Alemanha detecta perigoso aumento do extremismo de direita durante a pandemia
Ministro do Interior constata que os ultradireitistas se serviram dos movimentos de protesto contra as restrições para recuperar protagonismo e lançar seus slogans
A extrema direita alemã se tornou mais radical e violenta durante a pandemia de coronavírus, disse na terça-feira o ministro do Interior, Horst Seehofer. Os serviços secretos detectaram mais pessoas com atitudes de extrema direita, muitas das quais constituem “um perigo” porque são ou podem ser violentas. “Estamos em situação de alarme”, disse o ministro durante a apresentação do relatório sobre 2020 do Escritório Federal de Proteção à Constituição (BfV), nome oficial da agência de inteligência policial alemã.
A pandemia, com as restrições às liberdades individuais que trouxe, ajudou a dar asas aos grupos de extrema direita na Alemanha, observou Seehofer. O relatório constata que o número de extremistas de direita aumentou 3,8%, chegando ao redor de 33.000 pessoas. Destas, os serviços secretos estimam que cerca de 13.300 são potencialmente violentas. O relatório as define como “violentas, dispostas a usar a violência, partidárias da violência ou defensoras da violência”. “É um problema grave”, afirmou o ministro.
Seehofer alertou em maio que a extrema direita se tornou a principal ameaça à segurança na Alemanha. Um relatório do Escritório Federal da Polícia Criminal (BKA na sigla em alemão) concluiu que em 2020 foram cometidos 9% mais crimes por razões políticas do que no ano anterior. Quase metade é atribuída à extrema direita. Foram registrados 44.692 crimes por motivos políticos, o maior número desde que existem estatísticas. A Alemanha viu nos últimos anos vários atentados sangrentos realizados por radicais de direita. O mais recente aconteceu em fevereiro de 2020, quando nove pessoas foram assassinadas por um ultradireitista em Hanau. Em 2019, um neonazista matou a tiros o político Walter Lübcke por sua defesa da política de refugiados. Meses depois, outro ultradireitista tentou entrar armado na sinagoga de Halle e, não conseguindo, matou duas pessoas que passavam pela rua.
O relatório do Escritório Federal de Proteção à Constituição mostra agora que, apesar do cancelamento de muitas concentrações importantes do entorno da extrema direita no ano passado, estes extremistas conseguiram se infiltrar entre os cidadãos que protestavam contra as restrições impostas pela luta contra o coronavírus. “Temos de estar especialmente preocupados porque os cidadãos que se manifestavam não se distinguiam claramente dos extremistas de direita”, alertou Seehofer durante uma entrevista coletiva em Berlim. “Os extremistas de direita puderam protestar em repetidas ocasiões ao lado deles e assim criar imagens poderosas e, lamentavelmente, com demasiada frequência, colocam seu selo no protesto, embora na realidade fossem uma minoria”, acrescentou.
O BfV decidiu colocar o movimento conhecido como Querdenker (pensadores laterais ou alternativos) sob vigilância no final de abril ao considerar alguns de seus membros perigosos porque questionam a legitimidade do Estado. Os Querdenker protagonizaram protestos com várias dezenas de milhares de pessoas, tanto em Berlim quanto em outras cidades. Acusam o Governo de Angela Merkel de suprimir os direitos fundamentais com a desculpa de uma pandemia na qual muitos não acreditam. Entre aqueles que se manifestam nesses encontros estão negacionistas da covid-19, antivacinas, esotéricos e pessoas que acreditam e espalham todo tipo de boato sobre máscaras ou sobre os efeitos da imunização. Também partidários da ultradireita, que segundo o relatório do BfV, aproveitaram esse mal-estar de uma parte –minoritária– dos cidadãos para lançar seus slogans e tentar capitalizar o protesto.
Entre os extremistas de direita que os serviços secretos têm em seu radar também estão os chamados cidadãos do Reich (Reichsbürger), um grupo de cerca de 1.000 pessoas que não reconhecem a legitimidade da República Federal nem suas estruturas democráticas e se consideram continuadores do império alemão. Esse grupo também aproveitou os protestos contra as medidas do Governo de Merkel para difundir suas conspirações e ganhar popularidade, disseram Seehofer e o presidente do BfV, Thomas Haldenwang. Essa maior visibilidade rendeu-lhes 5% de novos membros. Suspeita-se que muitos deles estão armados.
Terrorismo islamista e extremistas de esquerda
O relatório dedica um capítulo ao que chama de nova direita, que considera em parte extremista e qualifica de “fenômeno perigoso”. Define-a como uma “rede informal de grupos, indivíduos e organizações” na qual forças de extrema direita e conservadores de direita trabalham juntos “para implementar posições antiliberais e antidemocráticas na sociedade e na política usando diferentes estratégias”. Para Haldenwang, são um “caldo de cultivo” do extremismo porque proporcionam-lhe “justificação ideológica”, como a resistência a um suposto “repovoamento” da Alemanha.
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Clique aquiO terrorismo islamista continua sendo uma das maiores ameaças aos cidadãos e ao Estado de Direito alemão, enfatizou o ministro durante a coletiva. Seehofer também se referiu aos extremistas de esquerda, mencionando que os crimes violentos cometidos por esses grupos aumentaram 34% no ano passado. Agem de forma cada vez mais agressiva e desinibida, diz o relatório. Os serviços secretos detectaram que são eles que publicam com maior frequência os dados pessoais de adversários políticos para intimidá-los.
O relatório também chama a atenção para o perigo representado pela espionagem e pelas campanhas de desinformação estrangeiras. Os serviços secretos observaram atividades ilegítimas por parte de serviços de inteligência estrangeiros destinadas a coletar dados e informações e se infiltrar em grupos da oposição.
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