Hollywood lucra com a nostalgia
‘O Rei Leão’ é o mais recente lançamento dos grandes estúdios que apela à saudade como gancho. ‘Dumbo’ e ‘Aladdin’ já arrecadaram mais de 1,1 bilhão de euros neste verão
O novo cavalo de Tróia de Hollywood se chama nostalgia. A programação dos multiplexes está cheia de títulos como O Rei Leão, Aladdin, MIB: Homens de Preto Internacional, Toy Story 4, Detetive Pikachu... Uma volta aos anos noventa induzida pela nova arma de destruição em massa dos grandes estúdios: a saudade de outros tempos audiovisuais. A estreia hoje de O Rei Leão, em uma versão feita com imagens criadas digitalmente (as CGI), é outro elo da cadeia que a Disney está tramando de forma economicamente brilhante. Como diz o crítico de cinema Fausto Fernández, “A Disney, faça o que fizer, seduz o público. Mas, na realidade, está apelando aos sentimentos dos pais, que depois de saciarem seus filhos com o DVD de O Rei Leão e alguns até assistirem ao musical, arrastarão os filhos para se sentar diante da fotocópia digital”. Podem ser filmes para toda a família, mas quem paga os ingressos são os pais.
Nas temporadas anteriores o fenômeno já havia dado seus primeiros passos: daí os reboots, os relançamentos de sagas que deixaram uma boa lembrança nos consumidores. Isaac Asimov dizia que basta ler um diário da adolescência para redescobrir que o passado não é um tempo idílico, mas que o ser humano, como defesa emocional, edulcora as lembranças. E o cinema encontrou nessa edulcoração um filão: a versão de 2017 de A Bela e a Fera, que misturava atores de carne e osso e CGI arrecadou mais de 1,068 bilhão de euros (cerca de 4,462 bilhões de reais) em todo o mundo. A mesma jogada que havia feito no ano anterior com Mogli – O Menino Lobo (860 milhões de euros).
Nesse veio dourado escavaram os novos Branca de Neve, 101 Dálmatas, A Bela Adormecida, Alice no País das Maravilhas, Cinderela... Neste verão [no hemisfério norte] ainda estão nas salas Dumbo (313 milhões de euros de arrecadação) e Aladdin (que ultrapassou 860 milhões de euros) quando aterrissa O Rei Leão e se pode ver o trailer de Mulan. No futuro, A Dama e o Vagabundo, Cruella, Malévola 2, Lilo e Stich, A Espada Era a Lei (dirigido pelo espanhol Juan Carlos Fresnadillo)... E o filme no qual a Disney colocou suas maiores esperanças: A Pequena Sereia, com a atriz afro-americana Halle Bailey como protagonista e Melissa McCarhy como Úrsula, canções de Lin-Manuel Miranda e com Javier Bardem, segundo afirma a Variety, atualmente negociando sua participação no papel do rei Triton. “No caso da Disney, a jogada vai mais longe”, analisa Fernández. “Os filhos compartilharam a nostalgia dos pais e agora veem o filme que se tornará a grande referência de sua geração quando crescerem. Eles se lembrarão de O Rei Leão de 2019 e o estúdio terá conseguido transmitir a nostalgia para voltar ao produto dentro de algumas décadas. É o retorno ao passado para semear para o futuro”.
Não só a Disney tira proveito da nostalgia. Playmobil: O Filme estreia no Brasil em 12 de setembro protagonizado, obviamente, pelos bonecos Clicks; na semana passada, voltou aos cinemas na Espanha A Princesa Prometida, o clássico de 1987 de Rob Reiner, e a Mattel deixou nas mãos de Greta Gerwig, a rainha do indie, o desenvolvimento de seu filme Barbie, cujo roteiro está sendo escrito neste momento por Gerwig e Noah Baumbach.
E as plataformas digitais também lucram com a nostalgia. “Vivemos no momento mais pujante do negócio da nostalgia”, enfatiza Fernández. “O sucesso da série Stranger Things na Netflix nasce dessa emoção. Neste caso, leva o espectador à década de oitenta.” No mesmo caminho transitou o interesse pelo documentário Parchís, sobre o grupo infantil que arrasou no início dos anos oitenta, também na Netflix. Como diz o crítico de cinema “em Barcelona temos até uma sala de cinema para essa geração, a Phenomena”, em cuja programação convivem estreias com a projeção de títulos como, neste fim de semana, Warriors – Os Selvagens da Noite e Mad Max.
Consumismo e saudade
Um fenômeno que cresceu graças a essa saudade é Yo Fui a EGB [Eu Fui ao Ensino Básico], que começou como um blog “criado de forma lúdica”, segundo um dos seus dois fundadores, Jorge Díaz, antes de se tornar uma série de livros e organizar shows e exposições. “A Espanha não é um país mais nostálgico do que outros, mas minha geração, que agora completou quarenta anos, é”, afirma Díaz. “É claro que é impressionante o que está acontecendo neste verão, que se baseia nos anos oitenta. Foi uma década com uma grande explosão consumista, criativa e publicitária, e por isso somos a primeira geração que as empresas atacam a partir da nostalgia. Recentemente se tornou viral uma foto de um cartaz com a programação de uma sala de cinema atual idêntica a outra dos anos oitenta.” Embora saiba que irá ver O Rei Leão para levar os filhos, “este filme pertence, por seu ano de estreia [1994] à saudade de outra geração”. Sim, a millenial.
Nesta imersão na nostalgia, alguns criadores foram mais espertos do que outros. A Warner e a Nintendo foram muito cuidadosas com o aspecto visual de Detetive Pikachu, para que os fãs do universo Pokémon não reclamassem. Todo o contrário das críticas dilacerantes recebidas por Dumbo, ou da enxurrada de comentários negativos que em maio se seguiu à estreia do trailer de Sonic: O Filme, baseado no videogame da Sega. Os internautas zombaram do aspecto do ouriço protagonista, já que foi mudada sua face, agora muito mais animal, e se perdeu o toque do videogame. Poucas horas depois, Jeff Fowler assumiu o erro via Twitter: “A mensagem foi recebida alto e claro. Vocês não estão contentes com o desenho e querem mudanças. É isso que vamos fazer. Todos nós na Paramount e na Sega estamos totalmente comprometidos em fazer o melhor personagem possível.” No outro extremo volta a estar O Rei Leão, que creditou o músico Chance the Rapper, fã do filme original, como “assessor de nostalgia”.
Asimov também dizia: “Em tempos estranhos e imprevisíveis nos aferramos, por medo, ao passado”. E isso vale para qualquer geração.
Não existe filme intocável para um remake
As redes hoje servem para amplificar qualquer reclamação. E a defesa nostálgica de títulos intocáveis bate de frente com a realidade histórica de Hollywood. Como diz o crítico Fausto Fernández: “As pessoas vão ver um filme predispostas por como desejam que seja. É por isso que depois chegam reclamações absurdas sobre, por exemplo, os finais das séries. Você pode gostar ou não, mas não lhes peça para mudá-lo ao seu gosto. Alguns ficam escandalizados com remakes de filmes de Alfred Hitchcock. Ele, que refez todos os seus filmes britânicos em Hollywood”. E lembra: “Hollywood sempre viveu dos remakes”.
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