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“Sempre incentivei as pessoas a não serem realistas”

James Rajotte
Andrea Aguilar

Grande apóstolo da inovação tecnológica, Nicholas Negroponte vem construindo pontes entre criadores e empresas há três décadas. Cofundador do lendário MIT Media Lab e da revista Wired, ele não deixou seu otimismo se abalar com a avalanche de críticas sobre a deriva da Internet. A próxima grande revolução, prevê, deve ser buscada na biotecnologia.

O elegante ar clássico de Nicholas Negroponte (Nova York, 1943), com seus óculos com armação redonda de tartaruga no estilo de Le Corbusier, um impecável pulôver de caxemira e engraxados sapatos de couro, não oferece nenhuma pista evidente que o permita identificar como um insigne agitador, há meio século um infatigável apóstolo do avanço tecnológico. Seu celular não está à vista, nem aparece em nenhum momento ao longo de uma hora de conversa, na sede da Fundação Norman Foster em Madri — instituição da qual é patrono —, mas Negroponte se gaba de estar perpétua e alegremente conectado. A desconexão não é algo que cogite.

Formado como arquiteto no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde pesquisou sobre as novas possibilidades que os computadores ofereciam ao design, iniciou sua carreira nessa mesma instituição em 1966, e quase duas décadas depois, em 1985, com Jerome B. Wiesner, lançou ali o lendário Media Lab, um centro multidisciplinar de pesquisa cujos projetos abrangem do urbanismo às ciências da saúde. Negroponte é uma ponte fundamental entre investidores e inventores. Criado em Manhattan no seio da próspera família de um armador grego e educado em internatos norte-americanos e suíços — seu irmão John é um conhecido diplomata norte-americano —, diz que se saía bem em matemática e artes (“Eu gostava de vestir duas roupas, a cinza e a listrada”), e que aquilo o conduziu ao campo da informática, um âmbito criativo onde havia muito por inventar e que era regido por fórmulas e códigos. Já a Davos, outro importante campo de ação, Negroponte chegou nos anos oitenta com seus pais, antes que o evento se chamasse Fórum Econômico Mundial, e por uma mera questão de vizinhança: a família tinha uma casa lá, e começaram a chamá-lo para proferir algumas palestras.

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Além de ser sócio de um fundo de investimentos especializado em tecnologia digital e entretenimento, investiu diretamente em quase meia centena de start-ups e foi sócio fundador da revista Wired. Suas populares colunas na última página dessa publicação deram-lhe grande visibilidade como defensor da ciberesfera e acabaram por colocá-lo na lista de autores best-sellers, ao serem reunidas no livro Vida Digital (Companhia das Letras), traduzido em mais de 40 idiomas. Pioneiro em muitos setores, Negroponte também fez a primeira palestra TED da história, em 1984. Lá discorreu sobre telas táteis, teleconferências e CD-ROM, algo que soava quase a ficção científica. Desde então, falou em mais de meia dúzia desses eventos. Não há dúvida de que tem muita fé na importância da comunicação, e de que se sente à vontade sobre um palco.

Pergunta. Você é muito conhecido por suas previsões. Quais espera que ainda se cumpram?

Resposta. Tive uma posição muito afortunada que me permitiu integrar numa visão de futuro aquilo que fazíamos no MIT. Mas eram extrapolações. É mais fácil se projetar quando você está totalmente envolvido fazendo coisas do que se está lendo e tentando adivinhar o futuro a partir da informação que analisou. Se você trabalhar em algo como o desenvolvimento de tecnologia de telas, é bastante simples vaticinar que progressivamente serão mais baratas e com melhor resolução e cor.

P. Num mundo em constante mudança, do que uma ideia necessita não só para decolar, mas também para perdurar?

Criamos o Media Lab do MIT como um lugar para inadaptados, para aqueles que não encaixavam estritamente na sociedade

R. A velocidade hoje é tão alucinante que o que custa entender é esse ritmo, e não tanto a mudança em si. Há ideias e escolas de pensamento que tiveram um ciclo de vida muito curto e, entretanto, seu impacto foi enorme por sua grande capacidade de contágio. Vou lhe dar um exemplo: o campo da ciência cibernética não durou muito, provavelmente hoje reste apenas um grupo de professores metacibernéticos, porque essa área de estudo começou nas ciências computacionais. Isto está voltando a ocorrer agora com a área da biologia sintética e os estudos relacionados com a genética que não têm necessariamente um nome ou um departamento claro, mas que estão conectados a outras áreas: embora talvez não sobrevivam como campos de estudo específico, conduzem a outros. A durabilidade de uma ideia tem a ver com que acabe fazendo parte da cultura, que a contagie.

James Rajotte

P. Após passar mais de uma década em laboratórios desenhando, você decidiu sair e ajudar outras pessoas a fazerem o que você já tinha feito. O que o levou a tomar essa decisão?

