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Uber quer gerir o transporte público

Empresa pretende integrar serviços como ônibus e metrô, para se tornar “a Amazon do transporte”

Pablo Ximénez de Sandoval
Tela do Uber onde aparece a opção de transporte público junto com seus serviços de carros.
Tela do Uber onde aparece a opção de transporte público junto com seus serviços de carros.

Em 600 cidades de todo o mundo já é normal abrir um aplicativo no celular, clicar um botão e ver alguém com um carro disponível para levar o usuário ao seu destino. O Uber está substituindo a toda velocidade o transporte urbano em carro, pago ou privado. Mas às vezes a melhor alternativa não é o carro. Chega-se antes, ou mais comodamente, ou mais barato, de metrô ou ônibus. Ou de bicicleta. O Uber quer que essas opções também apareçam em seu aplicativo. Que numa só tela seja possível comparar e, se possível, comprar diretamente de lá o bilhete do transporte público. O Uber não quer ser o aplicativo que você abre quando precisa de um carro. Quer ser o que você abre quando precisa se deslocar, em geral, para onde for.

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“Os carros são para nós o que os livros são para a Amazon”, disse o CEO da companhia, Dara Khosrowshahi. Você acha que o Uber está em todas as partes? Que já domina o transporte urbano em centenas de cidades? Pense na Amazon vendendo livros físicos 15 anos atrás. Pense na Netflix entregando DVDs em domicilio. Esse é o estágio em que o Uber se vê atualmente.

“Você não consegue virar a Amazon do transporte sem contar com o sistema maior de todos, que é o transporte público”, dizia nesta terça-feira David Reich, chefe do Uber Transit, a divisão da companhia que pretende integrar os ônibus, metrôs, bondes e qualquer outro meio de transporte ao aplicativo. Durante uma conferência do Uber na Santa Monica, na Califórnia, à qual o EL PAÍS foi convidado, Reich contava que esta é uma parte crucial na filosofia da empresa “para fazer do carro individual uma ideia do passado”.

“O Uber já tem dezenas de milhões de usuários que não entram no aplicativo procurando transporte público. Agora eles irão encontrar essa opção por lá. Isso é algo único que o Uber pode oferecer. Os aplicativos de transporte público não somam usuários [a esses meios], o que resolvem é como usá-los. Nós propomos se é o caso de usá-lo [a pessoas que não haviam considerado essa opção]”. Nas capturas de tela do aplicativo, pode-se ver a palavra “Transit” ao lado das opções de carro do Uber, com um cálculo de tempo e preço até o destino.

Portanto, “a primeira coisa que oferecemos às cidades é mostrar seus serviços de transporte público dentro do nosso aplicativo”, diz Reich, “de forma que alguém que queira se deslocar pela cidade e que talvez não tenha considerado essa opção pode ver que isso é melhor do que comprar um de nossos produtos [como pedir um carro]”.

O Uber espera poder dispor de dados do transporte das cidades para integrá-los à sua tecnologia. Nos Estados Unidos, já integrou dois aplicativos, o CityMapper e o Moovit, que oferecem mapas e opções de transporte público. Ao dispor de dados sobre trajetos no transporte público, mais os carros, mais os patinetes e as bicicletas que o Uber já oferece, explica Reich, “você pode ver como uma cidade inteira se move e abre muitas portas às cidades para se planejarem de forma eficiente”.

O Uber se associou a um terceiro aplicativo, o Masabi, para que no futuro também seja possível comprar passagens de metrô dentro do aplicativo. O bilhete se tornaria um código a ser lido na própria tela do telefone, como os cartões de embarque dos aviões. Reich não quis dizer como os lucros com a venda dos bilhetes seriam distribuídos, por se tratar de uma questão estratégica da Masabi. Mas deixou claro que o Uber vê isso como um serviço adicional à cidade. “A venda de passagens é entre 10% e 15% do custo de operar os serviços públicos”, diz Reich.

O Uber considera que sua tecnologia está oferecendo às cidades uma base de dados que permitirá identificar as rotas com maior demanda, as áreas com pior serviço, ineficiências nas linhas. Uma tecnologia de precisão para tomar decisões políticas com precisão. Exemplos dessa tecnologia podem ser vistos no site Uber Movement, uma rara oportunidade para o público de ver as cidades com os olhos do Uber. É um mapa de dados e tempo de deslocamento de dois bilhões de trajetos, revelando o funcionamento de cidades como Paris, Bogotá, Manchester e Los Angeles. Por exemplo: em Paris, de La Défense ao Louvre de carro, às segundas-feiras, leva-se em média 18 minutos e 10 segundos. Não é um cálculo a olho. São dados de viagens reais.

Tal como vê o Uber, sua tecnologia permite observar e prever com enorme precisão os padrões de mobilidade de uma cidade. Além disso, a empresa vê o que os usuários fazem quando não estão viajando. Ou seja, quem desce nesta estação de metrô, aonde vai depois? Por quanto tempo? O Uber sabe, as cidades, não. As cidades têm infraestruturas de transporte. O Uber, não. “Não tentamos nos impor a nada”, dizia Reich. “Muitas das cidades com as quais conversamos não se preocupam com o centro, e sim com os subúrbios, as zonas pior servidas. Fazer mais metrô? Ou encontrar uma solução mais eficiente?” Aí é que Uber se vê fornecendo a informação necessária.

A ideia completa surgiu em Denver, Colorado, em janeiro passado. Denver é a cidade-laboratório de um sistema de transporte urbano completamente integrado na plataforma do Uber, dos patinetes às limusines. Mas o Uber Transit já estava se associando anteriormente às administrações de outros lugares para programas concretos. No condado de Pinellas, Flórida, tem um programa chamado First & Last Mile, em que os trajetos para a rodoviária local e a partir da rodoviária de destino têm desconto. Ou seja, o Uber provê o trajeto extra para chegar ao transporte público. Em Boston, a prefeitura subvenciona viagens no Uber para pessoas com mobilidade reduzida. Em Nice, há uma tarifa fixa para usar o Uber à noite em lugares aonde o transporte público não chega.

O Uber começou em 2012 a oferecer viagens de carro sem ter nem um só veículo em sua frota. O que fazia era pôr particulares em contato. Em 2014, observou que sua tecnologia de localização lhe permitia detectar quando havia várias pessoas pedindo carros no mesmo percurso e criou o Uber Pool, para compartilhar a corrida. Com a compra do Jump, começou em 2018 a oferecer patinetes elétricos e bicicletas elétricas para trajetos curtos. A experiência começou em Santa Monica, Califórnia, e já está em 17 cidades dos EUA. O Uber Transit, para integrar transporte público, é o objetivo para 2019. A companhia afirma que estuda oferecer voos intraurbanos em aviões elétricos (UberAir) em 2023.

O cenário ideal no qual a empresa se vê é como um aplicativo em que tudo esteja integrado. Que o usuário pense em ir a algum lugar, abra o Uber e tenha todas as opções. Por exemplo, se precisa de uma bicicleta elétrica na esquina de sua casa para ir até a estação de trens, e em sua parada final necessita de um carro que o leve nos últimos dois quilômetros até o lugar aonde vai. Nesse cenário ideal, tudo isso poderia ser programado tocando um botão. A Amazon do transporte urbano está em marcha.

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