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Putin oferece ajuda a Kim para descongelar negociação de desarmamento nuclear

Encontro dos líderes na Rússia ocorre dois meses após fiasco da cúpula do norte-coreano com Trump

O presidente russo, Vladimir Putin, recebe o líder norte-coreano, Kim Jong-un, em Vladivostok
O presidente russo, Vladimir Putin, recebe o líder norte-coreano, Kim Jong-un, em VladivostokSERGEI ILNITSKY (EFE)
María R. Sahuquillo

Um aperto de mãos como gesto para Trump. O presidente russo, Vladimir Putin, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, se reuniram nesta quinta-feira em Vladivostok para sua primeira cúpula bilateral. O histórico encontro na cidade portuária do Pacífico, no extremo leste da Rússia, ocorre dois meses depois do fracassado encontro no Vietnã entre Kim e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. É a primeira viagem do norte-coreano ao exterior desde aquele desastroso episódio, mostrando ao presidente norte-americano que há mais peças no tabuleiro de negociação do desarmamento nuclear. Putin, que com a visita de Kim procura reforçar seu perfil como potência global, ofereceu a ajuda da Rússia para desbloquear as conversações sobre o programa nuclear de Pyongyang.

Kim chegou à Universidade do Extremo Oriente, o local da cúpula, a bordo de sua limusine preta blindada, trazida de avião para Vladivostok há alguns dias. Sorridente, saudou o presidente russo, que tinha aterrissado de helicóptero durante a manhã e já estava à sua espera. Os dois líderes, que começaram a reunião a sós com seus intérpretes, aos quais se juntariam mais tarde as respectivas delegações, apertaram-se as mãos calorosamente sobre o tapete vermelho. Putin parabenizou Kim por ter sido “reeleito" pela Assembleia Nacional Suprema do Povo para o cargo de presidente da Comissão de Assuntos Estatais. Kim devolveu a felicitação ao presidente russo por ganhar as eleições do ano passado.

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E assim, entre elogios, começou uma cúpula com a qual ambos queriam mandar mensagens ao mundo. Kim, a de que não está tão sozinho. Putin, que é também um dos atores diplomáticos nos principais assuntos ligados à segurança global. "Acredito que esta reunião será produtiva, já que a situação na península da Coreia é de grande interesse para o mundo inteiro", afirmou Kim a Putin no início da reunião, antes de destacar as “relações tradicionalmente amistosas" e com "raízes profundas” entre ambos os países. "Podemos intercambiar pontos de vista e revisar exaustivamente a situação da península e resolver este problema juntos”, acrescentou o líder norte-coreano. “Assim será”, respondo-lhe o líder russo.

O presidente Putin felicitou o líder norte-coreano por seus “esforços” de diálogo com a Coreia do Sul e no sentido de “normalizar” as relações com os Estados Unidos. A visita do norte-coreano, declarou, “ajudará a compreender melhor as formas de resolver a situação na península da Coreia". O líder russo disse que a reunião servirá para definir como os dois países podem agir conjuntamente e o que a Rússia pode fazer individualmente "para apoiar esses processos positivos que estão se desenvolvendo”.

Putin salientou que a melhor maneira de descongelar as negociações sobre o programa nuclear da Coreia do Norte – que abandonou em 2009 o Tratado de Não Proliferação – é uma volta às conversações multilaterais. "Estou convencido de que aí está justamente a chave do sucesso", afirmou o mandatário russo em uma entrevista coletiva ao final da cúpula, com a qual se mostrou muito satisfeito. E uma opção é a chamada negociação a seis lados, incluindo China, Japão, Estados Unidos, as duas Coreias e, obviamente, a própria Rússia. Um mecanismo que desmoronou depois que os EUA denunciaram que Pyongyang estava maquiando o seu inventário de armas, enquanto o regime de Kim se queixava da lentidão das negociações. Esse formato desagrada enormemente a Trump, que costuma citá-lo como exemplo de anteriores fracassos nas negociações com Pyongyang, e que sempre insistiu em que suas propostas são as que mais possibilidades têm de obterem o desarmamento da Coreia do Norte.