R. Cresci num entorno extremamente privilegiado e tive muita sorte. Meus pais eram intelectuais, aristocratas em certo sentido, muito europeus, e como seus filhos tínhamos ótimas oportunidades. Não tive a ambição de ser mais rico ou acessar uma classe social mais alta. Não sei se estava errado, mas achava que já tinha [dinheiro] e que a vida não era isso. Quando comecei a inventar e a pesquisar, as pessoas foram muito generosas comigo. Havia professores a quem disse coisas muito tolas e que não me desprezaram, mas sim ajudaram a repensar as ideias. No MIT faziam a gente acreditar que algo era possível. E me senti muito afortunado. Depois pensei que tinha chegado a minha vez de criar este tipo de oportunidade para os outros.

P. O que você aprendeu depois de 30 anos conectando o dinheiro e as ideias, o mundo dos negócios com a academia?

R. Aconteceram coisas muito interessantes. Sempre acreditei que meu trabalho consistia em defender os pesquisadores, isolá-los dos problemas, criar um ambiente onde pessoas de grupos sociais diferentes e de diversas idades trabalhassem juntas sem um plano rigoroso, em um lugar heterogêneo, estimulante e seguro. Tratava-se de proporcionar um espaço onde pudessem pirar. Porque criamos o Media Lab como um lugar para inadaptados, para aqueles que não se encaixavam estritamente na sociedade. Eles são frequentemente com quem mais temos a aprender, mas é preciso tomar cuidado: é muito tênue a linha que separa um inadaptado criativo de uma pessoa realmente louca e disfuncional. Por essa linha caminhamos no Media Lab, sem muita cautela. Sempre estimulei as pessoas a não serem realistas. Se alguém disser que algo é impossível, isso só tem que significar que é preciso tentar com mais afinco. Há poucos lugares onde você poder fazer isto, porque normalmente você está submetido a um critério, algo funciona ou não, é um sucesso ou um fracasso.

P. Fico me perguntando sobre as suspeitas que as empresas geram no mundo acadêmico, sobre a desconfiança entre inventores e empresários.

R. A relação entre esses dois mundos não está isenta de problemas. Nunca vendi uma ideia específica a ninguém, nem a uma empresa, nem a um membro de uma equipe acadêmica. Não prometi que transformaríamos chumbo em ouro. Aos CEOs eu explicava que, se manter um cientista desenvolvendo novos projetos na sua empresa custava uma determinada cifra, eu lhes oferecia 500 cientistas no Media Lab. Poderiam ter algo de que necessitassem, mas sem direitos exclusivos. De todo modo, era uma venda fácil, 500 contra um.

Talvez nós não, mas pode ser que seus netos sejam Frankensteins: poderemos nos desenhar e nos alterar

P. O Media Lab continuou crescendo, e a paisagem empresarial também mudou. Muitos “inadaptados criativos” hoje sonham em montar suas próprias start-ups, mais do que em trabalhar para os outros.

R. Seria incorreto dizer que no Media Lab a relação com as start-ups sempre é feliz e produtiva: algumas chupam do laboratório, e outras contribuem mais. É uma evolução natural no mundo de hoje, mas a vítima é o big thinking, o pensar grande, que já não recebe tanta atenção. O número de pessoas que fazem projetos pequenos é maior do que há 20 anos, porque esses são os que se prestam mais a prosperar.

P. Depois da eleição de Trump, vozes como a do jornalista Walter Isaacson e do cientista criador da Internet, Tim Berners-Lee, manifestaram sua preocupação com os rumos da Rede. O que opina?

R. Sim, tem gente que considera que a velocidade e a simplicidade das conexões geraram uma série de fenômenos que não são bons. Eu acho que isto é como argumentar contra a alfabetização. Não vejo o vínculo tão direto entre uma coisa e outra. A Internet não nos levou a Trump. Sua vitória tem a ver com o número de pessoas que não se sentiam representadas.

P. As polêmicas que a Internet suscita vêm de longe, mas o que há de novidade nas críticas atuais à tecnologia?

James Rajotte

R. Há uma corrente antitecnológica que vai além da Internet, e que para mim é difícil de entender. Por exemplo, as criptomoedas são importantes para fazer transações e gerar riqueza. Dizem que ajudam traficantes, mas esse argumento não leva em conta que nos negócios ilícitos também se usa dinheiro em espécie, e todos levamos moedas nos bolsos. Desvia-se a culpa numa direção equivocada.

P. Você argumenta que a biotecnologia é a grande nova revolução.

R. Sim, se o Media Lab começasse hoje, eu o voltaria para essa área, é o novo digital, o assunto mais importante na atualidade.

P. A revolução digital e a Internet mostraram quantas coisas podem dar errado por falta de previsão e atraso na legislação. Esse sistema não foi desenhado para que cada usuário tivesse uma identificação e controle sobre seus dados. Não lhe provoca certo pavor os problemas que podem surgir com a biotecnologia?

R. O impacto do setor biotech é de fato imenso, e os problemas éticos acarretados também. Afeta a própria vida, ao criá-la e alterá-la e manipulá-la, e inclusive fazer coisas que a natureza não fez. O mundo artificial e o mundo natural serão de repente o mesmo, de repente poderemos trabalhar numa escala tão pequena como a natureza e poderemos fazer coisas inimagináveis 30 anos atrás.

