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Igreja Ortodoxa ucraniana se separa formalmente da russa

O patriarca ecumênico de Constantinopla sela a independência de Kiev do Patriarcado de Moscou O ato em Istambul contou com a presença do presidente ucraniano

Bartolomeu I assina o decreto que marca a separação da Igreja Ortodoxa da Ucrânia em relação à da Rússia, neste sábado, em Istambul.
Bartolomeu I assina o decreto que marca a separação da Igreja Ortodoxa da Ucrânia em relação à da Rússia, neste sábado, em Istambul.Emrah Gurel (AP)

Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla — que atua como primus inter pares entre as comunidades ortodoxas do mundo —, assinou neste sábado em Istambul o tomos (decreto) que concede à Igreja Ortodoxa da Ucrânia a independência em relação à Igreja Ortodoxa da Rússia. Ambas estavam unidas desde 1686, e a hierarquia ortodoxa de Moscou respondia às tentativas de separação com uma férrea oposição. Epifânio, líder da recém-criada Igreja Ortodoxa autocéfala da Ucrânia, rejeitou as acusações de que a concessão da autocefalia se deva a motivos políticos, afirmando que seu país “seguiu nessa direção nos últimos 30 anos”. A busca da separação se intensificou depois que a Rússia anexou a península ucraniana da Crimeia, em 2014, e com o apoio de Moscou às milícias separatistas no leste da Ucrânia.

A assinatura ocorreu na Catedral de São Jorge, sede do Patriarcado de Constantinopla, na margem do Chifre de Ouro e com as presenças de Epifânio e do presidente ucraniano, Petro Poroshenko. O mandatário havia dito que a “autocefalia é um acontecimento de uma importância similar à da aspiração de ingressar na União Europeia e na OTAN”. Seus críticos o acusaram de promover o cisma com fins eleitorais, dada a sua baixa popularidade e a proximidade das eleições presidenciais, previstas para março. Um dos porta-vozes do Patriarcado de Moscou, Vladimir Legoida, declarou neste sábado, em seu canal do serviço de mensagens Telegram, que o tomos assinado “carece de valor canônico”.

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Lagoida também afirmou que o Natal — comemorado pela comunidade ortodoxa em 7 de janeiro — chegará “apesar dos esforços de alguns políticos ucranianos para roubá-lo com a ajuda do patriarca de Constantinopla”. O arcebispo Hilarion, chefe de relações exteriores da Igreja Ortodoxa russa, comparou a situação com o Grande Cisma de 1054, advertindo que o conflito atual pode se prolongar “por décadas ou até mesmo séculos”.

Em declarações ao EL PAÍS, uma fonte do Patriarcado de Constantinopla não atribuiu qualquer tipo de significado político ao assunto, embora tenha definido a assinatura do decreto como uma “questão vital” para “acabar com os problemas no seio da Igreja ucraniana e unificar seus fiéis”. Em 11 de outubro, a Igreja Ecumênica de Constantinopla anulou a subordinação dos ortodoxos da Ucrânia a Moscou. Desse modo, colocou em marcha o processo de independência. Após a assinatura deste sábado selando a divisão, a cerimônia oficial de entrega do tomos com a rubrica de Bartolomeu I será neste domingo em Istambul, capital espiritual do cristianismo ortodoxo desde o Império Bizantino.

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O líder de Kiev ressaltou que a “boa sintonia” com o Estado é “muito importante” para o funcionamento da nova instituição. Ao se referir diretamente à Igreja Ortodoxa russa, que não reconhece a separação da ucraniana em relação ao Patriarcado de Moscou, Epifânio disse reconhecer que muitos fiéis vão preferir continuar frequentando seus templos.

“Não temos nada contra isso. Todos devem poder escolher seu centro religioso de forma voluntária”, declarou o líder, em entrevista ao canal internacional alemão Deutsche Welle.

A Igreja Ortodoxa russa percebe a si mesma como um dos pilares do Estado russo. Fora de suas fronteiras está Kiev, que é seu ponto de referência e de origem, já que foi justamente na Rússia de Kiev (federação de tribos eslavas orientais) que, em 988, converteu-se ao cristianismo o príncipe Vladimir, a figura eslava medieval hoje invocada tanto pela Rússia como pela Ucrânia. Epifânio se mostrou confiante de que, dentro de um ano, a nova Igreja ucraniana reforçará suas posições ao ser reconhecida por outras igrejas, conseguindo assim a “unidade” e a “força” necessárias para continuar “servindo ao senhor e ao povo” ucraniano.

Poroshenko (direita) junto ao patriarca Bartolomeu I (esquerda) e o líder da igreja ucrania, neste sábado em Istambul.
Poroshenko (direita) junto ao patriarca Bartolomeu I (esquerda) e o líder da igreja ucrania, neste sábado em Istambul.OZAN KOSE (AFP)

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