O presidente russo se comprometeu a voltar a pôr o assunto norte-coreano no tabuleiro de discussão internacional, começando já nesta sexta-feira com a China. Putin se reunirá com o dirigente Xi Jinping na chamada Cúpula da Rota da Seda. "Além disso, o próprio presidente Kim Jong-un me pediu que informasse à parte norte-americana sobre sua posição", salientou.

Kim e Putin em Vladivostok, na sua primeira cúpula bilateral
Kim e Putin em Vladivostok, na sua primeira cúpula bilateralM.Svetlov (Getty Images)

Com as adulações, as felicitações de Putin ao "camarada" Kim Jong-un, o brinde de honra feito pelo presidente russo e o tradicional intercâmbio de presentes – Putin deu uma moeda comemorativa a Kim, que retribuiu com um sabre –, ambos os líderes demonstraram uma grande proximidade. Ao final da cúpula, Putin, muito sorridente, acompanhou Kim até sua limusine. E, como um pai observando, ficou do lado de fora, em pé, até que o norte-coreano partisse, acenando pela janela.

Kim recorreu ao antigo aliado da Guerra Fria em um momento péssimo para sua economia, assim como já fizera seu pai, Kim Jong-Il, em 2011, quando se reuniu com Dmitri Medvedev – então presidente da Rússia – pedindo ajuda para paliar a escassez de alimentos que o país vivia, e que se viu agravada por enormes inundações naquela época. Essa tinha sido a última visita de um líder norte-coreano ao território russo.

A Coreia do Norte volta agora a enfrentar a escassez de alimentos, segundo a ONU, de modo que a ajuda russa pode ser crucial. Embora o Kremlin, preocupado com a estabilidade na península da Coreia, esteja de acordo em respeitar a maioria das sanções internacionais até que Pyongyang desmantele seu programa nuclear – ao menos em parte –, já proporcionou o equivalente a mais de 100 milhões de reais ao regime de Kim em ajuda humanitária nos últimos anos. E nesta quinta-feira Putin salientou que a intenção é “desenvolver a relação comercial e humanitária” com a Coreia do Norte, e que tinha debatido novos projetos de cooperação com Kim.

Concessões mineiras

Moscou e Pyongyang não têm grandes vínculos comerciais – a China domina 93% do comércio exterior norte-coreano –, mas Moscou procura concessões mineiras no território do país vizinho. Além disso, ambos os países apostaram num controvertido sistema de trocas para tentar driblar as sanções a Pyongyang. No ano passado, a Administração Trump acusou a Rússia de ajudar a Coreia do Norte a evitar as sanções da ONU entregando em alto-mar cargas que seriam alvo de sanções. Moscou negou todas as acusações.

Além disso, a Rússia sairia beneficiada com a eventual suspensão das sanções, porque isso lhe permitiria investir em infraestruturas na Coreia do Norte, com a qual compartilha uma fronteira de 17 quilômetros. Melhoraria assim os acessos fronteiriços e também as vias ferroviárias, que podem lhe ser muito úteis para enfrentar um longo trecho de um gasoduto transcoreano e também para transportar produtos da Coreia do Sul para a China e a Europa.

Para Kim, está também sobre a mesa um assunto substancial: os cerca de 10.000 trabalhadores norte-coreanos presentes na Rússia, que deveriam sair do país no final deste ano por causa das sanções. Esta mão de obra no exterior é uma das principais fontes de divisas para a Coreia do Norte, responsáveis por remessas equivalentes a 2,2 bilhões de reais por ano, ou 1,5% de sua economia. Assim, Moscou e Pyongyang procuram agora o formato para que possam permanecer. Putin se mostrou convencido de que encontrariam uma solução.

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