordenando várias agências espaciais para “superar numerosos desafios logísticos e operacionais”. A nave tinha anticoagulantes, mas apenas 20 doses injetáveis e seringas limitadas, e novos suprimentos só chegariam depois de 40 dias. Além disso, a bordo não havia antídotos para seus efeitos, de modo que uma hemorragia poderia ser fatal ao astronauta. Nessa situação, os médicos da NASA decidiram procurar um especialista em trombos fora da agência espacial, o doutor Stephan Moll, da Universidade da Carolina do Norte, que estabeleceu um plano para racionar as doses até a chegada dos suprimentos.

“Minha primeira reação quando a NASA entrou em contato comigo foi perguntar se eu poderia visitar a ISS para examinar o paciente. Eles não podiam me levar ao espaço suficientemente rápido, então continuei com o processo de avaliação e tratamento a partir daqui”, brinca Moll. Durante os meses que durou o tratamento em órbita, Moll e o astronauta se comunicaram quase com a naturalidade de um paciente e um médico em circunstâncias normais. “Quando o astronauta ligou para o meu telefone de casa, minha esposa atendeu e me passou o fone dizendo: ‘Stephan, uma ligação telefônica do espaço’. Isso foi bastante surpreendente”, conta Moll em um comunicado de sua universidade. E lembra: “Ele só queria falar comigo como se fosse mais um dos meus pacientes. E, surpreendentemente, a conexão da ligação era melhor do que quando falo com minha família na Alemanha, apesar de a ISS sobrevoar a Terra a 28.000 quilômetros por hora”.

"A pergunta mais importante que fica é como lidaríamos com isso em uma missão de exploração em Marte? Como nos prepararíamos em termos médicos?
Astronauta Auñón

O astronauta injetou as doses recomendadas por Moll durante quarenta dias, enquanto acompanhava a evolução de seu trombo com as indicações de dois radiologistas da NASA a partir da Terra. Foi quando os suprimentos chegaram, com um anticoagulante mais apropriado que é tomado em comprimidos. O trombo foi apresentando remissão como se esperava, mas o paciente espacial só parou de tomar a medicação quatro dias antes de voltar para casa, devido ao perigo de uma hemorragia na aterrissagem. No total, ele passou cerca de seis meses em órbita, quatro deles com o coágulo diagnosticado, para o qual não era população de risco em nenhum dos fatores possíveis. Os exames em terra revelaram um pequeno trombo residual 24 horas após a aterrissagem, que desapareceu completamente dez dias depois. Seis meses depois de retornar à Terra, o astronauta continuava sem sintomas. “Se não fosse pelo estudo [que detectou o coágulo]”, afirmam na Universidade da Carolina do Norte, “não saberíamos quais teriam sido as consequências”.

A astronauta e médica Serena Auñón-Chancellor.
A astronauta e médica Serena Auñón-Chancellor.NASA

“A pergunta mais importante que fica é como lidaríamos com isso em uma missão de exploração em Marte? Como nos prepararíamos em termos médicos? Mais pesquisas devem ser feitas para entender melhor a formação de coágulos nesse ambiente e as possíveis contramedidas”, diz a astronauta Auñón em um comunicado divulgado pela Universidade Estadual de Louisiana, na qual faz pesquisas.

Auñón também publicou em dezembro o estudo sobre a saúde vascular de onze astronautas no qual o trombo foi descoberto. Nesse trabalho, publicado pelo JAMA, foi descoberto que em microgravidade os membros da tripulação estavam expostos a uma congestão venosa cerebral constante com potencial de estagnar o fluxo sanguíneo. “A vigilância ativa dos astronautas e os modelos experimentais são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e manejo do tromboembolismo venoso na ausência de gravidade, especialmente nos planos futuros de viagens espaciais prolongadas à Lua e Marte”, afirma o estudo.

O artigo publicado pelo JAMA destaca que os seres humanos voam para o espaço há mais de cinquenta anos e, no entanto, esta é a primeira descoberta de uma trombose durante um voo espacial. “É plausível que tenham se formado trombos não detectados previamente durante as missões de voos espaciais humanos, embora sem resultados clínicos negativos atribuídos às sequelas de trombos até esta data”, dizem os autores. Esse possível risco se junta a outros já conhecidos, como a intensa radiação, entre os perigos que os viajantes espaciais enfrentarão no futuro.

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