Ellen Page: “Minha experiência como mulher gay em Hollywood é muito negativa”
Atriz estreia ‘The Umbrella Academy’, série da Netflix sobre família disfuncional de super-heróis
Desde que a atriz Ellen Page assumiu publicamente sua homossexualidade, em fevereiro de 2014, essa “canadense diminuta”, como se descreve em seu perfil do Twitter, virou uma das mais combativas ativistas LGTBI+ de Hollywood. Casada há um ano com a bailarina Emma Porter, admite ao EL PAÍS que sair do armário lhe deu um novo sentido à sua vida: “Algo se transformou em mim; e não só emocionalmente. Porque fisicamente também eu estava mal: sofria ataques de pânico, tinha problemas de estômago… No dia seguinte de tornar [sua homossexualidade] pública, fui regravar umas cenas e as pessoas me diziam que eu parecia outra pessoa. E eu respondia: ‘Caramba, não é que é mesmo?”.
Em 31 de janeiro, a atriz foi ao programa The Late Show with Stephen Colbert para promover seu último trabalho, The Umbrella Academy: uma nova série baseada nos romances gráficos de Gerard Way, que estreia neste 15 de fevereiro na Netflix. Mas, em uma fala que se tornou viral e na qual mal conseguiu conter as lágrimas de raiva, acabou confrontando o vice-presidente norte-americano Mike Pence por sua homofobia. “Pence sempre foi muito claro sobre seu desdém pela comunidade LGTBQ”, reafirma. “Mas este é um assunto de vida ou morte, e sempre foi assim para as pessoas marginalizadas.” Fala com conhecimento de causa: durante duas temporadas, ela apresentou a série documental Gaycation, com a qual visitou lugares do mundo onde a homossexualidade é estigmatizada: “Conheci pais cujos filhos foram assassinados ou se suicidaram, e um casal de lésbicas que não podia mostrar a cara porque sua família está à procura delas para matá-las”.
Page não é exatamente uma novata no gênero de super-heróis; os fãs de X-Men ainda a identificam com Kitty Pryde, personagem que interpretou em dois filmes da saga mutante. Entretanto, quando caiu em suas mãos o roteiro de The Umbrella Academy, o projeto lhe pareceu tão singular que o medo de se repetir nem lhe passou pela cabeça. “Quando cheguei à última página fiquei tipo: ‘Poxa, o que acontece depois?' E essa é uma boa sensação. Depois de falar com [o showrunner] Steve Blackman, ler as HQs, saber mais sobre o arco da minha personagem e compreender como seria visualmente a série, pensei: ‘Uau, acho que nunca vi nada assim’.”
A premissa de The Umbrella Academy é a seguinte: um cientista milionário adota sete crianças nascidas no mesmo dia, de mulheres que não tinham demonstrado nenhum sinal de gravidez. Identifica a habilidade especial de cada uma delas, as cria em sua enorme mansão — com uma disciplina próxima da crueldade, e sem jamais lhes demonstrar nenhum sinal de afeto —, e as treina para combater o crime com a advertência de que algum dia terão que salvar o mundo. Anos depois, o resultado de seu experimento são sete adultos afastados uns dos outros e emocionalmente destroçados. “Em última instância, é um drama sobre uma família disfuncional. Estas pessoas foram maltratadas quando pequenas, e cada uma luta com seus traumas à sua maneira”, conta a atriz, que encarna Vanya, a “número sete”. Uma trilha sonora muito bem cuidada (talvez pelo fato de Gerard Way ter sido vocalista do My Chemical Romance), um desenho de produção que não regulou gastos, lampejos de humor negro e incursões no sobrenatural, como as viagens no tempo, e o mordomo Pogo (um chimpanzé falante criado por computação gráfica), também contribuem para o tom peculiar da série.
O elenco, que inclui Tom Hopper (Game of Thrones) e Mary J Blige, é mais inclusivo que no romance gráfico original. Em questão de representação e diversidade, Page acredita que a televisão atual está a anos-luz do cinema. “Surpreende-me que Hollywood não esteja mudando mais rápido ao ver o sucesso das séries que correm riscos e oferecem novas perspectivas. Por favor, e digo como parte do público: não quero ver mais um filme sobre um homem que procura vingança. Precisamos de outro tipo de história, mas isso exige uma enorme mudança sistêmica na indústria”. E acrescenta: “Trabalhei em Hollywood desde os 18 anos (tenho quase 32), e minha experiência como mulher gay foi, na sua maior parte, extremamente negativa”.
Em um episódio de The Umbrella Academy se diz que na vida “não há bons nem maus”. Se Page acredita nisso? “Entendo o que a personagem quer dizer: a vida é fodidamente complicada. Mas depois de entrevistar gente como Jair Bolsonaro, ou um policial que se mostrava orgulhoso de assassinar gente queer, ou de conhecer o líder de um grupo neonazista na Ucrânia…”. Medita uns segundos sobre como continuar. “Sempre é preciso deixar lugar para a empatia. Faço o possível por encarar de coração aberto todas as situações, mesmo quando na maior parte do tempo estou puta da vida e só quero berrar, gritar e perder o controle. Mas, para todos os efeitos, o que gente como Jair Bolsonaro causa é terror absoluto, trauma e uma dor brutal na vida das pessoas. O alcance do sofrimento que eles provocam é tão severo que é difícil descrevê-los de outra forma que não seja como malvados. Ainda acho que resta espaço para a compaixão, mas isso não altera o fato de que é preciso tomar medidas para que isto pare.”
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