_
_
_
_
_

Legião de vírus desconhecidos é descoberta nos oceanos

Expedição a bordo de veleiro identifica 200.000 novos patógenos para a ciência

Nuño Domínguez
O veleiro ‘Tara’.
O veleiro ‘Tara’.Tara Oceans
Mais informações
Dois vírus da infância estão relacionados com o Alzheimer
Assim se propaga um vírus dentro de um avião

Se todos os vírus que vivem no oceano se colocassem em fila, poderiam chegar às 60 galáxias mais próximas da Terra. São a entidade biológica mais abundante no mar e também uma das mais desconhecidas.

Uma equipe de exploradores e cientistas publica nesta quinta-feira o mais completo catálogo desses patógenos feito até hoje. Contém quase meio milhão de espécies diferentes, 200.000 delas totalmente desconhecidas até agora.

Toda vez que respiramos, a metade do oxigênio que entra nos pulmões é produzida por micróbios do plâncton marinho. Os vírus são os demiurgos desse universo microscópico. São dez vezes mais numerosos que os micróbios do plâncton: nos oceanos há 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 de vírus, quase três vezes mais que galáxias no universo. Seu tamanho é tão pequeno que representam apenas 5% de toda a massa viva. Todos os dias esses predadores ceifam a vida de um em cada quatro micróbios marinhos, o que reduz algumas populações e alimenta outras com os restos. Também introduzem novos genes nos seres unicelulares, o que modula sua evolução.

“Os micróbios do oceano absorvem metade do dióxido de carbono que os seres humanos lançam na atmosfera”, explica Matthew Sullivan, microbiologista da Universidade Estadual de Ohio (EUA) e principal autor do estudo, publicado hoje na revista científica Cell. “Os vírus provavelmente controlam esse processo que mitiga o impacto climático dos seres humanos. Precisamos entendê-los para não curto-circuitar suas atividades”, enfatiza.

Mosaico com diferentes organismos unicelulares e pluricelulares que compõem o plâncton marinho.
Mosaico com diferentes organismos unicelulares e pluricelulares que compõem o plâncton marinho.Christian y Noé Sardet

O trabalho se baseia nos dados coletados durante a expedição Tara Oceans, realizada entre 2009 e 2013 a bordo de uma escuna de casco de alumínio que percorreu todos os oceanos do planeta recolhendo amostras de água em diferentes profundidades. Os resultados apresentam 12 vezes mais vírus novos do que os identificados até agora, precisamente durante uma expedição anterior do mesmo barco.

O trabalho mostra que os vírus marinhos estão distribuídos em cinco áreas bem diferenciadas: o oceano Ártico, o Antártico, as águas superficiais e temperadas próximas dos trópicos, as camadas intermediárias de profundidades compreendidas entre 150 metros e 1.000 metros e, por último, as regiões mais profundas até chegar ao fundo marinho. Os dados desta última zona provêm da expedição espanhola Malaspina, realizada entre 2010 e 2011, que coletou micróbios e vírus a até 4.000 metros de profundidade.

Entre essas cinco áreas, há dois verdadeiros viveiros de vírus com uma diversidade de espécies muito maior do que o resto. A primeira é a zona temperada, algo previsível, a segunda é uma grande surpresa: o oceano Ártico. A diversidade de espécies da maioria dos seres vivos é maior quanto mais perto se está do Equador e diminui em direção aos polos. Os resultados da expedição Tara Oceans mostram que essa teoria é válida para os vírus no oceano Antártico, onde existe comparativamente menos diversidade do que nas regiões temperadas, mas uma vez cruzado o Equador a diversidade continua aumentando e é quase igual nas águas geladas que rodeiam o Polo Norte. Os autores destacam que é precisamente este oceano que está mudando mais rápido devido à mudança climática.

Até 90% dos vírus encontrados são um mistério, pois se ignora que tipo de organismo infectam

Até 90% dos 488.130 vírus encontrados são um mistério, pois se ignora que tipo de organismos infectam. A imensa maioria dos outros 10% ataca de preferência os seres unicelulares: bactérias e arqueas. Menos de 1% de todos esses patógenos foi cultivado em laboratório para conhecer suas propriedades, reconhece Sullivan. Ainda restam anos, se não décadas, de trabalho.

Essa aventura científica começou em 2006, quando a designer francesa Agnès Troublé, criadora da marca de roupa agnès b., cedeu sua escuna familiar Tara — a antiga Seamaster de Peter Blake — para a primeira expedição. O Centro Nacional de Pesquisa Científica da França apoiou o projeto, que agora envolve 150 cientistas de mais de 30 países. Desde então os pesquisadores retiraram do mar 30 milhões de genes desconhecidos.

Em fevereiro deste ano, cientistas do projeto descobriram 133 novas espécies de plâncton presentes em todos os oceanos do planeta. Eram inclassificáveis de acordo com a clássica dicotomia entre plantas e animais, pois podiam se alimentar por fagocitose como fazem as células de muitos animais e realizam fotossíntese como as plantas. “Um pulmão do planeta são as florestas e o outro é plâncton, só que sobre este último não sabemos quase nada”, explica Silvia G. Acinas, microbiologista do Conselho Superior de Pesquisa Científica (CSIC na sigla em espanhol) que viajou quatro vezes a bordo do Tara e coordena a análise de bactérias e arqueas.

Um dos desafios de classificar essas formas de vida é que elas não são regidas pelos padrões taxonômicos clássicos. É por isso que os autores do novo estudo falam de “populações” novas de vírus, não de espécies. “É o mesmo problema que temos com as bactérias”, reconhece Acinas, que espera publicar nos próximos meses os primeiros resultados sobre a distribuição das novas espécies bacterianas nos oceanos. “Entre todas elas, cerca de 70% são completamente novas para a ciência”, afirma.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_