
Um sertão transformado
17 fotosUma mudança cultural tomou o semiárido brasileiro. Se antes a lógica era enfrentar a seca, agora é conviver com o clima. Os moradores dessa terra árida, sem rios perenes, se reinventam e experimentam novas soluções. Ainda existem problemas, mas com criatividade vão conquistando um sonho básico no sertão: o de permanecer
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“Veio a peste, mas neste ano Deus mandou a chuva para encher a cisterna”
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1O semiárido brasileiro não tem rios perenes e apresenta o menor percentual de água preservada do país: apenas 3%. A água da chuva, com médias entre 400 e 800 milímetros anuais, é a principal fonte de abastecimento da região. A mudança climática é um dos fatores que têm influenciado em secas prolongadas nos últimos anos. As chuvas do inverno, no início do ano, até seguram algumas plantações, mas não têm sido suficientes para encher os açudes. Fernanda Siebra -
2As cisternas mudaram a paisagem do sertão. Construídas do lado ou na frente das casas, as estruturas de concreto brancas são imponentes. Elas são a principal esperança de ter água no verão seco para famílias que vivem na zona rural do semiárido, em regiões afastadas da cidade e sem encanamento. Fernanda Siebra -
3Quando o programa Cisternas evoluiu e passou a oferecer às famílias reservatórios de água para produzir, houve uma revolução no semiárido. Elas passaram a se dedicar aos quintais produtivos, pequenos cultivos de legumes e hortaliças no terreno de casa. Geralmente, as sementes são plantadas em estruturas elevadas de madeira ou concreto. As famílias se alimentam do que nasce ali, mas também vendem o excedente em feiras orgânicas. Vivem o milagre de colher mesmo nos meses de seca. Fernanda Siebra -
4Antônia Marta da Silva nasceu num sertão onde se plantava pra comer e quase não tinha dinheiro. Ela vive com o marido na zona rural de Quixadá, no sertão central do Ceará. Com o conteúdo da cisterna de segunda água, ela consegue produzir para comer e faz uma renda extra vendendo os produtos nas feiras agroecológicas. "Dizem que aqui a terra não presta né? Mas olha a riqueza que é quando você tem um pouco de água", diz. Fernanda Siebra -
5Entidades da sociedade civil têm prestado apoio às famílias que receberam as cisternas. Atuam para agregar valor ao que elas cultivam no quintal de casa e organizam feiras agroecológicas para dar vazão a essa produção. Fernanda Siebra -
6As próprias famílias passaram a desenvolver seus sistemas de irrigação, com canos e mangueiras que adaptaram para os canteiros de legumes e verduras. Aprenderam, por exemplo, a aguar o que plantam duas vezes por dia e a usar os próprios galhos da vegetação da caatinga nos canteiros para retardar a evaporação dessa água. Fernanda Siebra -
7Maria Alci Pereira dos Santos, de 48 anos, está o tempo todo fazendo conta. A estratégia dela para conviver no semiárido é observar regularmente a quantidade de água na cisterna para calcular quantos canteiros de produção pode sustentar, especialmente no período da estiagem. E investe o que ganha na criação de galinhas. Lucra com a venda das aves e dos ovos. Tudo na lógica do sistema agroecológico, de que o fluxo de insumos e produtos sejam autossustentáveis. Fernanda Siebra -
8A paisagem de galhos ressequidos e carcaças de animais ainda existe no semiárido, mas não o define. Beatriz Jucá -
9O pequeno agricultor do semiárido plantava pra comer. A mudança cultural para conviver com a estiagem os levou a plantar também para os animais. Espécies com pouca necessidade de água, como a palma, hoje são cultivadas para alimentar os bichos. Fernanda Siebra -
10É preciso conhecer o semiárido para encontrar soluções adequadas para conviver nesta região, que tem as menores médias de precipitação do país e grande potencial de evaporação. Com a escassez de água, as famílias foram desenvolvendo estratégias também na pecuária. A tradição de criação de gado foi substituída pela de caprinos, animais de porte menor. Fernanda Siebra -
11Faz parte da cultura do semiárido o estoque de grãos. A região tem apenas duas estações bem definidas, inverno e verão. Nos primeiros meses do ano, época das chuvas, os agricultores familiares plantam produtos como milho, feijão e arroz para estocar pro inverno. Na esteira da evolução da convivência no semiárido, eles se organizaram e criaram as Casas de Sementes, armazéns coletivos para que não faltem grãos para a plantação na época do inverno. Fernanda Siebra -
12Luiza Martins da Silva, de 73 anos, cresceu plantando, apanhando algodão e quebrando milho. Ganhou a cisterna de água de beber em 2013. Mas com a seca prolongada dos últimos sete anos, o que aparou nas chuvas deste ano foi insuficiente. Precisa tirar cerca de 100 reais da aposentadoria que recebe, já engolida por empréstimos, para comprar água do pipa. "O que machuca a gente é essa falta d'água", diz. Os governos federal e estaduais têm planos emergenciais para suprir o abastecimento, mas agricultores reclamam que não são atendidos. Fernanda Siebra -
13A água da chuva para a cisterna de primeira água (aquela usada para beber e cozinhar) é captada pelo telhado da casa. Uma calha direciona a água até o recipiente de concreto, cuja tecnologia retarda o tempo de evaporação. As cisternas de primeira água armazenam 16.000 litros e custam, em média, 3.000 reais. Fernanda Siebra -
14O que é armazenado nas chamadas cisternas de segunda água é utilizado para a produção agrícola. São reservatórios maiores, com capacidade para 56.000 litros, e têm um custo maior: cerca de 15.000 reais. Fernanda Siebra -
15No semiárido brasileiro, 797 mil famílias ainda esperam ter acesso à cisterna de segunda água, para a produção agrícola, segundo dados da Associação do Semiárido Brasileiro (ASA). O Governo Federal diz que quem já tem a cisterna de primeira água, tem direito ao reservatório para a produção. Mas não apresenta metas para atender essa demanda. Fernanda Siebra -
16Francisca Balbina e João Bezerra dos Santos são casados há mais de 50 anos. Na zona rural da cidade de Cariús, tiveram dez filhos, mas só quatro sobreviveram à falta de água e de comida que marcou a vida do casal. "Morreram tudo antes de caminhar, de precisão", diz Francisca. Os que sobreviveram trabalham da roça. Neste ano, a pouca chuva não deu pra segurar a fava nem o feijão. Água pra beber ainda tem por causa do que a cisterna guardou, mas a sede é um medo que começa a rondar. "A minha cisterna está quase seca, e eu fico imaginando quando se acabar. Não tem mais onde ir buscar", diz Francisca. A sorte, explica João, é que agora tem seguro-safra e a aposentadoria para ajudar o agricultor a atravessar a seca. Beatriz Jucá -
17Apesar dos problemas, as cenas de famílias inteiras que ganhavam as estradas a pé ou em carroças durante o período de seca já não existem mais. O acesso à água e os programas governamentais que propiciaram alguma renda no campo deram opções para que os agricultores permanecessem no semiárido. Fernanda Siebra