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Steven Spielberg ataca Netflix e reabre o debate sobre ‘streaming’

Diretor quer propor mudanças à Academia de Cinema que dificultem para a plataforma de vídeo concorrer ao Oscar como aconteceu com ‘Roma’

Pablo Ximénez de Sandoval
Steven Spielberg em 28 de fevereiro, em Los Angeles.
Steven Spielberg em 28 de fevereiro, em Los Angeles.Chris Pizzello/Invision/AP
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Se a Netflix quer acabar de cruzar as portas de Hollywood, tem que dar um último passo: convencer Steven Spielberg. O diretor está dizendo há um ano que não gosta do modelo de negócio da plataforma de streaming e da forma como está rompendo as regras tradicionais da produção e da distribuição de filmes e, desde este ano, da corrida pelo Oscar. Essa desconfiança se transformou em um confronto aberto que agitou Hollywood nos últimos dias e promete uma longa batalha.

Na quinta-feira passada, o site IndieWire publicou que Spielberg, governador da Academia de Cinema pela categoria de diretores, planeja apresentar na próxima reunião uma mudança nas regras que dificultaria para a Netflix competir pelo Oscar. A polêmica surge alguns dias depois de que Roma, o filme de Alfonso Cuarón que estreou na Netflix, ter levado três Oscars (diretor, fotografia e melhor filme estrangeiro). Foi uma surpresa não ter recebido o de melhor filme.

“Steven tem uma opinião muito forte sobre as diferenças entre cinema e streaming”, disse à publicação um porta-voz da Amblin, a produtora de Spielberg. “Ele gostaria que outros se juntassem à sua campanha quando ela começar. Veremos o que acontece.” Segundo essa informação, Spielberg planeja levantar a questão em uma reunião dos governadores da Academia em abril.

A Netflix respondeu à polêmica neste domingo via Twitter. A conta Netflix Film, sem mencionar Spielberg diretamente, escreveu: “Nós amamos o cinema. Estas são outras coisas de que também gostamos: acesso às pessoas que não podem se permitir ir ao cinema, ou que moram em cidades sem cinemas; deixar que todo mundo em todos os lugares desfrute das estreias o mesmo tempo; dar aos cineastas mais formas de compartilhar sua arte. Estas coisas não são mutuamente excludentes.”

Ainda não está claro quais condições Spielberg quer propor, mas o diretor dá voz a uma opinião corrente que diz que a Netflix não pode ficar tão perto de ganhar o grande prêmio de Hollywood quando não joga com as mesmas regras que os estudos tradicionais. As diferenças são muitas: os filmes da Netflix não estreiam exclusivamente nos cinemas 90 dias antes do lançamento em vídeo; os mercados internacionais não são compartimentados; e a Netflix não divulga dados de audiência ou bilheteria. As regras atuais da Academia exigem que um filme tenha sido exibido nos cinemas de Los Angeles e de Nova York durante ao menos uma semana.

Spielberg, de 72 anos, é uma das grandes lendas vivas de Hollywood. Recebeu sete indicações ao Oscar de melhor diretor e ganhou dois. Foi indicado 10 vezes para o prêmio de melhor filme. A Academia concedeu-lhe o prêmio honorário Irving Thalberg aos 40 anos.

O lendário diretor vem desconfiado publicamente da Netflix há algum tempo. Em março do ano passado, enquanto promovia seu filme Jogador Nº1, chamou a atenção quando disse: “Não acredito que os filmes que foram classificados de maneira testemunhal, em alguns cinemas durante menos de uma semana, deveriam concorrer ao Oscar”. Spielberg se dizia preocupado com o fato de que cada vez menos diretores lutariam para levantar dinheiro para seus projetos e trabalhariam o circuito de festivais para mostrar seus filmes. No final, diz, se tenderá a um mercado no qual as plataformas de vídeo financiarão os filmes. E na opinião de Spielberg, “uma vez que você se compromete com um formato de televisão, é um TV movie”. Spielberg acredita que os produtos da Netflix deveriam disputar o Emmy.

Em Oscars recentes, Spielberg fez campanha ativa para promover Green Book: O Guia contra a Roma, o filme de Alfonso Cuarón produzido pela Participant Media, que a Netflix comprou para distribuir em todo o mundo. A plataforma fez uma campanha de exibição em salas de cinema para poder concorrer ao Oscar. O filme foi projetado em cerca de cem salas nos Estados Unidos, algo inédito para um filme em espanhol e em preto e branco que ainda não tinha ganhado nada. A Netflix usou seu vasto orçamento para montar uma campanha publicitária sufocante que inundou Los Angeles e que o The New York Times estimou em 25 milhões de dólares (cerca de 95 milhões de reais). A divulgação de Green Book: O Guia custou 5 milhões de dólares.

Cinco dias depois, Spielberg ainda não tem vozes importantes do seu lado. Mas já existem artistas que estão defendendo a Netflix nas redes sociais. A diretora Ana DuVernay, indicada ao Oscar pelo documentário 13th, produzido pela Netflix, escreveu um tuite dirigido à Academia em que pedia que, se era verdade que a proposta Spielberg seria discutida, que na reunião de governadores fossem lidas cartas de diretores que, como ela, pensam “diferente”. O ator Bruce Campbell tuitou: “Eu sinto muito, senhor Spielberg, Roma não é um TV movie. É tão impressionante como qualquer outro. As plataformas se tornaram irrelevantes. Faça um filme com a Netflix”.

No mês passado, a Netflix foi admitida como membro da Motion Pictures Association of America (MPAA), o lobby das grandes produtoras de Hollywood. O anúncio foi significativo às vésperas do Oscar. A próxima aposta da Netflix para concorrer ao prestígio dos grandes prêmios é, por enquanto, The Irishman, filme dirigido por Martin Scorsese.

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