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Eleições 2018
Coluna
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E agora, o que fazer com o Brasil de Bolsonaro?

Haddad conseguiu romper o clima de ódio: só essa oposição será capaz de vigiar o novo presidente

Um vendedor de camisas no Rio de Janeiro
Um vendedor de camisas no Rio de JaneiroPILAR OLIVARES
Juan Arias

O Brasil acordou no último domingo, 28, de um pesadelo. Descobriu que a maioria dos eleitores, mais de 55 milhões, tinha elegido democraticamente para presidente da República Jair Bolsonaro, um capitão da reserva, de extrema-direita, expulso do Exército e que se propõe, como “desígnio divino”, a acabar com a esquerda que governou o país durante 13 anos. Já fazia mais de 70 anos que isso não acontecia.

Para os outros 45 milhões que votaram no candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, fica agora a tarefa de organizar uma frente de oposição democrática que impeça o novo presidente de levar a cabo as ameaças feitas durante a campanha eleitoral contra a democracia e a favor da tortura e da ditadura militar.

Em seu primeiro discurso, Bolsonaro não disparou um revólver, um gesto típico seu. Levantou o texto da Constituição jurando que seu Governo “será escravo dela”. E fez alarde de respeitar todas as liberdades. Jurou que será o presidente de todos os brasileiros. Também daqueles que não pensam como ele, daqueles a quem aconselhou o exílio antes que pudessem ser eliminados? Juntamente com a Constituição, também brandiu um exemplar da Bíblia, que segundo ele lhe permitirá “libertar o Brasil”.

Ninguém sabe como o país poderá ser guiado agora por um presidente de extrema direita, votado maciçamente pelos evangélicos, que estará cercado por generais do Exército em seu Governo e que tinha afirmado no Congresso que o Brasil “não é um país laico” e quem não gostasse poderia ir embora. Seu lema é “Deus acima de tudo”.

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Portanto, cabe agora às forças progressistas e democráticas criar uma frente de oposição responsável que cuide para que o novo presidente cumpra seu juramento de não se afastar da Constituição e governar de acordo com os cânones das democracias modernas. O lógico seria que essa oposição fosse liderada por Fernando Haddad, que em poucas semanas foi capaz de conquistar 45 milhões de eleitores, muitos dos quais, embora não comungando com o PT, o apoiaram para tentar deter Bolsonaro. E ele o fez. Entusiasmou e manteve uma postura sem extremismos, sensata e de diálogo.

Não é, no entanto, esse tipo de oposição que parece querer hoje a parte mais radical do PT, que preferiria um confronto direto com o presidente-capitão. Foi esse radicalismo que impediu, já no primeiro turno das eleições, que fosse criada uma ampla frente democrática contra a extrema-direita, liderada por um candidato de centro-esquerda, uma vez que a rejeição de milhões de eleitores ao PT tinha sido o estopim que desencadeou o fogo da candidatura de Bolsonaro. Não foi possível porque nem o PT nem Lula – que é quem continua, da prisão, dirigindo o partido – permitiram. Preferiram a derrota a deixar que outra força de esquerda detivesse o perigo que se aproximava da democracia.

Haddad, que é visto pela ala esquerda do PT como um socialdemocrata, conseguiu, no entanto, amalgamar durante a campanha as maiores e mais responsáveis figuras políticas democráticas e progressistas do país dispostas a formar uma ampla frente de oposição para servir como contraponto à extrema direita do ex-paraquedista. Essa oposição democrática foi capaz de romper o clima de ódio e negatividade que permeava a sociedade. E conseguiu criar gestos simbólicos de resistência democrática e festiva, como ir às urnas com um livro ou flores na mão, como contraponto à paixão do novo presidente pelas armas.

Apenas uma oposição desse tipo, que sirva ao mesmo tempo para reunificar todas as forças democráticas fazendo-as dialogar e colaborar juntas, será capaz de cuidar para que o país não se veja despojado dos seus melhores valores democráticos, conquistados com tanto esforço depois da ditadura militar.

A responsabilidade neste momento sombrio não é pequena para o PT e seu líder, Lula, que foi, em última instância, o grande derrotado das eleições. Bolsonaro, segundo não poucos analistas, é o fruto amargo dos erros do PT. Agora chegou o momento da reflexão e de colocar a democracia do país à frente dos estreitos interesses de partido.

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