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Lei ataca as bases da ‘economia colaborativa’ da Uber na Califórnia

Legislativo estadual aprova projeto que considera os motoristas como funcionários e abre as portas para a formação de sindicatos

Protesto diante da sede da Uber em San Francisco favorável à lei AB5.
Protesto diante da sede da Uber em San Francisco favorável à lei AB5.AFP

A primeira grande batalha política nos Estados Unidos contra a economia colaborativa da Uber explodiu nessa semana na Califórnia com a aprovação provisória de uma lei que ataca a raiz do modelo de negócio dessas empresas. O Senado californiano aprovou na noite de terça-feira um projeto de lei que considera que os motoristas de plataformas como a Uber e a Lyft são funcionários. O alerta soou no Vale do Silício e a Uber ameaça levar o assunto à votação. É o primeiro grande confronto das empresas de tecnologia com o Estado.

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A Uber surgiu há exatamente uma década em San Francisco. Desde então, nos EUA, qualquer pessoa com um carro e um celular pode começar a trabalhar como motorista e receber dinheiro por isso. Oficialmente é um autônomo independente, segundo a linguagem da empresa. A Uber é a maior empresa de transporte de passageiros por ruas do mundo e não tem frota de carros e motoristas, e sim sócios aos quais paga por um serviço. O motorista é sua própria empresa, que vende dentro da plataforma Uber. A empresa tem 3,9 milhões de sócios motoristas em todo o mundo e 91 milhões de clientes habituais.

A nova lei (chamada AB5 e proposta pela legisladora Lorena González, de San Diego) ataca o coração do negócio da Uber e da Lyft, seu maior competidor no mercado norte-americano. A lei toma como base uma sentença da Suprema Corte da Califórnia do ano passado contra um serviço de entrega em domicílio que considerou que os entregadores são por definição funcionários, salvo exceções.

A normativa AB5 transforma em lei essa interpretação rígida da legislação trabalhista. Em sua exposição dos motivos afirma que a uberização da economia, um fenômeno que a Califórnia exportou ao mundo junto com o iPhone, “foi um fator importante na erosão da classe média e no aumento da desigualdade”.

O debate colocou frente a frente uma das grandes empresas do Vale do Silício com o Estado. Além disso, levou grupos de interesse de todo tipo a pressionar para reduzir a interpretação ampla da nova normativa. O debate se centrou em diversas emendas de indústrias tentando fazer com que as normas especiais sejam aplicadas a elas. Por exemplo, o lobby das publicações da Califórnia conseguiu no final de terça-feira a aprovação de uma emenda que isentasse os entregadores de jornais.

A Uber e a Lyft pressionaram durante todo o verão no Legislativo sem sucesso. Por um lado, ofereceram o pagamento de 21 dólares (85 reais) por hora. Por outro, ameaçaram lançar uma iniciativa popular para que seja votado nas urnas, o que não seria difícil de conseguir com o sistema radical de democracia direta da Califórnia. Essa possibilidade significaria um problema político importante. A versão definitiva da lei foi aprovada na quarta-feira pela Assembleia da Califórnia e enviada ao Governador para que a assine. O governador, Gavin Newsom, expressou publicamente seu apoio, mas na noite de terça-feira disse ao The Wall Street Jornal que está negociando com a Uber e a Lyft.

A batalha contra a economia colaborativa em um Estado dominado sem discussão pelos democratas também chega em pleno debate interno nas primárias do partido, onde o apoio dos sindicatos é fundamental para ganhar alguns Estados. Vários pré-candidatos presidenciais como Kamala Harris (a candidata local), Elizabeth Warren, Bernie Sanders e Pete Buttigieg, que participou há duas semanas de uma manifestação de motoristas da Uber. A aprovação definitiva da AB5 seria um apoio aos sindicatos e aos direitos trabalhistas por parte do Estado em que a Uber surgiu. As indústrias afetadas alertaram que o tamanho e a influência da Califórnia fazem com que sua decisão nesse âmbito possa acabar sendo o padrão em todo o país e afetar radicalmente o modelo dessas empresas.

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