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Aprovada a nova definição universal do quilograma

Valor da unidade de massa não dependerá mais de um objeto, e sim de uma constante da natureza

Ilustração do Protótipo Internacional do Quilograma fora de suas redomas protetoras.
Ilustração do Protótipo Internacional do Quilograma fora de suas redomas protetoras.Greg L (Wikimedia Commons)

Um quilo de laranjas, de açúcar ou de sequilhos, pesa, por definição, o mesmo que o cilindro de platino-irídio guardado sob várias redomas protetoras e trancado a três chaves no porão do Pavilhão de Breteuil, na periferia de Paris. Esse Protótipo Internacional do Quilograma (IPK, na sigla em inglês), usado para calibrar os padrões oficiais da unidade de massa, teve sua aposentadoria anunciada oficialmente nesta sexta-feira, após 129 anos de serviços prestados. Na última sessão da 26ª. Conferência Geral de Pesos e Medidas realizada nesta sexta em Versalhes, os 60 Estados membros votaram unanimemente por redefinir o quilograma: a partir do ano que vem, a unidade de massa não será um objeto físico, e sim um valor derivado de uma constante da natureza. Essa mudança não terá nenhuma implicação no carrinho de compras e não será notada no dia a dia, mas talvez seja muito importante em âmbitos científicos, como o desenvolvimento de medicamentos.

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“É a história da ciência sendo feita. Isso será contado nos livros didáticos”, afirmou José Manuel Bernabé, diretor do Centro Espanhol da Metrologia e representante da Espanha na conferência. Os metrologistas – especialistas no campo da medição de magnitudes – há anos preparam a mudança para o Sistema Internacional de Unidades, que incluirá redefinições do mol, do kelvin e do ampere para que estas unidades também se baseiem em constantes universais.

O quilograma recebe especial atenção por ser a última unidade fundamental cuja definição ainda depende da magnitude de um objeto físico. E isso é um problema, afirmam os cientistas, porque tal objeto não é imutável. No último século, a massa do IPK flutuou. Continua sendo um quilograma, já que por convenção não pode haver incerteza em seu valor, mas com relação à massa de outros padrões do quilograma variou em pelo menos 50 microgramas (milionésimos de grama). Isto ocorre porque o cilindro pode acumular partículas de sujeira do ar, e perde pequenas quantidades de material quando é limpo.

“Sentimos sobretudo alívio de que a decisão esteja tomada”, diz Stuart Davidson, chefe de metrologia de massa no Laboratório Nacional de Física (NPL) do Reino Unido, um dos centros mais envolvidos na redefinição do quilograma

Esses microgramas não afetam a compra de frutas ou sequilhos, mas precisam ser levados em conta na síntese de novos medicamentos, por exemplo. Na pesquisa física, essas flutuações são “intoleráveis”. Conforme explica Bernabé, com esta decisão “estão sendo implantados os alicerces para a nova ciência, com menos incerteza para o desenvolvimento da tecnologia”.

“Sentimos sobretudo alívio de que a decisão esteja tomada”, diz Stuart Davidson, chefe de metrologia de massa no Laboratório Nacional de Física (NPL) do Reino Unido, um dos centros mais envolvidos na redefinição do quilo. “Tem gente que passou toda a sua vida profissional trabalhando nisso. Agora podemos nos centrar em melhorar a tecnologia e a precisão das nossas medições”, acrescenta.

Outro incentivo para retirar o IPK foi o perigo de que o cilindro seja danificado ou deformado. O metro, que costumava ser o comprimento de uma barra de platina, já foi redefinido em 1983 justamente para evitar esses problemas. Ao fixar a velocidade da luz – constante no vácuo – com um valor numérico universal, os metrologistas resolveram definir o metro como “a distância percorrida pela luz em 1/299.792.458 segundo”. Qualquer laboratório capaz de medir a passagem do tempo com precisão pode calibrar sua própria barra de metro.

Revolução na medição

O valor do quilograma será derivado da constante de Planck graças a uma balança de potência

Com o quilo ocorrerá o mesmo, quando as mudanças aprovadas entrarem em efeito, em 20 de maio de 2019, aniversário do Tratado do Metro de 1875. "Em 20 de maio de 2019 se viverá a maior revolução na medição desde a Revolução Francesa", disse o prêmio Nobel Bill Phillips sobre o palco da convenção. Em vez da velocidade da luz, a cifra imutável escolhida para definir a unidade de massa é a constante de Planck, um valor que descreve os pacotes de energia emitidos em forma de radiação. A aprovação dessa definição do quilo demorou tantos anos porque até recentemente não havia meios tecnológicos para levá-la à prática. Agora, graças a um aparelho chamado balança de Watt (às vezes balança de Kibble, ou balança de potência), podem-se calibrar padrões do quilograma, já que o valor da constante de Planck é conhecido.

A balança de Watt lembra uma balança de pratos, mas o objeto a pesar não se equilibra com outra massa, e sim com uma potência eletromagnética. A potência é calculada a partir do valor da corrente elétrica aplicada para gerá-la e do valor da constante de Planck, ambos conhecidos. Quando alcança um equilíbrio com o prato do peso, permite calibrar padrões de massa com a menor margem de erro obtida até hoje (para um quilo, a margem de erro é de 20 microgramas).

A elegância da mudança para o Sistema Internacional é que, no futuro, seria possível desenvolver uma tecnologia mais avançada que permita derivar o valor de um quilograma – a partir da constante de Planck – com precisão ainda maior que a obtida pela balança atual, sem que seja necessário alterar a definição. Alguns cientistas propunham definir o quilograma utilizando a constante de Avogadro, que relaciona a quantidade de átomos ou moléculas com a massa de uma amostra, em lugar da de Planck. O consenso foi chegar a um nível empírico de exatidão que permita usar cifras fixas de ambas as constantes para obter o mesmo valor numérico do quilograma.

A constante de Avogadro, de cujo valor também depende a nova definição do mol, foi fixada medindo a quantidade de átomos em uma esfera perfeita de silício. Espera-se que nos próximos anos todos os valores experimentais do quilograma se aproximem mais, conforme diminui a margem de erro dos diferentes aparelhos de medição. “Os experimentos melhoraram muito nos últimos anos. Nunca vão concordar exatamente, mas agora é um momento tão bom como qualquer outro para realizar a mudança”, diz Davidson.

O que será do cilindro de platino-irídio guardado no porão do Escritório Internacional de Pesos e Medidas? “Continuará existindo”, afirma Bernabé: “Mas será um padrão a mais, com uma incerteza que se pode calcular”.

Além do quilograma, os 60 membros com direito a voto também aprovaram a redefinição de outras três unidades baseando-se em constantes universais invariáveis. Desse modo, o ampere (que mede a corrente elétrica) será calculado em função da carga elementar; o kelvin (temperatura) com base na constante de Boltzmann; e o mol (quantidade de substância) em função da constante de Avogadro.

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