Pedro Mairal, ou como transformar o sexo em algo ridículo
O autor de ‘A Uruguaia’ ganhou, aos 28 anos, o primeiro prêmio Clarín de Romance com ‘Uma Noite com Sabrina Love’, que sai no Brasil pela editora Todavia. No júri estavam Bioy Casares, Roa Bastos, Cabrera Infante
Depois do sucesso de A Uruguaia, chega agora ao Brasil o romance de estreia de Pedro Mairal, Uma noite com Sabrina Love, também pela Todavia. A má notícia, no entanto, é que ele anuncia que se afastou do romance. Mairal conta essa passagem em Maniobras de Evasión (inédito no Brasil), um conjunto de relatos e reportagens para o qual, na hora de lhe dar forma, contou com a ajuda da jornalista Leila Guerriero. “Sem a Leila eu poderia ter feito, mas não organizado. Além disso, ela me fez escrever sobre temas dos quais eu estava fugindo e que são centrais no livro”, conta o escritor (Buenos Aires, 1970) no começo de uma conversa que, pouco a pouco, vai se acelerando. Vejamos como a organizamos aqui sem ajuda. Leila nunca aparece quando precisamos dela.
PERGUNTA. Maniobras de Evasión é em parte uma carta de amor à linguagem.
RESPOSTA. Gosto muito essa ideia da carta de amor à linguagem, me parece que há entrega por completo à palavra. Há uma aposta aí, não? Uma aposta de… considerar a linguagem real. A linguagem não é um fantasma, o que fica em um livro não é um fantasma ou um holograma, é a coisa em si. Na melhor das hipóteses, será mais real que a realidade, porque a realidade [estala os dedos] já se foi, não existe mais. Mas aí isso ficou retratado em palavras, e considero isso real. Essa é a aposta, não?
P. Alguns dos capítulos, como um dedicado à bunda de uma arquiteta, podem chocar hoje. Não teve dúvida na hora de inclui-los?
R. Esses textos correspondem a um paradigma anterior. Hoje não os teria escrito, mas espero que de algum modo sejam redimidos pelo humor e a poesia. Eu, com esse novo paradigma, estou escutando, sobretudo aprendendo, aprendendo a visualizar coisas que eram invisíveis para mim, como privilégios e um monte de coisas que acontecem com os homens e que eles não percebem, porque andam pela vida achando que tudo deve ser assim. Acho que é o momento de calar um pouco a boca e escutar o que as mulheres têm para dizer a respeito.
“O sexo comercial são trepadas boas. Eu gosto mais de falar sobre trepadas ruins. As trepadas ruins são o que nos saiu, a distância entre o desejo e a performance.”
P. O sexo é uma constante em seus livros. É uma estratégia comercial?
R. O sexo comercial são trepadas boas. Eu gosto mais de falar sobre trepadas ruins. As trepadas ruins são o que nos saiu, a distância entre o desejo e a performance. Isso sempre funciona literariamente. E há momentos muito ridículos na aproximação ao sexo. Nesse sentido, me interessa mostrar o ridículo em que os homens se metem por desejo.
P. É minha interpretação ou há um pouco de síndrome do impostor no livro?
R. Me interessa muito a impostura dos papéis que cada um desenvolve, me colocar em dúvida o tempo todo. Isso provoca muita identificação, muita empatia. Digamos que todos deixamos a máscara transparecer um pouco. E essa máscara do escritor eu acho engraçada. Gosto de desconstruir um pouco isso, desarmar, pôr um pouco em dúvida. Acho que é uma maneira de olhar melhor, com raios X, despir um pouco a pose. Todos estamos construindo nossa identidade através das redes sociais, e acho que é preciso escrever o que não sai lá, o que você não tem vontade de mostrar no Instagram ou no Facebook. Isso é a literatura. Se você consegue chegar lá, isso é algo que vai interessar o leitor, porque é justamente o flanco vulnerável, digamos assim, o cu do Facebook.
“Todos estamos construindo nossa identidade através das redes sociais, e acho que é preciso escrever o que não sai lá, o que você não tem vontade de mostrar no Instagram ou no Facebook.”
P. Você também é muito franco sobre a versão cinematográfica de seu primeiro livro, Uma Noite com Sabrina Love.
R. De algum modo, ser um autor não conforme com a versão cinematográfica do seu livro me parece um privilégio. Afinal de contas, a gente pode se sentir um pouco ferido no amor próprio de que inventou uma história e a tergiversaram, mas está bem que seja assim. O cinema tem que tergiversar sua história, é inevitável, porque há uma passagem de uma linguagem verbal a uma linguagem visual.
P. Já que estamos falando das críticas, como se dá com a crítica?
R. Eu não sei como falar sobre o meu livro até ler algumas críticas, porque trabalho de um modo um pouquinho sonâmbulo. Escrevo essa história e depois as pessoas me explicam o que é que eu fiz simbolicamente, metaforicamente, às vezes como se isso entronca com uma conjuntura social, de época, política. Trabalho de um modo menos consciente, por isso me interessa, sobretudo no princípio, ler o que dizem, como as pessoas o leem.
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