P. Seremos uns Frankensteins?

R. Talvez nós não, mas seus netos sim, no sentido de que poderemos nos desenhar e nos alterar.

P. Nosso estado de espírito também?

R. Isso já fazemos com comprimidos, com álcool e muitas outras coisas. O que me parece muito interessante é a comunicação direta de cérebro para cérebro. E o lado mais extremo disto é a involução da linguagem ao você poder se comunicar diretamente sem nenhuma interface. Não é algo que me preocupe, mas ler a mente das pessoas computacionalmente é algo que traz muitos problemas tremendamente complexos. Se é possível ler as mentes, e há evidência científica disso, é possível também escrever nelas? Ou seja, se você tomar um comprimido e aprender francês, isso seria escrever, não ler. Isso vai acontecer? Sim. É algo profundamente polêmico? Sim, é algo muito mais grave que a possibilidade de que pirateiem sua conta bancária.

P. A revolução digital parece que já diminuiu nossa capacidade de atenção e concentração.

R. Sim, muitíssimo. Hoje você espera que uma história termine muito antes. Muita gente, eu incluído, não consumimos textos longos. Sou disléxico e, como tinha dificuldades, lia ainda mais que os outros. Hoje consumo mais palavras, mas tudo em partes de aproximadamente 250.

P. A conexão 24 horas é outro dos temas inquietantes. Recorre-se a técnicas como o mindfulness para tentar rebatê-la, e há quem estipule um tempo diário para se desconectar. Você já tentou?

R. Não, e além disso acho que estar conectado me permite ter mais tempo de qualidade. As pessoas dizem: “Vou pegar duas semanas com a minha família e vou ficar totalmente desligado, não é maravilhoso?”. Mas se a opção fosse pegar quatro semanas de férias com sua família e estar um pouco conectado, você não preferiria? A maioria, sim. Sobre o mindfulness, entendo de onde vem, mas para mim não funciona.

P. As sociedades hiperconectadas enfrentam paradoxalmente novos problemas de isolamento. A revolução nas comunicações desembocou em caixas de ressonância?

R. Hoje, com pouquíssimo esforço você também pode ouvir mais vozes do que nunca, com opiniões que estão em diferentes lados da equação. Há uma parte de ouvir o que as pessoas querem ouvir, mas também existe a possibilidade de escutar outras opiniões. Um povoado pequeno, onde as pessoas só escutem umas às outras, também é uma caixa de ressonância. O que temos hoje é muito mais amplo.

P. Em um povoado você sabia quem falava, e hoje parte do problema está em que talvez você não saiba de onde vem essa voz.

R. Mais que para a procedência ou a identidade dessas vozes, sua pergunta aponta é para as fake news. As notícias falsas são criadas por gente que quer manipular, e isso é um escândalo. A questão é se é possível resolver isto computacionalmente ou de alguma outra forma.

P. Você sustenta que as nações desaparecerão e só haverá cidades.

R. Os prefeitos deveriam administrar o mundo. As nações são um conceito peculiar. Se você tivesse que redesenhar a organização de sete bilhões de pessoas, nunca pensaria em criar mais de 180 entidades, algumas das quais com 5.000 habitantes e outras mais de um bilhão. Evoluímos de uma maneira que nos levou a um modelo de organização bastante peculiar de países grandes e pequenos, uns construídos de forma arbitrária, outros por acidentes geográficos, outros por religião. Há uma enorme disparidade, e os países são muito grandes para serem locais, e muito pequenos para serem globais. Se você olhar os que são ricos, produtivos e felizes, todos tendem a ser sociedades democráticas de entre quatro e oito milhões de pessoas.

P. O que você opina sobre o impulso nacionalista que ganha adeptos por toda parte?

R. É muito lamentável, e o contrário do que esperava que ocorresse, pensava que com a Internet teríamos um mundo mais integrado. Os nacionalistas de qualquer tipo são egoístas. Tudo se discute em termos bastante egoístas e avaros.

P. Este crescimento nacionalista parece ser consequência do medo que as pessoas sentem. O temor vai crescer com a robotização das sociedades?

R. Ninguém discutia sobre os elevadores e outras coisas que mudaram nossas vidas. Agora o que parece preocupar as pessoas é que o grau de automatização esteja afetando o que antes considerávamos atividades intelectuais. Entendo a preocupação com o fato de o trabalho ser realizado por máquinas, mas não estou certo de que esta mudança seja algo ruim.

P. Seu otimismo se aplacou nos últimos anos?

R. Não, sou muito otimista, e isso é um estado natural, uma forma de ser.

P. Um de seus irmãos é o diplomata John Negroponte, e os outros dois se dedicam ao cinema e à arte. O que lhes inculcaram em sua casa?

R. Não sei se punham algo na água. Os mais velhos cresceram com a ideia do serviço público, e os dois mais novos talvez tenham crescido num momento em que se fomentava mais a criatividade e a expressão pessoal. Mas não posso lhe dizer por que nenhum fundou uma empresa. Suponho que nos atraíam mais o serviço à sociedade civil e a arte, coisas das quais nos falavam em casa.

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